A
Caixa Econômica Federal é responsável por fiscalizar o andamento de obras, pela
regularidade do procedimento registrário e por verificar a existência de
dívidas fiscais e trabalhistas. A decisão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de
Justiça, que manteve decisão da Justiça do Rio Grande do Sul e rescindiu
contrato de compra e venda de imóvel por responsabilizar a CEF por
irregularidades que inviabilizaram o registro da propriedade em nome do
comprador, condenando a instituição à devolução das parcelas pagas.
Em
ação movida contra a CEF, o comprador alegou que, somente após pagar a 22ª
parcela de contrato firmado com a instituição, percebeu que o imóvel financiado
possuía irregularidades, como a ausência de escritura e dívidas fiscais e
trabalhistas.
Afirmou
que, em razão disso, deixou de cumprir sua parte no contrato, o que deu causa à
inscrição do seu nome em cadastro de inadimplentes. Ele pediu a rescisão
contratual, com a devolução das parcelas já pagas, bem como a retirada do seu
nome dos cadastros de inadimplentes e a suspensão da execução extrajudicial em
curso.
Negócios distintos
Ao
analisar o processo, o julgador de primeiro grau entendeu que o instrumento
contratual continha dois negócios distintos: um contrato acessório de
financiamento, firmado com a CEF, e o contrato de compra e venda do terreno
propriamente dito.
Verificou
que a construtora e incorporadora que intermediou a compra do imóvel agiu
irregularmente e lesou os clientes, gerando numerosas ações civis e penais.
Apesar disso, entendeu que também havia a responsabilidade da CEF como
fiscalizar o andamento das obras e a regularidade do procedimento registrário,
além de verificar a existência de dívidas fiscais e trabalhistas.
Ao
final, julgou o pedido de rescisão procedente, declarou a extinção da dívida e
determinou a devolução dos valores pagos pelo autor.
Extra petita
Em
apelação ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a CEF argumentou que a
sentença foi extra petita, em razão de ter anulado o contrato acessório quando
o pedido da ação correspondia apenas ao contrato de financiamento.
O
banco alegou que o imóvel foi devidamente levado ao registro de imóveis e que
ocorreram as vistorias para fiscalização do andamento das obras. Sustentou
ainda que a apresentação dos documentos probatórios da satisfação dos encargos
trabalhistas competia aos devedores e que o imóvel não está registrado no nome
da parte devido à inércia dos condôminos, ao não obter a carta de habite-se e o
registro formal do condomínio. Segundo a CEF, é a associação de condôminos que
tem o dever de responder pela execução da obra, e ela pode acionar
regressivamente o construtor.
O
TRF-4 negou provimento ao recurso, ressaltando a íntima conexão entre os
contratos de financiamento e de construção, o dever de boa-fé — que impõe
obrigações acessórias aos contratos — e o papel da Caixa como gestora e
implementadora do Sistema Financeiro de Habitação.
“Comprovada
a não prestação contratual a que estava obrigada, responde a CEF pela
indenização dos danos materiais causados aos autores”, concluiu o tribunal
regional.
Descumprimento contratual
Diante
disso, a CEF recorreu ao STJ, alegando que não poderia ser responsabilizada
pelo descumprimento contratual por parte da construtora. Alegou que a
fiscalização não poderia se estender às atividades próprias das outras partes
contratantes.
Segundo
a CEF, o fato de a construtora ou o incorporador não ter providenciado a
individualização das unidades habitacionais inviabilizou a abertura de
matrícula própria de cada apartamento. Ela pediu que o STJ reconhecesse a
impossibilidade de anulação do contrato de financiamento.
O
ministro Sidnei Beneti, relator do Recurso Especial, afirmou que, em relação à
anulação do contrato, as razões do recurso não indicaram um dispositivo legal
supostamente violado para amparar a tese recursal, atraindo a incidência da Súmula
284 do STF.
Revisão de provas
“Como
as instâncias ordinárias concluíram que houve inadimplemento contratual por
parte da CEF e que esse inadimplemento contribui de forma decisiva para
inviabilizar o registro do imóvel em nome do autor, sendo que esse era o
objetivo último do contrato por ele firmado, não há como afirmar o contrário
sem revolver matéria fática e sem interpretar as cláusulas do contrato”,
explicou o relator. Essa revisão de provas e cláusulas contratuais em recurso
especial é vedada pelas Súmulas 7 e 5 do STJ.
Sidnei
Beneti mencionou que, ao contrário do que disse a Caixa, a propriedade do
imóvel não foi adquirida pelo autor da ação, visto que o apartamento não foi
registrado. Ele mencionou parte do acórdão do TRF-4: “Ainda que tenha havido o
registro do contrato, tal fato não tem a consequência de transferir a
propriedade do imóvel, livre de quaisquer ônus, para o nome da parte autora, em
face das pendências judiciais sobre o condomínio financiado.”
A
3ª Turma negou provimento ao recurso especial e manteve a decisão do TRF-4 que
havia confirmado a sentença.
REsp
1240049
Com
informações da Assessoria de Imprensa do Superior Tribunal de Justiça.
Fonte
Consultor Jurídico