Giovanni
di Pietro di Bernardone nasceu na cidade de Assis, Itália, filho de um rico
comerciante, no ano de 1182. Seu pai, como todos os pais de todos os tempos,
desejava que o filho fosse como ele comerciante, com o que teria uma existência
segura. No entanto, Giovanni teria recebido um chamado de Deus para reconstruir
a sua Igreja e por isso, ainda jovem, largou todos os seus bens e passou a
dedicar-se aos pobres, recebendo o nome de Francisco. Foi seguido por muitos,
inclusive por Clara, rica jovem que tudo abandonou, tornando-se freira. Ambos
foram reconhecidos como santos e as suas Ordens religiosas, Franciscanos e
Clarissas, que pregam a vida com simplicidade e o auxílio ao próximo,
espalharam-se pelo mundo.
Atribui-se
a Francisco de Assis, certamente por sua conduta em vida, pregando sempre a
paz, o amor à criação e a caridade, uma oração surgida em Roma no início do
século 20, conhecida como Oração de São Francisco. Se é ou não dele a autoria,
ninguém sabe. Talvez sim, sendo transmitida oralmente através dos séculos.
Talvez não, sendo a ele associada apenas pela mensagem que passa, que é
totalmente harmônica com o que o santo pregava.
Aproxima-se
o Natal. Espera-se de todos uma reflexão sobre as suas vidas. Nada mais
oportuno que tentar trasladar a mensagem da Oração da Paz para os nossos dias
e, especificamente, para o nosso universo jurídico. E pouco importa a religião
adotada ou a não adoção de nenhuma. O que importa é a mensagem de tolerância. E
neste ponto o “povereto d’Assise”, como era conhecido Francisco, foi imbatível.
Foi o único a tentar uma aproximação com os islamitas nos tempos das Cruzadas e
a lutar para que os prisioneiros não fossem torturados. Então, vejamos.
“Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz”
A
manifestação da vontade, a aspiração de ser instrumento da paz, é a primeira
ação daquele que seja pacificar as relações sociais. Qualquer um pode auxiliar
nesta pregação. Porém, os que detêm cargo de poder podem mais. Que felicidade
alguém exercer uma função com objetivo tão elevado. Imagine-se um Policial
Militar que transmite solidariedade, atenção, aos moradores de um bairro. Não
se diga que é um sonho impossível. Francisco de Assis, centenas de anos atrás,
passou idênticas dificuldades e conseguiu.
“Onde houver ódio, que eu leve o amor”
O
ódio está presente em muitas relações no mundo jurídico. Ódio decorrente de
posições ideológicas diferentes, do sucesso do outro ou por simples disputa de
poder. Isto pode ocorrer, por exemplo, dentro do Ministério Público, em que
eleições para a escolha do Procurador-Geral pode criar grupos oponentes.
Aqueles que procuram a harmonia, que amenizam as críticas, que não transmitem
provocações, cumprem um papel importante dentro das instituições.
“Onde houver ofensa, que eu leve o perdão”
A
ofensa vem sempre de alguém revoltado. Com ou sem razão. Se for rebatida com a
mesma intensidade, as relações só se agravarão. A discórdia aumentará. Se um
advogado perde o controle emocional e, ao contestar, ofende seu colega
adversário, este deve ignorar a injúria, desviar da provocação, seguir firme
apenas na análise dos aspectos jurídicos. Em suma, perdoar.
“Onde houver discórdia, que eu leve a união”
Discórdia
há em toda parte. No mundo acadêmico ela vai da realização do concurso de
ingresso nas universidades públicas até a aposentadoria. Ambientes contaminados
por desavenças não prosperam, porque os professores passam boa parte do tempo a
discutir ou tramar medidas contra o grupo oposto. Levar a união é uma missão
elevada. Não é fácil, mas também não é impossível. Atacar o mal no início é o
melhor caminho. Isto pode ser feito dizendo a um oponente que o outro o
elogiou, convidando ambos para um churrasco ou propondo uma ação conjunta.
“Onde houver dúvida, que eu leve a fé”
Todos
passam por momentos de total descrédito. Muitas vezes com toda razão. Mas levar
a fé aos incrédulos ajuda. Aqui não a fé religiosa, mas a fé de que é possível
mudar as coisas, que é preciso esforçar-se, que vale a pena tentar melhorar. É
o que se tem a fazer nos Tribunais em crise, aqueles que alcançaram alto grau
de impopularidade e nos quais ninguém mais acredita, inclusive o público
interno.
“Onde houver erro, que eu leve a verdade”
Aí
a missão maior de todos os profissionais do Direito. Levar a verdade, lutar
pela verdadeira Justiça.
“Onde houver desespero, que eu leve a esperança”
O
desespero de uma vítima de um grave crime ou o desespero de um pai cujo filho
se acha preso, são sofrimentos que podem ser amenizados por um advogado que se
disponha a ouvir, a consolar, a aconselhar. Claro que seu papel principal é
agir em Juízo, mas se dedicar 30 minutos de um dia a passar esperança a quem já
perdeu quase tudo, estará dignificando sua profissão.
“Onde houver tristeza, que eu leve a alegria”
A
alegria pode ser dada e muitas vezes de maneira simples. Um servidor de
Cartório que, sem qualquer interesse, atende prontamente uma solicitação da
parte, estará transformando o mundo em um local de mais alegria. E este estado
de espírito é contagiante.
“Onde houver trevas, que eu leve a luz”
Há
trevas ainda no sistema jurídico. Soluções formais distantes da realidade. Por
exemplo, rigor excessivo com um jovem de 18 anos que comete um crime pela
primeira vez. Por vezes, vale mais um conselho do que a prisão.
“Ó Mestre, Fazei que eu procure mais consolar, que ser
consolado”
Ao
início o chamado para não se acomodar às injustiças, para perseguir a busca
espontânea do aprimoramento pessoal. Depois a lembrança de que é mais
importante consolar os que sofrem do que ser consolado. Consola um professor
que orienta o seu aluno, que mostra que um insucesso não é o fim da vida, mas
sim um obstáculo e que pode ser usado como forma de amadurecimento e de busca
de vitórias mais significativas.
“Compreender, que ser compreendido”
Muitos
são os que não compreendem os caminhos da existência, nem sempre justos e
retos. Imagino o quanto deve ser insuportável a um delegado de Polícia que
cumpre seu dever, apurando um crime de lesões corporais contra a mulher, ouvir
de terceiros que “deveria prender os peixes graúdos”, ou coisas semelhantes.
“Amar, que ser amado”
Amar
é entregar-se na função exercida sem outros interesses, apenas preocupado com o
ser humano que está a necessitar de uma medida. Age com amor um Defensor
Público que, pacientemente e provavelmente sem conhecimento ou reconhecimento
da cúpula da instituição, ouve os necessitados e age na defesa de seus
interesses.
“Pois, é dando que se recebe”
É
dando de si que se achará a recompensa. E se dedicando, que se conseguirá o
reconhecimento, mais cedo ou mais tarde.
“É perdoando que se é perdoado”
É
perdoando os que nos enfrentam na nossa caminhada que seremos perdoados.
Exemplos? Por exemplo, um ataque agressivo nas redes sociais. Se alguém nos
magoa temos a tendência de cultivar o ódio para sempre. Às vezes um certo
prazer em lembrar o ocorrido, mesmo que tenha sido há muitos anos e que todos
que nos cercam já tenham ouvido a lamúria dezenas de vezes. Está errado.
Devemos compreender que perdoando nos sentiremos mais livres, leves. Fará bem
ao nosso corpo e ao nosso espírito.
“E é morrendo que se vive para a vida eterna”
Em
nosso mundo jurídico vida eterna significa ser lembrado com saudade, deixar um
rastro de bons exemplos, de amizades criadas na caminhada. Na vida eterna
entram os presidentes da OAB que dão tudo de si a favor de seu órgão de classe,
lutam por uma Justiça mais eficiente, que não descuidam dos excluídos sociais,
os que sabem retirar-se no momento certo sem deixar contagiar-se pela vaidade.
Não os que usam a posição para promover-se pessoalmente, com vantagens
econômicas ao seu escritório.
Nestes
dias que antecedem o Natal, vale lembrar a Oração da Paz e tentar levá-la para
nossa rotina nas profissões jurídicas, tornando o mundo um lugar melhor. Vamos
tentar?
Por
Vladimir Passos de Freitas
Fonte
Consultor Jurídico