A não interposição de recurso dentro prazo,
por comprometer a possibilidade de o cliente virar o jogo a seu favor numa
condenação, caracteriza perda de uma chance, ensejando indenização por dano
moral. Afinal, embora a obrigação do advogado seja de meio e não de resultado,
apresentar o recurso cabível e no prazo é dever primário e imediato da
representação judicial.
O argumento levou o Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul a manter, integralmente, sentença que condenou um escritório
de advocacia de Uruguaiana a pagar o equivalente a 15 salários-mínimos de
reparação moral a uma cliente. Embora tenha vencido a ação trabalhista
principal a seus cuidados, o escritório tardou em interpor recurso contra a
condenação por dano moral que sua representada sofreu em processo de reconvenção.
O relator da Apelação na 15ª Câmara Cível,
desembargador Otávio Augusto de Freitas Barcellos, afirmou no acórdão que a
questão posta nos autos não é apenas a possibilidade de êxito na demanda, mas o
ato de parte dos procuradores, consistente na perda do prazo recursal.
‘‘A convivência cotidiana nos faz ver que,
mesmo para os leigos do mundo jurídico e das ações judiciais, um dos exemplos
mais corriqueiros de erro na prestação de serviço de advocacia é a perda de um
prazo’’, afirmou o relator.
Atualmente, constatou o magistrado, a prestação
de serviços vem sendo objeto de inúmeras ações judiciais, em que a classe dos
advogados tece críticas e busca a responsabilização dos vários danos causados
aos seus clientes.
‘‘Assim, é imprescindível que o advogado,
dentre vários outros operadores do Direito, sirva de exemplo de serviço
prestado de forma responsável, dada a importância que existe na relação de
confiança que estabelece com seu cliente’’, encerrou. O acórdão foi lavrado na
sessão de 19 de março.
Causa trabalhista
A autora contratou o escritório de advocacia
para defendê-la numa reclamatória trabalhista, depois que foi demitida sem
justa causa da Santa Casa de Caridade de Uruguaiana, onde trabalhou como médica
radiologista pelo período de seis meses. O município fica na fronteira com a
Argentina.
Citado pela Justiça do Trabalho, o hospital
se defendeu e apresentou reconvenção, com o objetivo de processar a médica por
danos morais. Motivo: ela foi acusada de dar declarações falsas num programa
político transmitido pela tevê. Na sua ‘‘denúncia pública’’, disse, dentre
outras coisas, que a Santa Casa lhe devia mais de R$ 200 mil e que não lhe
permitia visitar sua família, que mora em Canoas, município da Região
Metropolitana de Porto Alegre.
Embora tenha saído vitoriosa na causa
trabalhista, embolsando R$ 49,2 mil, a autora foi condenada em danos morais na
reconvenção. Segundo o juízo da 1ª Vara do Trabalho de Uruguaiana, suas ‘‘denúncias’’
não passavam de ‘‘inverdades’’ e tiveram o propósito de abalar a reputação do
hospital perante a comunidade, principalmente no meio médico. O valor da reparação
foi fixado em R$ 7.650, o equivalente a 15 salários-mínimos em janeiro de 2011.
Os procuradores da autora deixaram
transcorrer o prazo para interpor o recurso ordinário e, quando o fizeram, ele
não foi conhecido. Com isso, a sentença trabalhista acabou transitando em
julgado. Em face da perda de prazo, a médica revogou o contrato com o escritório,
sem pagar os honorários, denunciou-o junto ao Tribunal de Ética da OAB gaúcha e
ainda entrou com Ação Indenizatória na Justiça comum. No processo, pediu que
fosse isentada do pagamento de honorários advocatícios contratados, bem como
ressarcida pelos danos materiais e morais sofridos.
Diante do juízo da 3ª Vara Cível da Comarca
de Canoas, o escritório alegou que o contrato de prestação de serviços
entabulado entre as partes se limitava ao ajuizamento da reclamatória, que
gerou vantagens econômicas para a autora. Disse que não foi contratado para
defendê-la na reconvenção, por se tratar de ação autônoma.
A sentença
A juíza Gioconda Fianco Pitt afirmou, de início,
que o advogado tem de agir com atenção, diligência e com técnicas adequadas,
constituindo-se o contrato de prestação de serviços numa obrigação de meio, não
de fim. Assim, a teor do que dispõe o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990)
em seu artigo 14, parágrafo 4º, a responsabilidade civil do advogado é subjetiva;
ou seja, demanda investigação acerca de sua culpabilidade.
Entrando no caso concreto, a juíza disse ser
descabida a tese do réu, de que não foi contratado para atuar na reconvenção, já
que essa ação tramita nos próprios autos da demanda principal, inclusive com
sentença única. Por isso, a seu ver, não há necessidade de contratação específica
para tal, já que o mandato abarca todas as questões que venham a ser analisadas
durante o trâmite do feito.
Nesse contexto, a juíza entendeu que ficou
caracterizada a desídia dos procuradores, pois a apresentação de recurso cabível
e dentro do prazo é obrigação primária e imediata da representação judicial. Em
consequência, o não agir da banca fez com que a parte autora perdesse a
oportunidade de buscar a reforma da sentença.
‘‘A jurisprudência, há muito, vem decidindo
acerca da responsabilidade civil do advogado, em casos como o dos autos, de
negligência do patrono frente a seu cliente, embasando os julgados à doutrina
da perda de uma chance (perte d’une chance). Segundo essa teoria, a indenização
pelos danos morais seria devida pela perda da possibilidade de apreciação do
direito do autor pelo Poder Judiciário’’, escreveu na sentença. A reparação foi
arbitrada em R$ 10.170,00, o equivalente a 15 salários-mínimos em abril de 2013.
A julgadora negou, entretanto, o ressarcimento
material. Se a obrigação é de meio, ponderou, o seu procurador não poderia
garantir a reversão do resultado da condenação sofrida na reconvenção. Logo, não
cabe a reparação.
Quanto ao pedido de isenção do pagamento de
honorários, a juíza observou que o eventual direito da autora deve ser
examinado no curso da ação de cobrança manejada pelo escritório de advocacia,
que tramita numa das varas cíveis da comarca. Ou seja, deve ser examinado em
sede de embargos de devedor.
Para ler sentença da vara trabalhista: http://s.conjur.com.br/dl/vara-trabalhista-uruguaiana-rs-condena.pdf
Para ler a sentença da vara cível: http://s.conjur.com.br/dl/tj-rs-mantem-sentenca-condenou-advogado.pdf
Para ler o acórdão do TJ-RS: http://s.conjur.com.br/dl/vara-canoas-rs-condena-advogado.pdf
Por Jomar Martins
Fonte Consultor Jurídico