Um novo livro reúne
dicas para quem quer desacelerar a leitura e a vida
A velocidade da internet nos fez desaprender
a arte da leitura. É preciso redescobri-la. Quando abandonamos as distrações
digitais e lemos um livro com calma, mesmo que por pouco tempo, cultivamos
algumas habilidades fundamentais que corremos o risco de perder.
Para quem está destreinado, reacostumar-se à
leitura lenta ou praticá-la pela primeira vez pode dar trabalho. Não há motivo
para preocupação. Os livros – sempre eles – podem ajudar. São incontáveis os
autores que pretendem nos ensinar a ler melhor. Entre eles, o crítico literário
americano David Mikics é o que mais chamou minha atenção, com seu livro recém-lançado
Slow reading in a hurried age (A leitura lenta numa era apressada).
O título explica tudo – perfeito para quem
quer capturar a atenção de leitores apressadinhos. Ao longo de 336 páginas,
Mikics defende os benefícios da leitura lenta e se propõe a ensiná-la. É a mais
apaixonada declaração de amor aos livros que li nos últimos tempos. Na coluna
de hoje, divido algumas de suas dicas para quem quer abandonar a pressa.
1. Saiba por que você
está lendo
Ninguém lê um livro apenas para passar o
tempo. Na internet, no celular ou na tela da televisão, não faltam outras opções
mais atraentes e acessíveis para quem quer relaxar nas horas vagas enquanto o
sono não vem. Ler um livro é uma atividade diferente de todas elas. Lemos
porque estamos procurando respostas para algo – talvez uma pergunta que ainda não
tenhamos feito. Pense nisso. Ler sem motivo é uma receita infalível para ler
mal. Antes de começar um novo livro, tente responder a essa questão simples: o
que você espera tirar dessa leitura? É uma maneira de escolher melhor os livros
que lemos – e de garantir que a pergunta será respondida.
2. Fuja da microleitura
Engana-se quem diz que a televisão é a
principal inimiga dos livros. A maior distração dos leitores, hoje em dia, é a
própria leitura. Dedicamos a maior parte de nosso tempo na internet a uma
leitura fragmentada, superficial, com péssimos índices de compreensão e retenção.
Você pode passar o dia inteiro lendo posts no Facebook e notícias curtas em
portais. Daqui a um mês, não se lembrará de nada. Repetir esse comportamento
por um longo prazo é matar a mente de inanição. “Não dá para viver dessa dieta”,
diz Mikics. “Até para ler apenas uma página de literatura de verdade é preciso
ter tempo para refletir.”
3. Aprenda a perder
Um dos erros mais comuns entre apaixonados
por livros é não respeitar seus próprios limites. A lista de leituras pendentes
é interminável e não há tempo a perder. Mal viramos a primeira página e já pensamos
em acabar a história, e no próximo livro que leremos em seguida. Com isso, a
leitura passa a ser uma fonte de estresse. A vontade de terminar o livro é tão
grande que não somos capazes aproveitá-lo. Reconhecer que não conseguiremos ler
tudo o que queremos é fundamental para aproveitar a leitura. “Como você lê importa
muito mais do que quanto você lê”, diz Mikics. Ler cinco livros com prazer é muito
melhor do que ler cinquenta sem refletir sobre eles.
4. Respeite o autor
Você pode até não perceber, mas a internet
se molda às suas vontades. Seus amigos nas redes sociais provavelmente pensam
como você. Algoritmos do Google e do Facebook selecionam e exibem o conteúdo
que tem mais chances de agradar alguém com o seu perfil. Você pode passar um
dia inteiro na internet sem encontrar alguém que tenha bons argumentos para
discordar de suas opiniões. Ler um livro, pelo contrário, é um exercício
permanente de questionar convicções. É deixar de ser protagonista para ser
ouvinte. Na leitura, a opinião do autor é muito mais importante do que a do
autor. É preciso deixar as preferências pessoais de lado para entender um livro
por completo, mesmo que discordemos dele. Só quem aprende a ouvir e aceitar
opiniões diferentes conseguirá aproveitar a leitura.
5. Desconfie do
autor
Endeusar um autor pode ser ainda mais
perigoso do que rechaçá-lo logo de cara. Qualquer livro, mesmo os grandes clássicos,
é cheio de idiossincrasias típicas de qualquer obra humana. Analisar as
escolhas do autor e fazer perguntas sobre elas é uma maneira de dar ainda mais
profundidade à leitura. O que cada personagem representa? Por que o livro
termina da maneira como termina? O que mudaria se a história se passasse nos
dias de hoje? Alguma das opiniões do autor seria considerada polêmica ou
inaceitável atualmente? Condenar o autor é injusto e inútil, mas fazer
perguntas desse tipo é um passo importante para garantir que tiraremos o melhor
de cada livro.
6. Imagine novas
histórias
Para terminar um livro, o autor é obrigado a
tomar decisões. Das inúmeras de histórias diferentes e contraditórias
imaginadas por ele, apenas uma chega ao leitor na história publicada. Por que
ela foi escolhida? Por que a trama não se desenrolou de outra forma? As
perguntas parecem infantis, mas são um passo essencial para quem quer entender
melhor o autor. Pense nas maneiras diferentes como o livro poderia ser escrito.
Imagine histórias paralelas e tente se colocar na cabeça do escritor que
decidiu descartá-las. Ralph Waldo Emerson escreveu uma bela frase sobre o
assunto: “Assim como existe a escrita criativa, existe a leitura criativa.” O
que não está no livro pode ser tão estimulante quanto o que chegou às páginas
da versão final.
7. Viva com o livro
“Olhar para um tweet demora alguns segundos;
entender um romance demora dias, às vezes semanas”, diz Mikics. Pela sua
natureza, o livro é algo que nos acompanha no dia a dia, mesmo quando não
estamos diante de suas páginas. Pensar num livro quando estamos longe dele é uma
parte indispensável da leitura lenta. Leve seu livro para passear, ainda que
mentalmente. Lembre-se dele nas situações mais inusitadas do cotidiano. Se você
tiver sorte, isso mudará algo na sua forma de ver o livro (ou a vida). Um tweet
dificilmente teria esse efeito.
8. Repita até aprender
Com tantos livros para ler em tão pouco
tempo, a releitura poderia ser vista como um pecado a ser evitado a todo custo.
Na prática, ela é essencial. Mikics recomenda que todos os leitores tenham uma
prateleira de livros favoritos e releiam ao menos partes deles com frequência. Cada
leitura é uma redescoberta. Uma das mais verdadeiras frases sobre esse hábito
foi escrita pelo romancista Robertson Davies: “Um livro verdadeiramente
grandioso deve ser lido na juventude, na maturidade e na velhice, da mesma
forma que um prédio bonito deve ser visto de manhã, ao entardecer e à luz da
lua.”
9. Encontre sua próxima
leitura
Uma boa leitura pode ser definida como uma
conversa franca entre leitor e escritor. Quando embarcamos nela, é comum
entreouvirmos, à distância, diálogos entre o autor do livro e outros autores. Um
leitor curioso não deve perder a chance de acompanhar essas conversas. Um bom
livro serve como porta de entrada para uma infinidade de outros, igualmente
valiosos.
10. Reavalie sua
vida
A experiência da leitura, segundo Mikics, é comparável
a uma visita a um país estrangeiro. Podemos nos comportar como turistas
impacientes, que estranham quaisquer novidades e não veem a hora de chegar em
casa. Mas é muito mais recompensador aprender com as diferenças culturais,
aceitá-las, descobrir um novo universo e reavaliar sua vida com base nessas
descobertas. Cada livro é um país desconhecido. “Aproveitar ao máximo a viagem
a esse novo território significa se render os sons e paisagens do lugar,
mantendo-se alerta a todas as suas surpresas. Só depois você pode julgar o que
viu”, afirma o autor. Cada nova leitura é uma chance de escolher se seremos
viajantes curiosos ou turistas apressados. Nunca é tarde para aproveitar a
viagem.
Por Danilo Venticinque
Fonte Época Online