O casamento é a instituição mais antiga e que tem enorme proteção do Estado, que o regula detalhadamente, do nascimento à extinção. Contudo, com o passar do tempo, presenciamos cada vez mais a diminuição da interferência do Estado em prestígio a autonomia privada das partes. Por sua vez, o divórcio é uma das formas de extinção do vínculo do casamento válido, já que a outra é a morte. Somente as pessoas divorciadas ou viúvas é que estão liberadas para contraírem novo casamento. As outras formas até então consideradas prévias do divórcio não colocam fim ao casamento, mas apenas à sociedade conjugal.
A primeira delas é a mera separação de fato, onde o casal apenas se distancia, ou seja, deixa de viver como se casado fosse. A separação de fato não extingue o casamento, pois o separado de fato não fica liberado para casar-se novamente, contudo, pode viver em união estável. Além disso, há a separação judicial ou extrajudicial, que também não libera para novo casamento, mas põe fim à sociedade conjugal, ou seja, extingue o regime de bens, o dever de fidelidade e o dever de mútua assistência.
O último grande avanço no Direito de Família deu-se em 13 de julho de 2010, quando foi promulgada a Emenda Constitucional 66, que deu nova redação ao § 6º, do artigo 226 da Constituição Federal de 1988, que antes dizia que “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos” e passou a estabelecer que “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.”. Esta alteração constitucional tem gerado diversas e antagônicas interpretações dos juristas, pois muitos dos mais renomados defendem que acabou a separação judicial, que a partir de julho de 2010 cabe aos brasileiros apenas a opção do divórcio. E vão além, defendem também a proibição de se discutir a culpa nos processos de divórcio, pois entendem que esta questão é apenas de foro íntimo, importando ao Poder Judiciário apenas os casos que gerem direito à indenização monetária.
Em razão de tão relevante matéria, se faz necessário, com todo respeito, em breves palavras apresentar fundamentos contrários ao citado entendimento. Primeiramente vale destacar que no sistema jurídico dos países ocidentais prevalecem dois sistemas diferentes de divórcio, o chamado dual obrigatório, onde o casal necessariamente tem que passar por uma prévia separação antes do divórcio e o chamado dual opcional, que deixa a mercê do casal a escolha de partir diretamente para o divórcio.
Pois bem, é de se registrar que o Brasil é um dos países mais avançados do mundo nesta seara do Direito de Família, pois muitos dos países ainda adotam o sistema dual obrigatório. Veja-se que na Alemanha o divórcio é admitido como forma de extinção do casamento válido e a separação judicial não é regulada, sendo admitida, contudo, a separação de fato. Após a Emenda Constitucional 66 de 2010, o Brasil passou a ter uma legislação de divórcio mais moderna do que a avançada Alemanha, pois é de consenso de todos que a partir da alteração constitucional não existe mais a exigência de prazo para que seja obtido o divórcio. Na Argentina, a separação pode ser litigiosa ou consensual, sendo que aquele poderá ou não discutir a culpa (artigo 202).
Pode-se afirmar sem nenhuma sombra de dúvida que o sistema brasileiro de divórcio está no mínimo uma década a frente dos “ermanos” argentinos. Já na França, onde o divórcio existe desde 1792, atualmente pode ser requerido por ruptura da vida em comum e também por violação culposa dos deveres conjugais. A separação judicial de pessoas e bens também é prevista na legislação francesa e não é exigência prévia ao divórcio, cabendo aos franceses o direito de escolha entre a separação e o divórcio.
A separação, assim como no Brasil não extingue o vínculo matrimonial mas apenas a sociedade conjugal. Os portugueses, colonizadores, também são conhecidos ainda hoje como um povo de maioria católica, mas facilitaram o pedido do divórcio com a edição da Lei 61, de 31 de outubro de 2008, que como a maioria dos países, também adota o sistema dual opcional, isto quer dizer, que no direito comparado prevalece o direito do casal escolher, ou seja, optar entre a separação e o divórcio.
Vale lembrar que são diferentes os tratamentos legais dados aos dois diversos institutos: a separação e o divórcio, a separação é tratada em normas infraconstitucionais e o divórcio é tratado na Constituição e o que mudou foi apenas a norma constitucional. Além disso, defender o fim da separação no sistema atual vigente é o mesmo que impor aos casais que querem apenas uma solução jurídica segura intermediária, a obrigatoriedade do divórcio. Isto porque a separação de fato, apesar de produzir efeitos, fica a mercê dos fatos que dependem de provas, e, por outro lado, a separação de corpos tem as implicações processuais que permitem discussão acerca da natureza cautelar ou satisfativa. E a separação judicial ou extrajudicial ainda seria a melhor opção para estes casais. Não há porque tirar esta opção dos brasileiros.
Ademais, tirar dos cônjuges o direito de apenas separar-se já é bastante temeroso, contudo, afastar o direito de imputar um descumprimento dos deveres conjugais como causa da separação ou até mesmo do divórcio, é muito mais grave pois a conduta culposa do cônjuge merece uma sanção pois isto pode refletir diretamente em outras questões familiares.
Por outro lado, os motivos religiosos têm sido apresentados como a única razão a justificar a utilização da separação judicial ou extrajudicial, o que não deveria ser considerado, pois o Brasil é um país laico. Mas outros motivos íntimos podem justificar a vontade do casal em apenas separar-se, o que merece ser respeitado. Além disso, é de se lembrar que no processo hermenêutico há de se considerar o processo sociológico ou teleológico, como esclarece Maria Helena Diniz (Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 435), já que “o processo sociológico ou teleológico objetiva, como quer Ihering, adaptar a finalidade da norma as novas exigências sociais”.
É que no último censo do IBGE, que avaliou a religião dos brasileiros, foi constado que 78% da população brasileira é cristã, ou seja, 78% dos brasileiros tem o direito constitucional de praticarem sua fé, ou seja, de não se divorciarem e apenas se separarem. Isto porque todas as religiões cristãs; católica, batista, adventista, presbiteriana, etc não aceitam o divórcio e isso está sendo desconsiderado por aqueles que defendem o fim, isto é, a proibição da separação judicial ou extrajudicial.
É de se frisar que a lei não é feita para os juristas e sim para o povo, que lembre-se é representado pelos legisladores, no sistema democrático adotado no Brasil. Assim, é verdade que o Estado é Laico, mas o povo brasileiro, em sua maioria, é cristão, e não há porque não dar o direito de escolha para estas pessoas optarem se preferem o divórcio ou a separação.
Finalmente, para garantir a devida aplicação da norma aos casos em que os casais preferem apenas separar-se extrajudicialmente que, prudentemente, o Conselho Nacional de Justiça assegurou tal direito, ao apreciar o Pedido de Providência 0005060-32.2010.2.00.0000, feito pelo IBDFAM para alteração da Resolução 35. O sistema opcional binário também prevaleceu no entendimento dos juízes paulistas, como informa Yussef Said Cahali (Separações conjugais e divórcio, São Paulo:Revista dos Tribunais, 2011, p. 71), pois em uma enquete promovida pela Associação Paulista de Magistrados, entre os dias 10 e 14 de novembro de 2010, quando mais de 500 juízes foram ouvidos, teve como resultado que 292 juízes responderam que a nova legislação não extingui a separação judicial e 265 afirmaram que sim.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina publicou o provimento 27/2010 onde dispõe expressamente que mesmo após a Emenda 66/2010 os cartórios estão autorizados a firmar separação extrajudicial: “Artigo 917. O inventário e a partilha, sendo todos os interessados capazes e concordes, e a separação e o divórcio consensuais, não havendo filhos menores ou incapazes do casal poderão ser realizados por escritura pública, obedecidas as diretrizes estabelecidas pela Lei federal 11.441, de 4 de janeiro de 2007 (artigo 1.124-A do Código de Processo Civil), regulamentada pela Resolução 35, de 24 de abril de 2007 do Conselho Nacional de Justiça e pela Emenda Constitucional 66, de 13 de julho de 2010, observando-se, em relação à separação, o disposto no artigo 1.574 do Código Civil, ainda não revogado expressamente.”
O Conselho da Justiça Federal, com a participação de renomados juristas, nos dias 9 e 10 de novembro, em auditório do Superior Tribunal de Justiça, em sessão plenária, a Comissão de Direito de Família e Sucessões, presidida pelos Professores Doutores Francisco José Cahali e Guilherme Calmon, aprovou 22 (vinte e dois enunciados) Enunciados de 36 propostas apreciadas e 63 enviadas para sua análise, que resultaram, entre outros, no seguinte enunciado “A Emenda Constitucional 66/2010 não extinguiu o instituto da separação judicial e extrajudicial”.
Assim, percebe-se que o Poder Judiciário, ao contrário do que dizem, aceita e processa o ajuizamento das ações de separação, o que demonstra a prevalência do sistema dual opcional.
A Emenda Constitucional 66/2011 foi um grande avanço para o Direito brasileiro e o Instituto Brasileiro de Direito de Família merece todos os aplausos pela vitória na árdua luta pela aprovação de tal alteração constitucional. Contudo, com todo respeito, nada há que justifique que se passe da ditadura da prévia separação judicial ou separação de fato para a ditadura do divórcio, pelo que não há porque tirar-se do cidadão brasileiro o direito de optar entre apenas separar-se ou divorciar-se.
Por Luana Volpe Camargo
Fonte Consultor Jurídico