O tema ganhou destaque depois que um dos enunciados da
prova para diplomata do Instituto Rio Branco veio com a palavra
"exige" grafada como "exije"
Tudo
bem que errar é humano e qualquer um pode se confundir com o português. Mas,
quando estamos falando de enunciados e questões de provas de concursos
públicos, maltratar a língua é imperdoável. Afinal, como cobrar que os
candidatos acertem tudo se nem mesmo as bancas são capazes de fazê-lo?
O
problema ganhou destaque depois que um dos enunciados da prova para diplomata
do Instituto Rio Branco, cargo dos mais desejados do país, veio com a palavra "exige" grafada como "exije".
Um erro que, em princípio, não compromete a compreensão da questão, mas que
desestabiliza o candidato e afeta a credibilidade das bancas e dos órgãos que
promovem o processo de seleção.
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É claro que erros podem acontecer. Mas quando um aluno de alto padrão, que está
concorrendo a um cargo para a área de diplomacia, se depara com um erro de
ortografia, é natural que perca a confiança na avaliação. O processo de revisão
não deveria deixar passar isso — avalia Marcelo Portella, professor de
português do Curso Maxx, preparatório para concursos.
O
Boa Chance foi atrás de outros exemplos de equívocos desse tipo e descobriu que
não é em toda prova que eles aparecem, mas que são, sim, mais frequentes do que
se pensa — e ainda se juntam a problemas mais recorrentes como falta de
palavras, divergências de interpretação e enunciados com mais de uma resposta.
No
concurso público para agente fiscal da Receita Municipal de Porto Alegre,
organizado pela FMP Concursos e cujas provas ocorreram entre 18 de março e 1 de
abril deste ano, há dois casos que não passam batidos pelo olhar mais atento:
"admimistração", logo na primeira página do exame, em vez de
"administração", e falta de concordância em "pagamento
mensais".
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Primeiro eu me assusto e leio novamente a questão, não querendo acreditar que a
banca possa ter cometido um erro tão grosseiro. Quando constato que está
realmente errado, fico muito chateada, pois parece que a banca não está levando
a prova a sério e a elaborou de qualquer jeito. Perco totalmente a confiança na
banca — afirma a candidata Michele Zanettin. — Fora que isso desconcentra a
gente e, muito importante, nos faz perder tempo, sendo que o tempo já é pouco
para responder a tantas questões.
No
caso do certame do Sul, os termos escritos de forma incorreta não afetavam a
interpretação. Mas e quando o próprio vocábulo cujo significado está sendo
perguntado vem escrito errado? Aconteceu em uma prova para a Petrobras, em
2008, elaborada pela Fundação Cesgranrio. A pergunta era: "A senhoragem é
(são) a (os)...". Sendo que a expressão correta, que, no universo da
economia designa a diferença entre o valor real e o nominal da moeda, é
"senhoriagem".
A
falta da letra "i" pode confundir um candidato, assim como a ausência
de um acento. Entre "público" e "publico" a diferença vai
além do acento agudo e chega ao significado. O engano foi da prova para o
Sebrae/PA, organizada pela Funrio em 2010. No mesmo teste, outro erro: o
esquecimento de um acento indicativo de crase em "conceder incentivos
fiscais as MPEs" (e não às MPEs).
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Os erros de natureza sintática, como os de acentuação, estão entre os mais
frequentes — destaca Marcelo Portella.
A
prova para a prefeitura de Camocim, no Ceará, organizada pela Consep este ano,
passou dos limites: continha várias letras faltando, erros ortográficos e
frases como "ter boas práticas de higiene são fundamentais", em vez
de "é fundamental".
Adriana
Figueiredo, professora do Canal dos Concursos, ressalta que bancas menores
estão mais sujeitas a esses problemas:
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Elas têm estrutura menor, menos gente para fazer revisão.
Erros não costumam suscitar anulação
"Intelegibilidade"
e não inteligibilidade; "contra-cheque" em vez de contracheque;
"maior clareza" e não mais clareza; "extingüir" com trema;
"à partir" e não "a partir"; e até "serveja" em
vez de cerveja. São alguns dos exemplos de erros lembrados pelos professores de
cursos preparatórios e por candidatos. Mas, na maioria dos casos, esse tipo de
engano não motiva a anulação da questão.
—
Não cabe entrar com recurso por causa de erro ortográfico, embora isso acabe
maculando a imagem da banca — acredita Adriana Figueiredo, professora de
português do Canal dos Concursos.
A
maioria dos especialistas acha que as questões não devem ser invalidadas quando
o erro de português não prejudica o entendimento da questão. Isso porque a
anulação costuma causar mais prejuízos.
Cespe/UnB diz que falha aconteceu na revisão
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Uma questão anulada pode alterar a classificação de 300 a 400 pessoas, o que é
muita coisa. Por isso, minimizar o erro é menos prejudicial do que solicitar a
anulação — opina Marcelo Portella, professor do Curso Maxx.
A
Fundação Cesgranrio, por meio de nota enviada por sua assessoria de imprensa,
afirma que "quando um eventual erro interfere na compreensão da questão, a
Fundação Cesgranrio anula a questão" e que "a elaboração das provas
envolve um grande número de passos, que inclui, naturalmente, revisão
gramatical. No entanto, em concursos em que são oferecidos muitos cargos, são
elaboradas, muitas vezes, mais de quatro mil questões e, uma vez ou outra,
infelizmente, poderá passar um erro de digitação".
Adriana
Campiti, professora de português do Curso Clio, especializado na preparação
para o concurso do Instituto Rio Branco diz que o Cespe/UnB, que organiza o
concurso para o cargo de diplomata, tradicionalmente costuma invalidar questões
com erros de português. No caso do "exije" em vez de "exige",
porém, não houve anulação. Por meio de nota, o Cespe/UnB afirma que "O
problema na questão citada ocorreu na última etapa de revisão quando uma banca
revisora desejou alterar a palavra grafada como ‘exija’ para a forma ‘exige’,
trocando apenas a letra ‘A’ pela letra ‘E’".
A
nota diz ainda que a banca optou por não anular a questão porque "entendeu
que o erro material encontrado na prova não acarretou prejuízo à compreensão e
à determinação do correto gabarito do item. Além desse aspecto, ao se manter o
item no conjunto de itens válidos da prova, preservou-se (sic) as condições de
avaliação dos candidatos mais preparados para o cargo em análise".
Procuradas
pelo Boa Chance, as organizadoras FMP Concursos e Funrio optaram por não se
manifestar. Já a Consep não havia dado retorno até o fechamento da reportagem.
Na
opinião dos professores, na maioria dos casos, os erros refletem falta de
organização.
—
É necessário ampliar as revisões e elaborar as provas com mais antecedência, o
que permite que elas sejam vistas e revistas com mais calma — avalia Adriana
Campiti.
E
apesar de o número de problemas ser alto para o padrão que se espera de um
concurso público, o cenário é melhor do que há alguns anos:
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Hoje os concursos são feitos por organizações sem vínculos com a repartição
pública. Antes, as cartas eram marcadas e a credibilidade, muito menor —
ressalta Marcelo Portella. — Nunca tivemos tantos escândalos como nos últimos
dez anos. Mas eles refletem as denúncias e o acompanhamento sistemático do
Ministério Público, o que é uma vitória.
Por
Maíra Amorim
Fonte
O Globo Online