Frei
Leonardo Boff diz que os momentos de crise são a grande oportunidade para os
avanços e a superação.
Podem
exercer este efeito positivo: a crise que castiga a pessoa, cada um de nós, em
particular; ou a crise que alcança instituições, fases históricas ou mesmo
países.
Esta
reflexão inaugural conduz o espírito a uma reflexão posterior e consequente: um
momento de crise do Poder Judiciário pode ser o mais acertado e próprio para
refletir sobre caminhos que permitam uma melhoria da Justiça.
Proponho
dez medidas para aprimorar a Justiça, como passo a expor. São medidas, a meu
ver, perfeitamente exequíveis, desde que haja boa vontade.
1) Arejar os tribunais
Nada
de sessões secretas, exceto para questões que envolvam a privacidade das
pessoas (casos de família e outros). Nada de exigência de roupas e calçados
para ingressar nos recintos judiciais. Nada de vedar o acesso da imprensa aos
julgamentos. Que todas as decisões e votos sejam abertos e motivados.
2) Dar rapidez aos julgamentos
É
possível fazer com que a Justiça seja mais rápida. Que as partes em conflito
aleguem e façam provas, como é certo, mas que se alterem as leis de modo que
não se fraude a prestação jurisdicional através de recursos abusivos. Que se
acabe com o recurso obrigatório nas decisões contra o Poder Público, pois isso
é admitir que todos os procuradores de Estado sejam desonestos. Mesmo que a
decisão seja injusta e incorreta deixariam de recorrer, por corrupção. O duplo
grau de jurisdição, nessas hipóteses, contribui para sobrecarregar as pautas
dos tribunais. Que se mudem também práticas que não estão nas leis mas estão
nos hábitos e que entravam a Justiça, transformando-a numa traquitana, como
disse Monteiro Lobato.
3) Humanizar a Justiça
A
Justiça não lida com objetos, mas com pessoas, dramas humanos, dores. O contato
das partes com o juiz é indispensável, principalmente nos casos das pessoas
mais humildes que ficam aterrorizadas com a engrenagem da Justiça. Kafka
desenhou com genialidade o sufocamento do ser humano pelas artimanhas do
processo judicial. O apelo de ser escutado é um atributo inerente à condição
humana. Tratar as partes com autoritarismo ou descortesia é uma brutalidade
inaceitável.
4) Praticar a humildade
O
que faz a Justiça ser respeitada não são as pompas, as reverências, as
excelências, as togas, mas a retidão dos julgamentos. Na última morada, ser
enterrado de toga não faz a mínima diferença. Neste momento final, a mais alta
condecoração será a lágrima da viúva agradecendo ao magistrado, em silêncio, a
Justiça que lhe foi feita. Por que não se muda a designação dos chamados
Poderes para serviços? Serviço Executivo, Serviço Legislativo e Serviço
Judiciário. São mesmo serviços, devem ser entendidos como serviços a que o povo
tem direito.
5) Democratizar a Justiça
Começar
pela democratização da eleição dos presidentes dos tribunais. Todos os
magistrados, mesmo os de primeiro grau, devem poder votar. Um magistrado de
primeiro grau pode ser eleito para dirigir a corte, regressando a seu lugar ao
completar o mandato. Um presidente de tribunal não é apenas aquela pessoa que
preside às sessões, mas é alguém que exerce a presidência de um órgão do Poder.
6) Alterar o sistema de vitaliciedade
O
magistrado não se tornaria vitalício depois de dois anos de exercício, mas
através de três etapas: dois anos, cinco anos e sete anos. A cada etapa haveria
a apreciação de sua conduta, com a participação de representantes da sociedade
civil porque não seria apenas o julgamento técnico (como nos concursos de
ingresso), mas o julgamento ético (exame amplo do procedimento do juiz).
7)
Combater o familismo
Nada
de penca de parentes na Justiça. Concursos honestos para ingresso na
magistratura e também para os cargos administrativos. Neste ponto a
Constituição de 1988 regrediu em comparação à Constituição de 1946. A
Constituição de 1946 proibia que parentes tivessem assento num mesmo tribunal.
A Constituição de 1988 proíbe parentes apenas na mesma turma. Se o tribunal
tiver cinco turmas será possível que cinco parentes façam parte de um mesmo
tribunal, desde que um parente em cada turma.
8) Aumentar a idade mínima para ser juiz
O
cargo exige experiência de vida, não demanda apenas conhecimentos técnicos.
9) Fazer da Justiça uma instituição impoluta
A
corrupção é sempre inaceitável. Dentro da Justiça, brada aos céus. Um
magistrado corrupto supera, em baixeza moral, o mais perigoso bandido.
10) Colocar os juízes perto dos litigantes
Se
o habitante da periferia tem de subir escadas de mármore, para alcançar
suntuosas salas, em palácios ainda mais suntuosos, a fim de pleitear e discutir
direitos, essa difícil caminhada leva a uma ruptura do referencial de espaço,
que é referencial de cultura, referencial de existência.
Por
João Baptista Herkenhoff
Fonte
Consultor Jurídico