domingo, 12 de maio de 2024

E QUANDO A FILHA SE TORNA MÃE DA MÃE?

 

Ser mãe é assumir uma responsabilidade incondicional para o resto da vida. Uma filha espera ser filha para sempre, sendo amada, educada, paparicada, cuidada, tendo atenção durante toda a vida ou enquanto sua mãe puder. E quando a vida trouxer dor, que ela tenha um colo materno, e quando houver angústia que ela encontre palavras sábias da mãe ou simplesmente uma presença de afeto. Na ausência desse conforto maternal, essa filha pode ter um vazio interno, uma estranheza, um desamparo, que muitas vezes trás sentimentos de exclusão, abandono, parecendo ser órfã de uma mãe viva. Muitas mães depois de certa idade começa a ser mais dependente e com o avançar da idade e/ou com aparecimento das doenças, as mobilidades físicas e cognitivas vai roubando essa mãe do papel maternal e atribuindo este a filha, é quando chega o momento da inversão de papéis, a filha se tornar a mãe da mãe. No entanto, há situações em que a mãe antecipa esses cuidados mesmo sem precisar, talvez por carência ou comodismo. Essa inversão de o papel antecipadamente, mesmo a mãe tendo condições físicas de se cuidar, instala a sobrecarga na filha precocemente, antes mesmo da real necessidade advinda pelo tempo. Quando a mãe não tiver mais condições físicas de se cuidar, essa filha já estará extremamente desgastada e assim, terá muito mais dificuldades para se adaptar ao papel de cuidadora. A filha não está pronta para trocar de lugar numa relação de filha e mãe. E essa árdua tarefa por vezes vem silenciar os próprios sentimentos de filha, para vivenciar os sentimentos da mãe. O amor de uma filha ou filho por uma mãe, em muitos exemplos, é incomensurável. Uma filha para resguardar e proteger sua mãe dos acontecimentos e problemas da sua própria vida e dos abalos do mundo, às vezes se abdica de momentos de lazer, prazer, relações, e por aí vai. E pode mascarar problemas, fazer parecer tudo bem para poupar a mãe, enquanto pode estar vivendo crises pessoais, conjugais, profissionais, familiares, ou até financeiras. E assim filtra a própria angústia. Nesse novo papel a filha passa a não ter mais colo, nem cafuné para consolá-la.

E ser a mãe da mãe é ainda mais difícil, porque ela lembrará que é sua mãe e reagirá as investidas da filha, porque sabe que no fundo a filha lhe deve obediência.

É desafiador e a filha precisará aprender para proteger aquela que hoje não é mais aquela de outros tempos, e ela a ama.

De acordo com a psicanálise há filhas e mães que vivem a inversão de papéis, constituída essencialmente por dinâmicas intrapsíquicas e que estão em nível inconsciente da mente, causando um sofrimento psíquico muito intenso, onde no passado a mãe não exercendo seu papel de mãe adequadamente, porém ela não possuía os instrumentos cognitivos e afetivos para reconhecê-lo e administrá-lo. E assim, a filha se identifica com essa mãe que ela teve e precisa aprender a ter os instrumentos cognitivos e afetivos, para ser a cuidadora da sua própria mãe.

Inconscientemente pode haver a identificação da filha com a mãe boa ou má que ela teve. Fantasias inconscientes relacionadas à mãe e a ela mesma, como adulta, absolutamente não somos sempre “boas mães “e “bons adultos” o que leva a filha a perdoar repetidamente os erros da sua mãe e os próprios erros e desta forma, a ressignificar sua vida e a da sua mãe no seu papel de mãe da mãe, com a esperança de assim, se defenderem melhor da má sorte que pesa e pesou em suas vidas.

E alguns pontos positivos de ser a mãe da própria mãe é aprender a ter paciência, generosidade, abrir mão de si por um tempo para cuidar da mãe, assim como a mãe abriu mão de si para cuidar da filha, a lidar com a resistência e achar soluções criativas, dentre outros.

A tarefa da filha de cuidar da mãe é exigente, requer abrir mão de certezas, de adaptar, passar de ser cuidada para cuidadora. Desta forma a filha também pode precisar de cuidados, o desgaste emocional é grande, a fazendo ela sentir se sobrecarregada e às vezes culpada, pode haver um misto de sentimentos e emoções. É importante que a filha busque fazer atividades que goste que cuide da sua espiritualidade que dá grande suporte para enfrentar e superar este papel desafiador.

Haverá conflitos internos, a filha poderá achar que não suportará cuidar da mãe. Por isso é fundamental buscar ajuda profissional de um psicólogo(a) para compartilhar sua experiência e para desabafar e trabalhar seus sentimentos, emoções, dificuldades.

Por Alessandra Batista Psicóloga e Psicoterapeuta