Chama a atenção os termos da reportagem de um jornal de negócios de grande circulação assim intitulada: “Judiciário – Em decisões, magistrados criticam autores de ações de danos morais - Justiça reage a pedidos infundados”. E chama a atenção por um motivo muito simples: fomos, os operadores do Direito (todos, indistintamente), que fizemos com que a situação, no que tange a esse tema, chegasse onde chegou.
Para que alguém faça jus a um ressarcimento, basta que alegue ter sofrido dano moral (não obstante se pregue que esse tipo de dano seria, monetariamente, impossível de precificação). O que seria dano propriamente moral e qual seria o conceito de sofrimento, já são considerações despiciendas.
Qual a extensão do dano e qual a natureza, exatamente, desse ressarcimento — nesse tipo de dano — idem. Alegou, levou; pediu, recebeu, pois, como se trata de dor íntima, de proteção da tranquilidade espiritual (para utilizar apenas duas de tantas e tão abrangentes — quanto inescrutáveis —definições), nem há o que discutir, o que provar, o que debater, a favor ou contra o pleito.
E, da mesma forma, qualquer um pode pedir (e receber), seja o suposto ofendido, seja alguém da sua família, seja seu parente (próximo ou remoto), seja seu conhecido, apadrinhado, fã ou admirador. O suposto dano moral pode ser direto e imediato, mas também pode ser reflexo, por ricochete ou indireto.
O pedido pode ser proposto por espólio ou por herdeiros de quem teria sofrido tal dano (íntimo, subjetivo, pessoal, personalíssimo, como se afirma, indistintamente), porque o direito à obtenção desse ressarcimento transmitir-se-ia a terceiros (ou o seu direito de ação).
O lenitivo e a mitigação de dor tão profunda (que somente quem a sentiu poderia aquilatar), transformada em pecúnia, estão ao alcance de todos, basta pleitear em juízo. E como se trata de algo que só tem valor para quem o sentiu, essa valoração não tem limites, não tem parâmetros, não tem regras, sendo o céu o limite.
Entretanto, como o céu é o limite, também sem limite a natureza do ressarcimento, porque, de suavização pela dor sofrida (na esteira eufemística de que, nesses casos, não haveria o que, e como, indenizar ou ressarcir), passou-se à pedagogia, à educação e, finalmente, à punição.
Ademais, na esteira de algo que não se prova e de algo que não se mede, a mera alegação de sofrimento já implica punição (ou educação, ou efeito pedagógico), já implica compensação. Automaticamente, objetivamente, sem barreiras, sem contraditório possível, sem defesas admissíveis, para toda e qualquer situação da vida, especialmente as mais banais, comezinhas, e naturais, considerando-se as vicissitudes a que, todos, estamos expostos no nosso dia-a-dia, como se nada mais fosse suportável e como se qualquer desconforto fosse passível de punição e, claro, de compensação em dinheiro.
Daí, para a indústria do dano moral — chavão tanto comum, quanto inócuo e sem remédio prático — foi um passo. Não há mais pleito que do dano moral escape e não há pedido que não o tenha como complemento, seja em que foro for, seja em que instância for, da monocrática à superior, da especial à comum.
Dinheiro fácil, certo e seguro, incontestável e inoponível, pelas próprias características e circunstâncias desse dano, criadas, aperfeiçoadas, buriladas, ampliadas, com gênio e perspicácia por aqueles que somos, agora, seus reféns.
Distribuição de renda, justiça social, suposta escola de cidadania e de civilidade, para não dizer de educação e respeito — tudo isso no lugar de uma simples justiça judiciária, exemplo mais eficaz do que todo o resto — parece que o tiro saiu, efetivamente, pela culatra.
Simples considerações de quem respeita a dor alheia e valoriza o sofrimento de outrem, a ponto de não os querer banalizados, comercializados, precificados, mercantilizados, nas mãos e nas mentes de Robin Hoods das emoções humanas.
Com a devida vênia, respeito e acatamento.
Por Domingos Fernando Refinetti
Fonte Consultor Jurídico