Especialistas afirmam: é possível poupar sem
sacrifícios
O
mundo das finanças pessoais passa por uma revisão de suas premissas. Até pouco
tempo atrás, os especialistas recomendavam poupar desde o início da vida
profissional, economizar mais à medida que o salário aumentasse e investir
durante décadas até o fim da carreira. O objetivo — e a recompensa — desse
esforço seria uma vida tranquila após a aposentadoria.
A
mensagem dessa receita para acumular dinheiro é clara: sacrifique o presente
para colher benefícios econômicos no futuro, como a formiga da antiga fábula.
Agora os contestadores dessa fórmula estão se multiplicando. “Poucos seguiam
esse planejamento e, quando o faziam, a sensação era de frustração, pois o
dinheiro nem sempre pagava o estilo de vida da pessoa na maturidade”, diz
Gustavo Cerbasi, autor de 14 livros sobre o tema.
Para
ele e outros consultores financeiros ouvidos nesta reportagem, é preciso
incluir alguma satisfação no presente para que a pessoa se sinta estimulada a
economizar para o futuro. A questão, cuja resposta está nas próximas páginas, é
como curtir a vida de maneira equilibrada e ainda fazer um colchão financeiro.
Dica: existem estratégias diferentes para diferentes fases da vida.
O
novo jeito de planejar considera informações antes ignoradas. Por exemplo, os
gastos no início da vida adulta hoje são maiores do que no passado. Há maior
necessidade de investimento na carreira para conseguir um salário melhor. O
lazer ficou caro.
Ao
longo da vida, os custos de moradia, educação e saúde comem uma fatia maior do
orçamento. “É impraticável imaginar que a família pode aumentar seu esforço de
poupança”, diz Mário Amigo, professor da Fundação Instituto de Pesquisas
Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), de São Paulo.
A
revisão das práticas de finanças pessoais é influenciada pelas ideias dos
israelenses Daniel Kahneman e Dan Ariely, pesquisadores da chamada economia
comportamental, que se apoia na psicologia para estudar como as pessoas agem e
reagem diante de decisões financeiras.
É
de Kahneman, Nobel de Economia de 2002, a afirmação de que, com uma remuneração
anual de 75 000 dólares, qualquer pessoa pode ser feliz e que rendas
superiores não proporcionam mais alegria. Dan Ariely acha que planejamento financeiro é uma ilusão. “As pessoas
priorizam o bem-estar imediato”, disse Ariely à VOCÊ S/A.
Em
12 anos pesquisando e escrevendo sobre finanças pessoais, o paulista Gustavo
Cerbasi, de 40 anos, fez fama no assunto. Publicou 14 livros, que já venderam
1,7 milhão de exemplares. Um deles serviu de base para o roteiro do filme Até
Que a Sorte Nos Separe (2012).
Em
setembro, Cerbasi lançou Adeus, Aposentadoria (Sextante), que, segundo ele,
fecha um ciclo iniciado em 2004 com Casais Inteligentes Enriquecem Juntos. O
novo livro revisa as orientações financeiras das obras anteriores, reconhecendo
que elas perderam eficácia. “A fórmula não funciona mais”, diz Cerbasi.
O
que fazer, então? A VOCÊ S/A debateu com oito especialistas dez estratégias
que, segundo Cerbasi, precisam ser reavaliadas à luz do momento econômico do
país e de novas aspirações dos profissionais.
1 - Poupe mais, com ganho real
Nem
sempre o hábito de poupar mais vai garantir reservas maiores no futuro. “Pode
ser um esforço ilusório se você não for capaz de blindar seus ganhos contra o
efeito corrosivo da inflação”, afirma Gustavo Cerbasi.
A
estratégia é tão ineficaz quanto deixar de guardar um montante todo mês, ainda
mais em um cenário desfavorável, de juros altos e inflação elevada. “O rendimento da aplicação precisa ser descontado pela inflação,
o que possibilita enxergar o ganho real”, diz o economista Richard Rytenband.
Na
prática, o que você está fazendo é preservar o poder de compra. Para o dinheiro
render mais, acompanhe os principais índices que medem a inflação, como IGP-M e
IPCA, e revise suas aplicações semestralmente, de olho em flutuações do mercado
e em modificações na legislação dos produtos financeiros.
Fazer
esse acompanhamento dá trabalho. “É preciso pesquisar no mercado as opções
oferecidas”, afirma Livia Mansur, estrategista da XP Investimentos.
2- Economize por mais tempo
A
principal vantagem de poupar por mais tempo é se beneficiar dos juros compostos
— que têm efeito multiplicador sobre seu dinheiro. No entanto, o esforço de
estender o período de poupança, segundo Cerbasi, pode comprometer seriamente a
qualidade de vida, a ponto de fazer com que o investidor abandone a estratégia
ou viva uma vida infeliz. “Ao postergar o tempo de carreira para aumentar as
economias, é preciso considerar seu desgaste. Se você tiver um trabalho
adicional que dê prazer, gere receita e possibilite manter a conta mensal no azul,
faz sentido aumentar o período produtivo”, diz Mario Amigo, professor de
finanças da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras
(Fipecafi).
Para
o economista Richard Rytenband, a estratégia mais eficiente para fazer o
dinheiro render é “criar novas fontes de renda”. Uma alternativa para isso é
empreender um novo negócio. Importante: avaliar seriamente o risco do
empreendimento e sua real vontade de tocá-lo.
3 - Seja ponderado no início
Se
um tempo maior de poupança nos permite alcançar condições financeiras melhores
no longo prazo, nada seria mais sensato do que guardar dinheiro desde o início
da carreira”, afirma o consultor Gustavo Cerbasi.
A
grande dificuldade é ter uma reserva no fim do mês, quando o salário está baixo
— situação muito comum. Além disso, quando se é jovem, a vontade de comprar
para criar uma sensação de status, comum no início da carreira, atrapalha a
poupança.
A
sedução do consumo, estimulado pelo reconhecimento social, joga contra o jovem
investidor. Resultado: no início da carreira, há pouco incentivo para investir.
Para
Samy Dana, professor de finanças da Fundação Getulio Vargas, aplicar uma
parcela do salário desde cedo pode ser uma estratégia bem-sucedida quando
observamos a multiplicação proporcionada pelos juros compostos.
Porém,
não adianta guardar bastante dinheiro e não descansar nem ter lazer, segundo
Mario Amigo, professor de finanças da Fipecafi. “É preciso achar um ponto de
equilíbrio, do contrário não há motivação para investir.”
Para
o planejador financeiro Leonardo Gomes, aplicar o dinheiro desde cedo fará com
que o tempo fique a seu favor. “Mas é preciso ter disciplina, pois desviar da
rota pode significar abandonar o investimento e sucumbir ao consumo”, afirma
Gomes. Se estiver colocando parte do salário em um plano de previdência
corporativo, por exemplo, evite a tentação de sacar o dinheiro para trocar de
carro
4 - Aposte na previdência corporativa
Os
planos de previdência patrocinados exigem alguns cuidados. “É fundamental
analisar o desempenho do fundo, a política de investimentos, os custos e as
regras para resgate e portabilidade”, diz Alfredo Cunha, gestor de
investimentos.
Essa
análise deve ser feita desde o início, durante o período de formação de
reserva. “O erro mais comum é desligar-se da empresa e resgatar o valor
aplicado no plano de previdência, que é muito inferior ao valor acumulado”,
afirma Alfredo.
Em
caso de resgate, analise o desempenho do plano e, se não estiver satisfeito com
o resultado, avalie fazer a portabilidade para outra seguradora.
O
especialista em previdência Marcelo Rea, da ForLife Consultoria, lembra que
muitos planos apresentam a seguinte regra de retenção: quanto mais tempo o
profissional permanece na empresa, maior é a possibilidade de ficar com os
recursos investidos. “Se for trocar de empresa, vale a pena avaliar se o novo
empregador também oferece o benefício”, diz Marcelo.
5 - Invista na previdência privada
Se
sua empresa não oferece um plano corporativo de aposentadoria, invista na
previdência privada. “Saiba, porém, que esses planos estão sujeitos às
consequências do achatamento de ganhos no mercado financeiro — servem de complemento
para a renda, mas dificilmente serão suficientes”, afirma Cerbasi. “Existem
outras formas que podem ser mais rentáveis e fáceis de planejar”, diz o
planejador financeiro Leonardo Gomes.
Antes
de contratar, segundo Alfredo Cunha, gestor de investimentos, avalie o custo
das taxas de administração, de carregamento, da tábua de mortalidade, dos juros
na concessão da aposentadoria, da política de investimentos, além das regras
para resgate ou portabilidade do plano.
Tendo
isso em vista, os planos privados aparecem como uma boa opção para fazer seu
dinheiro render, pois você tem benefícios fiscais muito interessantes.
Informe-se com o gerente de seu banco e compare com os produtos de bancos
concorrentes.
6 - Aumente todos os riscos
Ações
e outros investimentos de renda variável são uma opção para quem deseja obter
retornos maiores em suas aplicações. Trata-se, contudo, de ativos em que o
risco de perdas também é maior.
O
senso comum entre planejadores financeiros diz que só deve assumir risco quem tem
disposição para acompanhar o desempenho da bolsa diariamente.
Do
contrário, é melhor aplicar em renda fixa (veja reportagem “Na Dúvida, Fique
com o CDI”). Para Lívia Mansur, estrategista da corretora XP Investimentos,
quem planeja se aposentar daqui a 30 anos pode optar por ativos mais
arriscados.
Segundo
ela, o risco diminui quando o prazo do investimento se alonga. “E, conforme
chegar à aposentadoria, a pessoa pode reduzir a volatilidade”, diz Lívia, que
ressalva: não dá para medir o risco apenas pela oscilação de um papel.
Existem
diferentes riscos: de crédito (no caso de títulos de dívida); de mercado (ações
na bolsa); ou de moeda (aplicações em dólar). “Às vezes, um produto tem mais de
um fator de risco, e isso precisa ser observado”, diz Lívia.
7 - Trabalhe para sempre
Muitos
profissionais não se preparam adequadamente para a aposentadoria por acreditar
que o desempenho não vai cair com o avanço da idade.
O
raciocínio é básico: enquanto o dinheiro estiver entrando no caixa, não há
motivo de preocupação. “Gosto do que faço. Não penso em parar.” Essa é a
desculpa que muitos arranjam para negligenciar os cuidados necessários com o
futuro.
Para
Gustavo Cerbasi, trata-se de um equívoco comum de organização financeira, pois
uma hora a pessoa vai se cansar e sentir vontade de parar. “Racionalmente,
trabalhar até os últimos momentos da vida pode ser um argumento aceitável. Mas,
emocionalmente, não é”, diz Cerbasi.
O
contraponto a esse raciocínio é que trabalhar até uma idade mais avançada não é
de todo ruim. Primeiro, porque as pessoas estão vivendo mais e com mais saúde,
de maneira que mais profissionais se sentirão produtivos quando atingir a
maturidade.
Segundo,
porque manter o fluxo de receita é financeiramente imbatível em relação às
demais alternativas, que consideram a interrupção da remuneração no momento da
aposentadoria. “Continuar trabalhando faz todo o sentido”, diz Aquiles Mosca,
estrategista de investimentos pessoais do Santander.
O
risco é que não se sabe quando o cansaço vai bater — algo que varia de pessoa
para pessoa. E, para os que chegarem bem à velhice, o desafio será manter o
interesse pelo trabalho diante da vontade de curtir a família e os amigos.
8 - Crie alternativas de renda
Hoje
é comum encontrar pessoas que mantêm dois caminhos profissionais ao mesmo
tempo. Enquanto conservam a estabilidade em um emprego, no outro aumentam a
renda ou desenvolvem um plano B.
O
risco dessa estratégia, segundo Gustavo Cerbasi, é perder desempenho na
carreira principal e não construir nada de relevante para o futuro por falta de
foco.
Mas
há quem defenda a opção pela dupla atividade. “Ela diversifica as fontes de
renda”, diz o estrategista de investimentos pessoais do Santander, Aquiles
Mosca, que cita como exemplo Steve Jobs, que concebeu a Apple enquanto estava
empregado.“É uma estratégia interessante, que às vezes começa com um hobby.”
9 - Invista em imóveis, se quiser
Comprar
imóveis como investimento é, em geral, considerado um jeito antiquado de fazer
o patrimônio crescer. A falta de liquidez é um dos principais problemas.
Outra
desvantagem é a desvalorização causada pela degradação da obra ou por mudanças
no mercado imobiliário. Apesar de ser a ideia vigente entre planejadores
financeiros, casos de gente que vê a própria casa valorizar mantêm a ideia de
que esse tipo de investimento pode trazer bom retorno.
Para
Samy Dana, da FGV, os imóveis podem ser, sim, bons negócios, desde que se
ignorem as promessas irreais de corretores. E que se acompanhe a oscilação de
preços. “A cada seis meses, pelo menos, é importante avaliar se houve mudanças
na região ou se é necessário renovar o contrato de aluguel”, diz o economista
Luiz Calado, autor do livro Imóveis (Editora Saraiva).
10 - Use o crédito a seu favor
A
mensagem básica é: fuja das dívidas. Na visão de Gustavo Cerbasi, o crédito
deve ser usado em duas situações: para financiar algo que ajude a gerar mais
riqueza (educação, por exemplo) ou para corrigir falhas no planejamento de
longo prazo, desde que sejam empréstimos esporádicos e que o pagamento de juros
não interfira em planos mais valiosos.
Devemos
evitar crédito sempre? Talvez não. Quando os juros são baixos, um empréstimo
pode valer a pena para adquirir um bem. “O que não pode é usar sem
responsabilidade”, diz Mário Amigo, professor de finanças da Fipecafi.
É
fundamental calcular o custo efetivo total para sentir o peso dos juros
embutidos e dos encargos financeiros. “Quanto menor o custo, melhor”, diz Samy
Dana, da FGV. Antes de tomar crédito, negocie com o gerente e compare as taxas
em diferentes bancos.
Por
Alexandre Jubran e Danylo Martins