O tema tratado nesse artigo é de bastante
relevância, já que não há previsão específica no Código de Defesa do Consumidor.
Quem nunca deixou um produto na assistência
técnica por muitos dias, pois “esqueceu” de buscá-lo? Muitos também já passaram
pela situação de ter ido buscar o produto e o estabelecimento informar que já vendeu
o bem, ou mesmo querer cobrar pelo tempo que o produto ficou sob sua guarda e
responsabilidade?
Pois bem. O consumidor tem prazo para poder
buscar o produto na assistência técnica, a contar da data do reparo.
O Código de Defesa do Consumidor não prevê data
para o consumidor retirar o produto da assistência técnica, após o efetivo
reparo.
Mas é perfeitamente legal que a assistência
técnica estipule um prazo para a retirada do produto após o reparo, que deverá ser
respeitado pelo consumidor.
Embora a Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990,
seja um avanço legislativo que regula as relações de consumo, não é possível
prever todas as situações que a vida em uma sociedade moderna pode criar. Porém,
não se pode deixar sem respaldo nenhuma relação jurídica, sendo que neste caso
a própria Lei 8.078/90 prevê, em seu artigo 7º, que outras leis serão
utilizadas, além dos princípios gerais do direito, analogia e equidade.
Assim, não havendo determinação expressa
sobre o que a assistência técnica deverá fazer quando um produto é “esquecido” no
seu estabelecimento, deve-se buscar amparo em outros diplomas legais.
Quando um produto é deixado em qualquer
estabelecimento para reparo, melhoria, troca, orçamento, avaliação, etc., e não
é retirado, pode-se pensar que houve o abandono do bem.
Porém, não pode haver esse tipo de
entendimento, eis que o abandono não se presume. Deve existir a intenção de
abandonar. E, o que parece um pouco lógico, quem tem intenção de abandonar algo
não o deixa na assistência técnica para reparo. Portanto, não há como presumir
o abandono.
Alguns estabelecimentos adotam a seguinte
regra: estipulam prazo para a retirada do produto, imputando a pena de
perdimento da coisa como forma de pagamento pelo conserto.
No entanto, esse tipo de conduta é completamente
ilegal e considerada abusiva, na forma do artigo 51, inciso IV, do Código de
Defesa do Consumidor. Mesmo porque, no mundo atual, é comum o “esquecimento”, não
sendo possível, portanto, a aplicação da sanção de perda de propriedade do
produto.
Desta forma, o estabelecimento em nenhuma
hipótese pode vender, doar e/ou se desfazer do produto, sob pena de responder
civil e criminalmente por tal ato.
Mas o estabelecimento pode cobrar pela
estadia da coisa que está sob sua guarda, a contar do prazo estipulado para a
retirada após o reparo.
Ou seja, é lícita a cobrança da permanência
do objeto que fica na guarda do estabelecimento, quando o mesmo, após reparado,
não é retirado pelo consumidor. Isto porque o estabelecimento terá despesas e
responsabilidades pela guarda do bem. Para tanto, deve haver a informação na
ordem de serviço, protocolo ou recibo que o consumidor recebe ao deixar seu
produto no estabelecimento.
Quando se trata de um bem de valor
inexpressivo, os estabelecimentos não costumam cobrar pela estadia. Todavia,
quando se trata de um carro, moto, caminhão, e estes são deixados na oficina ou
concessionária, é comum referida cobrança, a qual é legal e não apresenta
qualquer abusividade.
Como não há previsão de tempo e valor quanto
a estadia do produto que é “esquecido” no estabelecimento, a assistência pode
estipular, a seu critério.
Todavia, para que não se possa alegar
desiquilíbrio na relação contratual, podendo vir a prejudicar o consumidor, o
ideal é que se estipule prazo e valor razoáveis. Mas, frise-se, as informações
devem constar na ordem de serviço, recibo e/ou orçamento.
O que tem sido habitualmente utilizado é o
prazo de 30 dias, a contar da data da comunicação pelo estabelecimento ao consumidor,
do efetivo reparo do produto. E, a título de estadia, deve ser estipulado um
valor razoável, sem excessos, para não se tornar abusivo. Ainda, o valor da
estadia não poderá ultrapassar o valor do serviço realizado.
Outrossim, importa dizer que, caso o
consumidor não promova a retirada do bem, mesmo após notificado do prazo para
tal retirada, o estabelecimento poderá entregá-lo a autoridade policial ou ao
juiz.
Quanto a não retirada do produto pelo
consumidor, mesmo após notificado, como não há qualquer previsão legal sobre
esse aspecto no Código de Defesa do Consumidor, pode ser adotado, por analogia,
o regramento geral dos artigos 1170 a 1176, do Código de Processo Civil, que
trazem o procedimento com relação às coisas vagas.
Mesmo que o regramento mencionado tenha sido
criado, a princípio, para destinação de coisas perdidas, o artigo 1175 diz que
a regra é aplicável aos objetos deixados em hotéis, oficinas e outros
estabelecimentos.
Cumpre esclarecer que o dispositivo legal
prevê que o procedimento de coisas vagas é aplicável aos objetos deixados e não
reclamados dentro do prazo de um mês. Assim, como não há na lei o termo
inicial, é prudente que a contagem se inicie após transcorridos os trinta dias,
a contar do recebimento da notificação.
Em suma, deverá constar no recibo/ordem de
serviço/orçamento, o prazo da retirada. Após ter expirado o prazo de retirada
do produto, a contar da comunicação do reparo, o estabelecimento envia um
comunicado (notificação), com aviso de recebimento (AR), para o consumidor,
solicitando a retirada do produto no prazo de 30 dias. Caso o prazo não seja
respeitado, o estabelecimento pode entregar o produto à autoridade policial ou
ao juiz.
Importante mencionar que na notificação/aviso,
deverá constar que caso o consumidor não retire o produto no prazo de um mês,
este será entregue em juízo (ou a autoridade policial) para que seja dada a
destinação nos termos da lei. Ainda deverá constar se haverá ou não despesas
referentes aos eventuais reparos e a estadia (guarda).
Caso a entrega seja feita por petição ao
juiz, o local de ajuizamento é do domicilio do consumidor. Caso este tenha
mudado e seja desconhecido seu novo endereço, a ação poderá ser ajuizada no
domicílio do estabelecimento.
Se o bem for entregue a autoridade policial,
será lavrado um “Auto de Arrecadação”, onde deverão constar informações sobre o
produto, fornecedor e as circunstâncias, o nome do consumidor e o endereço
conhecido. Poderá ser feito em delegacia de qualquer circunscrição, pois será encaminhada
ao juízo da competência respectiva.
Se for entregue por via judicial, deverá ser
feito por meio de petição assinada por advogado. Neste caso, o juiz mandará citar
o consumidor para retirar o produto, condenando-o a pagar as despesas do
estabelecimento, tanto referente aos reparos (se estes tiverem sido realizados),
como relativos à guarda do bem (estadia).
Se o consumidor, mesmo intimado, não retirar
o produto ou não quiser pagar a dívida, o bem vai a leilão podendo o
estabelecimento adjudicar o produto, depositando a diferença. Como também,
qualquer outra pessoa poderá arrematar o bem no leilão.
Assim, o ideal é que o estabelecimento
insira em sua ordem de serviço uma cláusula que especifique o prazo para a
retirada do bem após o conserto, bem como valor para estadia do mesmo, caso o
prazo seja expirado. Como também, informe que na hipótese do produto não ser
retirado na data mencionada, o mesmo será depositado em juízo para destinação
legal.
Com isso, o estabelecimento fica isento de
responsabilidades; recebe pelo serviço prestado e não fica com um bem ocupando
seu espaço.
Por Priscilla Yamamoto R. Godoy
Fonte Consultor Jurídico