Cirurgias estão sujeitas a fatalidades,
riscos inerentes ao procedimento e que não estão ligados à atuação do
profissional. Exatamente por serem imprevisíveis, tais situações não precisam
ser alertadas pelo médico ao paciente. Assim, caso uma pessoa morra por uma
fatalidade ocorrida em uma operação, não existirá responsabilidade civil do
profissional. Com este entendimento, a 10ª Câmara de Direito Privado do
Tribunal de Justiça de São Paulo acolheu Apelação de uma clínina estética, da médica
e do anestesista responsáveis pela cirurgia plástica em uma mulher que morreu
por causa de uma embolia pulmonar.
A decisão, que teve como base o voto do
desembargador Cesar Ciampolini Neto, pode encerrar uma disputa que já dura
quase 19 anos e passou por três instâncias. Em agosto de 1995, Cibele Giraldi,
que tinha 30 anos e uma filha de oito meses, internou-se em uma clínica de
Santos para uma cirurgia nos seios. O procedimento correu tranquilamente, mas
houve problemas no pós-operatório e a paciente foi transferida da Clínica Paulo
de Tarso Mitidiero para um hospital, local em que morreu horas depois.
O inquérito policial levou o Ministério Público
a apontar que não havia nexo causal entre a tragédia e a conduta dos
profissionais. A causa da morte de Cibele Giraldi, segundo a perícia, foi uma
embolia pulmonar, mal súbito sem sintomas que pode atingir qualquer ser humano,
caracterizando um evento fortuito, e que não estava relacionada aos riscos da
cirurgia. A primeira sentença absolveu os médicos e a clínica, apontando que não
houve qualquer culpado pela morte da mulher, sem irregularidade na atuação das
partes.
A família da paciente recorreu ao Tribunal
de Justiça de São Paulo, que anulou a sentença e determinou o retorno do caso à
primeira instância, para uma nova perícia, desta vez indireta, com base nos
documentos. Foram ouvidos dois profissionais, que também negaram erros na
conduta dos médicos. Mesmo com tal conclusão, a sentença de primeira instância
condenou a clínica, a médica e o anestesista responsáveis pela cirurgia, a
pagar R$ 101 mil cada à mãe e ao filho de Cibele Giraldi. A peça apontou que não
há provas de que a paciente foi avisada sobre todos “os riscos do procedimento
e as cautelas necessárias para uma boa recuperação”. Isso incluiria a embolia
pulmonar que, de acordo com a sentença, “embora seja inevitável, certamente é previsível”,
e isso deveria ter sido informado à paciente.
Volta ao início
Relator da Apelação apresentada pelo
advogado José Rubens Machado de Campos, do Machado de Campos e Barreto Advogados,
defensor da clínica e dos dois médicos, o desembargador Cesar Ciampolini
apontou que não há como provar que a ação ou a omissão dos médicos causaram a
morte da paciente. Ele citou que a primeira perícia aponta a impossibilidade de
que a embolia pulmonar fosse revelada por exames, sendo taxativa ao assegurar
que “não há nexo causal entre os atendimentos médicos” e o mal súbito. Posteriormente,
de acordo com o desembargador, a segunda perícia também negou o erro médico,
uma vez que a embolia pulmonar é “uma das principais causas de morte em
pacientes hospitalizados, complicando a evolução de casos clínicos e cirúrgico”.
A complementação desta segunda perícia
incluiu pergunta sobre a possibilidade de a anestesia geral aumentar os riscos
de embolia, algo negado pela especialista. A perita também confirmou que o
risco existente era o menor possível, simbolizado pelo grau "1". Cesar Ciampolini disse em seu voto que o índice
de casos não percebidos chega a 85% e a embolia pulmonar é de alta letalidade e
impossível de ser evitada, todas informações colhidas na perícia.
O relator apontou que o grau de
responsabilidade civil do cirurgião plástico é igual ao de qualquer médico,
sempre levando em conta que os procedimentos estéticos pode levar à frustração
se o resultado não for o esperado. No caso em questão, Cibele Girdardi entrou
na sala de operações após passar por exames que identificaram o menor risco
possível para o procedimento, informou ele. A cirurgia foi feita de acordo com
as normas, segundo o desembargador, e a morte foi “uma fatalidade, risco
inerente a qualquer procedimento cirúrgico”, sem que exista responsabilidade
civil dos profissionais.
De acordo com Cesar Ciampolini, não há como
responsabilizar os médicos pela morte, sendo que isso já foi reconhecido na
esfera penal, em caso que transitou em julgado. Em relação à necessidade de
alerta à paciente, o desembargador afirmou que o menor risco operatório possível
e o fato de o mal súbito não ser detectável mostram que “simplesmente não havia
do que ser a paciente alertada”. Ele citou precedente do Superior Tribunal de
Justiça no sentido de que em, caso fortuito ou situação de força maior, a
responsabilidade civil do médico é afastada.
O advogado José Rubens de Campos aponta que
com a exigência de que os médicos alertem o paciente sobre os riscos previsíveis
e o imponderável, em uma cirurgia, “ninguém vai fazer a operação. Você inviabiliza
o exercício da medicina”.
Direito de internação
De acordo com Campos, a questão envolvendo a
clínica tem outro aspecto muito importante, envolvendo o direito de internação.
Como explica o advogado, nenhum hospital ou clínica que tenha vagas pode se
recusar a internar um paciente encaminhado por um médico, mesmo que nenhum
deles esteja ligado ao local. No entanto, em tais situações, não há responsabilidade
objetiva do estabelecimento, o que o obrigaria a provar que a conduta foi
adequada, segundo o advogado.
No voto que conduziu o entendimento do TJ-SP,
o desembargador Ciampolini apontou que os médicos não eram contratados da clínica,
que também não tinha vínculo com a paciente, afastando a responsabilidade
objetiva. Por entender que não houve falha de conduta dos profissionais, ou
prova de imperícia, imprudência ou negligência por parte do estabelecimento,
Cesar Ciampolini rejeitou a alegação contra a clínica. A posição de Cesar
Ciampolini foi acompanhada pelos desembargadores Roberto Maia e Carlos Alberto
Garbi.
Para ler a decisão: http://s.conjur.com.br/dl/medico-nao-avisar-pacientes-riscos.pdf
Por Gabriel Mandel
Fonte Consultor Jurídico