Já nos adaptávamos a uma nova advocacia
quando o mundo todo parou para se amoldar a uma mudança repentina, que
acometeria todas as categorias profissionais de forma global, ainda que seus
efeitos refletissem de forma diferente aos desiguais. A erupção da pandemia de
Covid-19 atingiria sociedade, mercado e Estado de maneira totalmente imprevista
e desconhecida.
Nesse cenário, a advocacia seria mais um dos
setores forçados a se ajustar e criar estratégias de adequação e superação de
uma das maiores crises que o mundo sofrera em décadas.
Ao resgatar o conceito de crise, tiramos de
Schumpeter (1997, p.206) que ela seria o processo de adaptação da vida
econômica a novas circunstâncias. Segundo o autor, é inegável que as crises
afetam essencialmente a esfera econômica, embora nem sempre sejam detectadas
pelo funcionamento dos fatores econômicos por si próprios. Pelo contrário, é
possível que as causas verdadeiras das crises sejam detectadas de fora da
esfera puramente econômica, vindas de perturbações exteriores que atuam sobre a
economia.
A advocacia, que inegavelmente já
atravessava um processo de transformação desafiador e acelerado, frente aos
avanços tecnológicos e à alta evolução digital, precisou consolidar uma nova
forma de ser exercida. Se antes da pandemia o uso da inovação e das chamadas
lawtechs e legaltechs era uma vanguarda para alguns escritórios, depois da
Covid-19 passou a ser imprescindível para praticar atos simples.
No primeiro momento, então, a advocacia
precisou se adequar para viver a fase de contenção de propagação do vírus, tomando
as medidas que experimentamos até aqui: um maior contato com ferramentas
tecnológicas, ao passo que se perdia o contato físico tão tradicional da
profissão, seja no dia a dia com colegas, sócios, clientes ou servidores do
Judiciário. Pela primeira vez na nossa história, passamos a trabalhar
maciçamente em home office.
Isso tudo resultou também em novas práticas
perante o Judiciário, os clientes e nós mesmos. Se ainda não, logo passaram a
ser implantadas as primeiras audiências virtuais, as sessões de julgamento por
videoconferência, os atendimentos por telefone, as reuniões telepresenciais e
muita, muita produção de conteúdo de forma amplamente compartilhada.
Agora numa segunda fase, a maioria dos
Estados que proibiram o funcionamento de escritórios de advocacia passa a
incluí-los no plano de reabertura. Como se sabe, porém, a orientação da
Organização Mundial de Saúde (OMS) é por manter a rigidez para liberação das
atividades em geral, motivo pelo qual nossa categoria precisa agir com
ponderação. A reabertura dos escritórios de advocacia, sobretudo os
atendimentos ao público externo, deverá seguir um protocolo de retomada bem
organizado para evitar a proliferação do vírus.
Advogados e advogadas precisarão avaliar
suas atividades, suas próprias situações e as condições de seus clientes. É
claro que alguns escritórios, principalmente aqueles que defendem direitos de
pessoas físicas, muitas delas até totalmente carentes de recursos tecnológicos
ou mesmo incapacitadas de utilizá-los, parecem ter ainda mais urgência em
disponibilizar um atendimento viável em seus espaços. Mais do que nunca, a
advocacia terá um papel relevante para assegurar o direito constitucional de
acesso à Justiça.
Os protocolos de retomada econômica dos
escritórios de advocacia necessitarão, além das medidas de minoração do
contágio, estar em constante atualização, não só para cumprir as exigências da
lei local como também para acompanhar a dinâmica e o estado de saúde de seus
colaboradores.
Porém, passada essa segunda fase de retomada,
muito se especula sobre a terceira fase da advocacia pós-pandemia, que estaria
imersa no chamado "novo normal". Nesse estágio, há quem diga que
veremos uma consolidação das novas práticas adotadas pelo Judiciário, pelas
relações contratuais e pelas interações interpessoais de maneira geral.
Assim, as audiências virtuais que não causem
fragilidades processuais, a exemplo da polêmica oitiva de testemunha de forma
remota, parecem ter vindo para ficar. Também as tratativas de acordos
extrajudiciais e os métodos consensuais de solução de conflitos tenderão a
ganhar mais espaço para resolver as contendas de modo mais ágil e a pular
etapas processuais. As reuniões no meio corporativo, no mínimo boa parte delas,
certamente passarão a se firmar pelas plataformas online. Da mesma forma, é
provável que seguiremos com os julgamentos e sustentações orais por
videoconferência e o despacho auricular com magistrados.
As inovações, sem dúvida, trazem praticidade
e celeridade para todas as partes, mas os advogados deverão estar atentos ao
novo formato para a ele se ajustarem. Deverão, por exemplo, ser ainda mais
objetivos nas mensagens e precisos em seus memoriais orais, a fim de não
enfadar ou perder a atenção do receptor. Importará cuidar, também, de
reinventar a proatividade e a proximidade, mesmo de longe.
Nesse cenário, precisaremos ter ainda mais
cautela no traquejo social com todas as pessoas com quem lidaremos virtualmente,
cabendo compreender muitas vezes as situações adversas pelas quais podem estar
passando, ou por eventuais instabilidades causadas pelo atual contexto de home
office que vivenciamos.
Fato é que é justamente durante esses tempos
de adversidades que advogados e advogadas podem encontrar oportunidades para
triunfar, criando soluções e medidas facilitadoras para inúmeros problemas. Temos
um campo farto para empreender novas formas de comunicação rápida e eficaz, além
de novos modelos de contratação e execução de serviços, sobretudo os serviços
jurídicos propriamente ditos.
Fala-se, ainda sobre a terceira fase, que
haverá uma onda de sobrecarga de demandas em algumas esferas do Judiciário, boa
parte causada pelos desdobramentos causados pela pandemia. Não é à toa que em
vários sistemas eletrônicos dos tribunais já se inclui o assunto Covid-19 no
cadastro das ações.
Deve-se ter em mente, pois, que mesmo quando
se declare um fim a esta crise, a advocacia ainda estará a cuidar de seus
efeitos por algum tempo. Nosso novo trabalho começa agora, assim como nossa
preparação para o que está por vir, estejamos certos ou não sobre as previsões.
Afinal, nossa categoria já mostra que um terreno de estabilidade não é condição
sine qua non para que se possa atuar.
Por Ingrid Gadelha
Fonte Conjur