segunda-feira, 14 de abril de 2014

PERDA DE UMA CHANCE - PERDA DE PRAZO PARA INTERPOR RECURSO GERA DANO MORAL


A não interposição de recurso dentro prazo, por comprometer a possibilidade de o cliente virar o jogo a seu favor numa condenação, caracteriza perda de uma chance, ensejando indenização por dano moral. Afinal, embora a obrigação do advogado seja de meio e não de resultado, apresentar o recurso cabível e no prazo é dever primário e imediato da representação judicial.
O argumento levou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a manter, integralmente, sentença que condenou um escritório de advocacia de Uruguaiana a pagar o equivalente a 15 salários-mínimos de reparação moral a uma cliente. Embora tenha vencido a ação trabalhista principal a seus cuidados, o escritório tardou em interpor recurso contra a condenação por dano moral que sua representada sofreu em processo de reconvenção.
O relator da Apelação na 15ª Câmara Cível, desembargador Otávio Augusto de Freitas Barcellos, afirmou no acórdão que a questão posta nos autos não é apenas a possibilidade de êxito na demanda, mas o ato de parte dos procuradores, consistente na perda do prazo recursal.
‘‘A convivência cotidiana nos faz ver que, mesmo para os leigos do mundo jurídico e das ações judiciais, um dos exemplos mais corriqueiros de erro na prestação de serviço de advocacia é a perda de um prazo’’, afirmou o relator.
Atualmente, constatou o magistrado, a prestação de serviços vem sendo objeto de inúmeras ações judiciais, em que a classe dos advogados tece críticas e busca a responsabilização dos vários danos causados aos seus clientes.
‘‘Assim, é imprescindível que o advogado, dentre vários outros operadores do Direito, sirva de exemplo de serviço prestado de forma responsável, dada a importância que existe na relação de confiança que estabelece com seu cliente’’, encerrou. O acórdão foi lavrado na sessão de 19 de março.

Causa trabalhista
A autora contratou o escritório de advocacia para defendê-la numa reclamatória trabalhista, depois que foi demitida sem justa causa da Santa Casa de Caridade de Uruguaiana, onde trabalhou como médica radiologista pelo período de seis meses. O município fica na fronteira com a Argentina.
Citado pela Justiça do Trabalho, o hospital se defendeu e apresentou reconvenção, com o objetivo de processar a médica por danos morais. Motivo: ela foi acusada de dar declarações falsas num programa político transmitido pela tevê. Na sua ‘‘denúncia pública’’, disse, dentre outras coisas, que a Santa Casa lhe devia mais de R$ 200 mil e que não lhe permitia visitar sua família, que mora em Canoas, município da Região Metropolitana de Porto Alegre.
Embora tenha saído vitoriosa na causa trabalhista, embolsando R$ 49,2 mil, a autora foi condenada em danos morais na reconvenção. Segundo o juízo da 1ª Vara do Trabalho de Uruguaiana, suas ‘‘denúncias’’ não passavam de ‘‘inverdades’’ e tiveram o propósito de abalar a reputação do hospital perante a comunidade, principalmente no meio médico. O valor da reparação foi fixado em R$ 7.650, o equivalente a 15 salários-mínimos em janeiro de 2011.
Os procuradores da autora deixaram transcorrer o prazo para interpor o recurso ordinário e, quando o fizeram, ele não foi conhecido. Com isso, a sentença trabalhista acabou transitando em julgado. Em face da perda de prazo, a médica revogou o contrato com o escritório, sem pagar os honorários, denunciou-o junto ao Tribunal de Ética da OAB gaúcha e ainda entrou com Ação Indenizatória na Justiça comum. No processo, pediu que fosse isentada do pagamento de honorários advocatícios contratados, bem como ressarcida pelos danos materiais e morais sofridos.
Diante do juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Canoas, o escritório alegou que o contrato de prestação de serviços entabulado entre as partes se limitava ao ajuizamento da reclamatória, que gerou vantagens econômicas para a autora. Disse que não foi contratado para defendê-la na reconvenção, por se tratar de ação autônoma.

A sentença
A juíza Gioconda Fianco Pitt afirmou, de início, que o advogado tem de agir com atenção, diligência e com técnicas adequadas, constituindo-se o contrato de prestação de serviços numa obrigação de meio, não de fim. Assim, a teor do que dispõe o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) em seu artigo 14, parágrafo 4º, a responsabilidade civil do advogado é subjetiva; ou seja, demanda investigação acerca de sua culpabilidade.
Entrando no caso concreto, a juíza disse ser descabida a tese do réu, de que não foi contratado para atuar na reconvenção, já que essa ação tramita nos próprios autos da demanda principal, inclusive com sentença única. Por isso, a seu ver, não há necessidade de contratação específica para tal, já que o mandato abarca todas as questões que venham a ser analisadas durante o trâmite do feito.
Nesse contexto, a juíza entendeu que ficou caracterizada a desídia dos procuradores, pois a apresentação de recurso cabível e dentro do prazo é obrigação primária e imediata da representação judicial. Em consequência, o não agir da banca fez com que a parte autora perdesse a oportunidade de buscar a reforma da sentença.
‘‘A jurisprudência, há muito, vem decidindo acerca da responsabilidade civil do advogado, em casos como o dos autos, de negligência do patrono frente a seu cliente, embasando os julgados à doutrina da perda de uma chance (perte d’une chance). Segundo essa teoria, a indenização pelos danos morais seria devida pela perda da possibilidade de apreciação do direito do autor pelo Poder Judiciário’’, escreveu na sentença. A reparação foi arbitrada em R$ 10.170,00, o equivalente a 15 salários-mínimos em abril de 2013.
A julgadora negou, entretanto, o ressarcimento material. Se a obrigação é de meio, ponderou, o seu procurador não poderia garantir a reversão do resultado da condenação sofrida na reconvenção. Logo, não cabe a reparação.
Quanto ao pedido de isenção do pagamento de honorários, a juíza observou que o eventual direito da autora deve ser examinado no curso da ação de cobrança manejada pelo escritório de advocacia, que tramita numa das varas cíveis da comarca. Ou seja, deve ser examinado em sede de embargos de devedor.

Por Jomar Martins
Fonte Consultor Jurídico