segunda-feira, 17 de março de 2014

O MARKETING MULTINÍVEL NO BRASIL E O CONSUMIDOR


O Judiciário já julgou diversas ações movidas pelos participantes de marketing multinível reclamando que não receberam os bônus ou prêmios prometidos, muito embora tenham indicado outros participantes.
Está em tramitação ordinária perante a Câmara de Deputados o Projeto de Lei nº 6775/2013, de iniciativa do deputado Acelino Popó, o qual tem por objeto a regulamentação do exercício da atividade econômica denominada marketing multinível ou marketing de rede, definido no próprio projeto como modalidade de comercialização de bens ou serviços por meio de vendas diretas ramificadas em vários níveis de remuneração, sendo bonificados pela revenda ou pelo consumo próprio, bem como pelo recrutamento de novos empreendedores para integrarem a rede, podendo ainda haver participação no lucro líquido, de acordo com a política de remuneração da operadora, o contrato de credenciamento do empreendedor e o plano de viabilidade econômico-financeira da operação.
No Brasil já existem diversas operadoras de marketing multinível, as quais recrutam pessoas, as quais podem participar como empreendedoras, distribuindo bens e serviços congregados pela empresa operadora, podendo, ainda, ser remunerados por esta atividade mediante programas de bonificação ou participação nos lucros ou como recrutadoras de novos participantes, os quais também podem ser bonificados ou receber prêmios, como carros, casas, viagens, televisores, entre outros.
A grande questão que permeia esta atividade é a formação da rede, mediante incentivo e também participação financeira. O potencial integrante da rede (o qual se considera consumidor) quando a ela adere em geral paga uma mensalidade para se valer dos benefícios – descontos em bens e em serviços – sendo que essa mensalidade pode ter menor valor ou até mesmo deixar de existir se houver a indicação de um número relevante de novos participantes. A indicação de novos participantes também propicia a obtenção de benefícios e prêmios ofertados por meio de programas de bonificação. Todo este cenário está muito próximo da chamada pirâmide financeira, caracterizado como crime contra a economia popular e contra o sistema financeiro nacional, situação que veio à tona como os casos da Telexfree, Bbom, entre outros.
É por esta razão que no PL 6775/2013 há tanta preocupação com a viabilidade econômico-financeira do marketing multinível, sendo proposta, inclusive, a existência de um fundo garantidor da operação, de modo a garantir que as bonificações e as compensações prometidas sejam, de fato, cumpridas. A grande questão que envolve a pirâmide financeira é justamente reter valor dos participantes, sem que ocorra a devolução prometida.
O Poder Judiciário brasileiro já proferiu decisões relativas ao marketing multinível, na maioria delas em ações movidas pelos participantes reclamando que não receberam os bônus ou prêmios prometidos, muito embora tenham indicado outros participantes. No entanto, em algumas decisões proferidas, os participantes não foram considerados consumidores, não se revelando a sua hipossificiência, posto que de acordo com o entendimento do magistrado, aquele que adere à rede sabe muito bem o que está fazendo, procurando apenas benefícios financeiros fáceis, sem trabalho, situação que não deve ser prestigiada.
O marketing multinível (network marketing ou multi level marketing) já está incorporado como sistema de comercialização em diversas partes do mundo, em especial nos Estados Unidos da América, fundado numa rede de contatos, sem hierarquia, com elevado potencial mercadológico. Todavia esta atividade, de fato, precisa ser regulamentada, haja vista que conceitos estáticos de comércio e de relação de consumo vigentes no Brasil não se aplicam a tal atividade, fazendo com que ela seja muitas vezes indevidamente interpretada.
De outra face, é extremamente necessário que ela seja exercida de maneira a dar segurança jurídica àqueles que dela participam, cumprindo-se o contrato que se forma, haja vista que sempre que alguém promete uma coisa a outrem, há contrato, por mais sui generis que seja a relação estabelecida entre as partes.

Por Ana Paula Oriola de Raeffray
Fonte Jus Navigandi