segunda-feira, 29 de junho de 2020

IMPACTOS DA LEI 14.010/2020 (LEI DA PANDEMIA) NO DIREITO CONDOMINIAL

Apesar do veto presidencial, síndicos podem impor medidas restritivas de acesso às áreas comuns, além de obstar a realização de festividades e reuniões

1. Considerações Iniciais
Foi publicada hoje (12/06/2020) a Lei 14.010/2020, que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (COVID-19).
Em relação aos Condomínios Edilícios, foram sancionados o art. 12, que trata da possibilidade de realização de assembleia geral em ambientes virtuais e da prorrogação do mandato de síndico vencido a partir de 20 de março de 2020, e o art. 13, que traz a obrigação de prestação de contas por parte dos síndicos.

Vejamos:
Art. 12. A assembleia condominial, inclusive para os fins dos arts. 1.349 e 1.350 do Código Civil, e a respectiva votação poderão ocorrer, em caráter emergencial, até 30 de outubro de 2020, por meios virtuais, caso em que a manifestação de vontade de cada condômino será equiparada, para todos os efeitos jurídicos, à sua assinatura presencial.
Parágrafo único. Não sendo possível a realização de assembleia condominial na forma prevista no caput, os mandatos de síndico vencidos a partir de 20 de março de 2020 ficam prorrogados até 30 de outubro de 2020.

Art. 13. É obrigatória, sob pena de destituição do síndico, a prestação de contas regular de seus atos de administração.

No entanto, o Presidente da República vetou o art. 11 do PL 1.179/2020, que permitiria que os síndicos tomassem medidas quanto a proibição de festas, reuniões e utilização das áreas comuns dos condomínios, sob o argumento de que estas decisões deveriam ser tomadas seguindo o desejo dos moradores nas assembleias internas.
Apesar da sua vigência imediata, a referida lei passará novamente pelo crivo do Congresso Nacional, que poderá derrubar o veto.

2. Assembleias Virtuais
O art. 12 trouxe a possibilidade de realização de assembleia condominial em ambiente virtual, inclusive para os fins dos arts. 1.349 (destituição do síndico) e 1.350 (aprovação de orçamento, eleição de síndico, etc.) do Código Civil.
A assembleia virtual, em caráter emergencial, poderá ser realizada até 30 de outubro de 2020, caso em que a manifestação de vontade de cada condômino será equiparada, para todos os efeitos jurídicos, à sua assinatura presencial.
Optando por este tipo de procedimento, deverá a administração predial escolher os meios que permitam a comunicação instantânea (on-line), uma vez que é preciso garantir a todos os participantes o direito de expressarem suas motivações acerca dos assuntos pautados.
É de fundamental importância que o síndico, auxiliado pela administradora do condomínio, quando houver, tenha em seus cadastros os números de telefone ou e-mails de cada morador, pois serão estes os meios que viabilizarão a comunicação eletrônica.
Todas estas medidas visam garantir o distanciamento necessário entre os moradores neste momento crítico, visto que poderão tomar as decisões necessárias ao bom andamento do condomínio sem precisar se expor a um eventual contágio.
Além disso, o cumprimento destas formalidades evitará a nulidade da assembleia virtual, pois, mesmo diante do avanço tecnológico, deve o condomínio observar as formalidades necessárias à convocação e condução da assembleia geral.

3. Prorrogação do Mandato
Não sendo possível a realização de assembleia, inclusive na modalidade virtual, os mandatos de síndico vencidos a partir de 20 de março de 2020 ficam prorrogados até 30 de outubro de 2020.

4. Prestação de Contas
O art. 13 da Lei 14.010/2020 apenas reproduziu o inciso VIII do art. 1.348 do Código Civil.
Vejamos:
Art. 1.348. Compete ao síndico:
(...)
VIII - prestar contas à assembleia, anualmente e quando exigidas;

Assim, nota-se que o artigo supracitado nada mais é que um reforço ao que já estava previsto na legislação civil.
No caso de inviabilidade da realização de assembleia para aprovação das contas da sua gestão, ainda que em ambiente virtual, o síndico, assim que possível, convocará assembleia com esta finalidade, pois, caso contrário, poderá ser destituído do cargo.

5. Sobre o Artigo Vetado
O momento requer a análise pormenorizada de cada caso concreto. É sabido que existem inúmeros tipos de condomínios edilícios, e que estes possuem particularidades e características que podem ocasionar a possibilidade da realização de assembleias gerais em maior ou menos amplitude. 
Aliás, a depender do empreendimento, é possível que sequer existam condições de realização de uma assembleia de condôminos, seja ela presencial ou virtual.
Ressalte-se que as medidas de isolamento social têm como elemento balizador as orientações dos órgãos de saúde e também dos entes governamentais.
Como forma de evitar a propagação do COVID-19, os síndicos têm adotado restrições quanto a utilização das áreas comuns, bem como medidas para evitar aglomeração de pessoas, ainda que em suas unidades privadas.
Entendemos que as atuais decisões dos síndicos não necessitariam da aprovação do PL 1.179/2020, atualmente convertido em Lei sob o nº 14.010/2020, visto que as medidas implementadas encontram respaldo no art. 1.348 do Código Civil, justamente por ser dever do síndico a guarda e a conservação das partes comuns do condomínio e, consequentemente, dos seus moradores.
Além disso, estas decisões encontram respaldo na convenção condominial e no regimento interno, que prescrevem o dever do síndico em supervisionar os interesses da coletividade, obviamente que dentro de um senso de razoabilidade e proporcionalidade, e sempre no intuito de preservar vidas.
Recentemente o Governo do Estado de Alagoas divulgou o calendário de reabertura da economia, prevendo, dentre outros pontos, a retomada de reuniões e eventos.
Da leitura do documento, percebe-se que há limitações no número de participantes nas assembleias presenciais. A título de exemplo, cite-se que até 19/07/20 estão proibidas as reuniões presenciais com mais de 10 pessoas, devendo ser priorizado o encontro por videoconferência.
Somente a partir de 20/07/20 é que haverá a possibilidade de reuniões presenciais com no máximo 50 pessoas, e mesmo assim se houver extrema necessidade.
Em tese, o Decreto Estadual não regra situações ocorridas no interior dos condomínios, mas, diante da pandemia, pode o síndico impor sanções aos condôminos que descumprirem as orientações de não aglomeração em áreas comuns ou privadas, podendo, inclusive, acionar as autoridades policiais para que cessem o ato.
Com tantas restrições legais e de saúde não nos parece razoável a realização de assembleia para discutir medidas restritivas. É preciso que se analise o momento atual, de forma a garantir a preservação da vida de todos aqueles que de certa forma frequentam o condomínio.
É preciso, também, considerar que nem todos os condomínios possuem condições suficientes para proporcionar uma assembleia virtual.
Com base nisso, é de se presumir que as restrições às áreas comuns, festividades e reuniões continuem sendo aplicadas pelo corpo diretivo do condomínio, pois, não sendo desta forma, não haverá qualquer regramento definido.
É até contraditório o fato do Presidente da República informar que as decisões de restrição das áreas comuns, festividades e reuniões devam ser determinadas em assembleia, quando, ao mesmo tempo, sanciona artigo (art. 12 e parágrafo único) que permite a prorrogação do mandato do síndico, tema este de maior importância à coletividade. Não há nenhuma lógica em permitir a prorrogação do mandato sem assembleia e vetar a possibilidade de aplicação de medidas restritivas.
Ora, se há ressalva para a prorrogação do mandato do síndico em caso de impedimento de realização da assembleia virtual, porque não aprovar a mesma ressalva para permitir que os síndicos atuem em favor da coletividade fechando as áreas comuns ou, sendo o caso, implementando protocolos de utilização e acesso?

6. Flexibilização de Medidas
A depender das características de cada condomínio, entendemos ser possível que se flexibilize algumas das normas de restrição que já foram aplicadas, desde que se aplique protocolos de segurança e controle de acesso.
Flexibilizar as normas internas neste momento sem qualquer regramento certamente ocasionará o aumento do número de casos do COVID-19, colocando em risco potencial a coletividade predial.
A flexibilização das medidas, se implantada de forma equivocada, trará prejuízos aos que coabitam o condomínio.
Finalizando este opinativo, recomendamos que as medidas restritivas de acesso às áreas comuns sejam mantidas, ressalvando-se os casos excepcionais, e desde que sejam tomadas em respeito aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, evitando possíveis excessos.
Orientamos que todas as medidas e decisões sejam imediatamente comunicadas à coletividade e, posteriormente, postas para apreciação e ratificação dos atos em assembleia condominial.

7. Conclusão
Portanto, deve o síndico, com fulcro nos poderes atribuídos pelo Código Civil, bem como pela convenção condominial e regimento interno, zelar pela segurança e salubridade dos moradores, sob pena de responder por eventual omissão, aplicando as medidas que se fizerem necessárias ao controle do COVID-19. 
Por Francisco Vasco
Fonte JusBrasil Notícias