O Judiciário já julgou diversas ações
movidas pelos participantes de marketing multinível reclamando que não
receberam os bônus ou prêmios prometidos, muito embora tenham indicado outros
participantes.
Está em tramitação ordinária perante a Câmara
de Deputados o Projeto de Lei nº 6775/2013, de iniciativa do deputado Acelino
Popó, o qual tem por objeto a regulamentação do exercício da atividade econômica
denominada marketing multinível ou marketing de rede, definido no próprio
projeto como modalidade de comercialização de bens ou serviços por meio de
vendas diretas ramificadas em vários níveis de remuneração, sendo bonificados
pela revenda ou pelo consumo próprio, bem como pelo recrutamento de novos
empreendedores para integrarem a rede, podendo ainda haver participação no
lucro líquido, de acordo com a política de remuneração da operadora, o contrato
de credenciamento do empreendedor e o plano de viabilidade econômico-financeira
da operação.
No Brasil já existem diversas operadoras de
marketing multinível, as quais recrutam pessoas, as quais podem participar como
empreendedoras, distribuindo bens e serviços congregados pela empresa
operadora, podendo, ainda, ser remunerados por esta atividade mediante programas
de bonificação ou participação nos lucros ou como recrutadoras de novos
participantes, os quais também podem ser bonificados ou receber prêmios, como
carros, casas, viagens, televisores, entre outros.
A grande questão que permeia esta atividade é
a formação da rede, mediante incentivo e também participação financeira. O
potencial integrante da rede (o qual se considera consumidor) quando a ela
adere em geral paga uma mensalidade para se valer dos benefícios – descontos em
bens e em serviços – sendo que essa mensalidade pode ter menor valor ou até mesmo
deixar de existir se houver a indicação de um número relevante de novos
participantes. A indicação de novos participantes também propicia a obtenção de
benefícios e prêmios ofertados por meio de programas de bonificação. Todo este
cenário está muito próximo da chamada pirâmide financeira, caracterizado como
crime contra a economia popular e contra o sistema financeiro nacional, situação
que veio à tona como os casos da Telexfree, Bbom, entre outros.
É por esta razão que no PL 6775/2013 há tanta
preocupação com a viabilidade econômico-financeira do marketing multinível,
sendo proposta, inclusive, a existência de um fundo garantidor da operação, de
modo a garantir que as bonificações e as compensações prometidas sejam, de
fato, cumpridas. A grande questão que envolve a pirâmide financeira é justamente
reter valor dos participantes, sem que ocorra a devolução prometida.
O Poder Judiciário brasileiro já proferiu
decisões relativas ao marketing multinível, na maioria delas em ações movidas
pelos participantes reclamando que não receberam os bônus ou prêmios
prometidos, muito embora tenham indicado outros participantes. No entanto, em
algumas decisões proferidas, os participantes não foram considerados consumidores,
não se revelando a sua hipossificiência, posto que de acordo com o entendimento
do magistrado, aquele que adere à rede sabe muito bem o que está fazendo,
procurando apenas benefícios financeiros fáceis, sem trabalho, situação que não
deve ser prestigiada.
O marketing multinível (network marketing ou
multi level marketing) já está incorporado como sistema de comercialização em
diversas partes do mundo, em especial nos Estados Unidos da América, fundado
numa rede de contatos, sem hierarquia, com elevado potencial mercadológico. Todavia
esta atividade, de fato, precisa ser regulamentada, haja vista que conceitos
estáticos de comércio e de relação de consumo vigentes no Brasil não se aplicam
a tal atividade, fazendo com que ela seja muitas vezes indevidamente
interpretada.
De outra face, é extremamente necessário que
ela seja exercida de maneira a dar segurança jurídica àqueles que dela
participam, cumprindo-se o contrato que se forma, haja vista que sempre que
alguém promete uma coisa a outrem, há contrato, por mais sui generis que seja a
relação estabelecida entre as partes.
Por Ana Paula Oriola de Raeffray
Fonte Jus Navigandi