O
contrato de trabalho não precedido de concurso público é nulo (plano da
validade), mas existe (plano da existência), isto é, ingressa no mundo
jurídico, e produz alguns efeitos (plano da eficácia) previstos em lei ou
decorrentes da própria execução do contrato laboral no tempo.
O
Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão, concluiu o julgamento
do RE n. 596478 e, por maioria de votos, reconheceu o direito aos depósitos do
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) aos trabalhadores cujo contrato de
trabalho com a Administração Pública tenha sido declarado nulo em razão do
desrespeito à exigência de aprovação em concurso público para ingresso nos
empregos públicos. Esse direito foi estabelecido pelo art. 19-A da Lei n.
8.036/1990, com a redação da Medida Provisória n. 2.164-41/2001, segundo o
qual, uma vez mantido o direito ao salário, é devido o FGTS ao trabalhador cujo
contrato seja declarado nulo por força do art. 37, §2º, da Constituição da
República, que estipula a necessidade de concurso público para o preenchimento
de cargos ou empregos públicos.
O
reconhecimento da constitucionalidade do referido dispositivo legal,
considerada a repercussão geral declarada pelo STF em setembro de 2009, tem
efeito vinculante sobre as questões idênticas, tanto no plano horizontal, isto
é, relativamente ao próprio Supremo, como no plano vertical, impedindo a
remessa de recursos que tratem da mesma questão, pelos órgãos da Justiça do
Trabalho. Encerra, portanto, o STF, longa discussão reinante nos órgãos trabalhistas
sobre a possibilidade de outorga de algum efeito ao contrato de trabalho
desprovido do requisito pertinente ao concurso público.
A
própria divergência entre os ministros do STF evidencia a dificuldade de
interpretação da regra constitucional nulificadora do ato de admissão de
servidor público, por falta de observância dos princípios da legalidade e da
impessoalidade que revestem a exigência do certame público. De um lado, contra
a incidência do FGTS, tem-se a ideia de inflexibilidade da cominação de
nulidade, como medida moralizadora e necessária à correção dos desvios
administrativos e para desestimular a prática pertinente à contratação
irregular de servidores. De outro, no
qual se formou a maioria de votos, sem perder de vista a intransigência com a
realização de concurso público para o preenchimento de cargos públicos,
considera-se que o contrato, mesmo nulo, produz efeitos até a data em que for
declarada a nulidade, havendo necessidade da formulação de uma regra de direito
transitório, destinada à regência dessas situações de fato e, ainda, para não
prejudicar os hipossuficientes, isto é, os trabalhadores.
Esse
entendimento, na prática, consagra a aplicação restrita da Teoria Trabalhista
das nulidades, para a qual a nulidade decretada não retroage (efeito “ex
nunc”), de modo que o contrato produz efeitos jurídicos até o momento de sua
decretação, fazendo cessar, apenas, as repercussões jurídicas futuras. Essa
aplicação restrita viabiliza, somente, o reconhecimento dos salários ou da
contraprestação pactuada, e respectivos depósitos do FGTS, como previsto na
Súmula 363 do Tribunal Superior do Trabalho, excluindo a possibilidade de
continuidade da relação de trabalho formada inconstitucionalmente e de
incidência de outras verbas usualmente deferidas ao trabalhador dispensado do
emprego, como a indenização de férias, a gratificação natalina e o aviso
prévio.
É
preciso, no entanto, para boa compreensão do problema pertinente aos contratos
de trabalho nulos por ausência de concurso público, não se esquecer da Teoria
do Fato Jurídico, e estabelecer a distinção entre os planos da existência, da
validade e da eficácia no mundo jurídico: o contrato de trabalho não precedido
de concurso público é nulo, conforme o art. 37, II e §2º, da CF (plano da
validade), mas existe (plano da existência), isto é, ingressa no mundo
jurídico, uma vez que a norma jurídica incide sobre o suporte fático com a
constatação da presença dos elementos configuradores da relação de emprego, e
produz alguns efeitos (plano da eficácia) previstos em lei ou decorrentes da
própria execução do contrato laboral no tempo. Daí a possibilidade de reconhecimento
de algumas verbas ao trabalhador contratado irregularmente.
Por
Evanna Soares - http://evannasoares.wordpress.com/
Fonte
Âmbito Jurídico