quarta-feira, 9 de outubro de 2024

CARROS MAIORES E GARAGENS ESTREITAS: COMO RESOLVER OS PROBLEMAS DE VAGAS NOS CONDOMÍNIOS

São comuns as brigas de moradores por causa do mau uso e da distribuição dos espaços nos condomínios

Dizem que as brigas entre vizinhos por causa de vagas tiveram início quando o primeiro edifício construído com garagem recebeu o seu segundo morador motorizado... É um tipo de conflito tão antigo e comum que todos conhecemos alguma história do gênero. A discórdia acontece por vários motivos, sendo que os mais comuns são o questionamento na distribuição dos espaços — e porque alguns moradores não respeitam a área alheia.
Essa treta vem crescendo juntamente com o tamanho dos carros — enquanto as vagas continuam do tamanho de sempre. No Rio, a legislação municipal determina que as vagas de edifícios devem ter 2,5m de largura por 5m de comprimento, quando forem perpendiculares ou a 45° da área de circulação; e 2,5m x 6m, se paralelas à área de circulação; as destinadas a deficientes devem ter 1,2m extras para o acesso.
A situação se complica com a febre dos utilitários esportivos que tomou conta dos moradores das grandes cidades. Um dos modelos mais vendidos atualmente — o Jeep Compass — mede 4,41m de comprimento. Há ainda picapes de cabine dupla como as campeãs de vendas Fiat Toro (4,91m) e Chevrolet S10 (5,36m).
Com os carros ficando maiores e as vagas, iguais, a pequena distância entre um veículo e outro faz toda a diferença: a conta não fecha a confusão é certa.

Como manobrar?
A confusão não acontece apenas nos condomínios antigos (em que as vagas costumam ser menores e inferiores ao número de apartamentos). Ocorre também em construções novas. Para vender imóveis com maior número de vagas, as construtoras muitas vezes incluem as faixa de separação no cálculo do espaço mínimo obrigatório. Em muitos casos, também criam vagas com um espaço de manobra inviável, especialmente perto de muros e rampas.
A gerente de Gestão Predial da Estasa, Anna Carolina Chazan, explica que a quantidade de vagas é decidida pelo incorporador dentro do seu projeto. Pode ser que cada apartamento faça jus a uma vaga, ou que apenas um número determinado de unidades tenha esse direito.
— As vagas de esquina podem até ter dimensão maior, por conta da área em que estão localizadas, e não por exigência legal. Em alguns casos, podem ser demarcadas vagas maiores — diz Anna.
Ela conta que há casos de condomínios entregarem um número de vagas menor do que o previsto na construção. Em geral, contudo, já é feito um investimento maior na garagem, na área de manobra e no tamanho das vagas. 
Segundo o advogado especialista em direito condominial Leandro Sender, outro problema comum são os moradores que estacionam fora da área demarcada.
— As brigas são causadas pelas dificuldades para entrar e sair com o automóvel, e para fazer manobras. A legislação estabelece o tamanho da vaga, mas muitas vezes ela não corresponde à realidade no que diz respeito a mobilidade e funcionalidade — avalia Sender.

Zero vagas ou maiores
As questões de garagens ganham dois novos capítulos. Usando como argumento o crescente uso de meios de transporte por aplicativos, além de bicicletas compartilhadas, o Novo Código de Obras do Rio isenta as novas construções de oferecer vagas em prédios uni e bifamiliares. Para edifícios residenciais que estejam em um raio de até 800m de estações de metrô, trem, BRT, VLT e barcas, a exigência é de apenas uma vaga para cada quatro unidades.
O outro capítulo dessa novela é que novos empreendimentos já estão atentos ao aumento do tamanho dos carros. Alguns projetos, especialmente os de luxo, já oferecem vagas maiores.
— Tanto nos prédios antigos quanto nos modernos sempre há problemas. Em alguns condomínios, é normal diferenciarem as vagas para carros grandes daquelas para modelos pequenos. Os moradores estacionam de acordo com o tamanho do automóvel — diz Sender.
Responsável por empreendimentos de médio e alto padrão da Incorporadora Jeronimo da Veiga, Tiago Ferraz, conta que para projetos de luxo a garagem é pensada de forma diferente, tanto na quantidade de vagas quanto no tamanho.
Em um residencial que está em construção em Nova Iguaçu, por exemplo, são 200 unidades e 458 vagas.
— No projeto tivemos a premissa de todas as vagas serem grandes, porque o morador desse tipo de empreendimento costuma ter carros maiores. Na metragem total, consideramos o espaço para o veículo e a área mínima de circulação de 5m, rampas acima de 5,5m e pé direito a partir de 2,95m.

Sorteios ajudam a resolver questões de garagem
Além do problema do tamanho das vagas e das áreas de manobra, outras causas comuns de atritos nos condomínios são a distribuição e o uso indevido de espaços teoricamente destinados exclusivamente aos veículos.
No caso da divisão, é a convenção que estipula o sorteio da vaga — se será fixa por unidade ou por ordem de chegada, por exemplo. Em prédios antigos e menores, é comum que as melhores vagas já tenham sido escolhidas pelos moradores com mais tempo de condomínio.
— Nesses casos, conseguimos, mediante ajuizamento de ação judicial, restabelecer o direito de todos os condôminos a concorrer igualmente à escolha das vagas de garagem — explica o advogado Leandro Sender, que lembra de outra questão:
— Equivocadamente, os moradores entendem que podem utilizar aquela área da forma que melhor lhes convier. No entanto, o espaço é destinado exclusivamente à guarda de veículos, não sendo permitido, por exemplo, utilizá-lo como depósito de móveis.
A gerente de Gestão Predial da Estasa, Anna Carolina Chazan, sugere outros paliativos para a questão:
— Rodízio de vagas, sorteio das vagas da garagem e contratação de manobristas são algumas das opções — afirma Anna.
Os dois reforçam que a falta de fiscalização e de especificações nas regras agrava o problema.
— O Código Civil, propositalmente, se manteve omisso em relação às regras de vagas de garagem, para que as convenções estipulem suas próprias normas. Uma das poucas regras previstas no Código Civil estabelece que as vagas não podem ser alugadas ou alienadas a pessoas estranhas ao condomínio, salvo se a assembleia condominial autorizar — explica Sender.
Anna Carolina Chazan acrescenta que a questão não é apenas legislativa:
— O bom senso é primordial para que os conflitos sejam minimizados. Temos, por exemplo, pessoas querendo estacionar mais veículos na garagem do que as vagas de que dispõe. Esse é um dos problemas.

ANÁLISE: O aperto está mais evidente
Pense em um carro médio dos anos 80: de um para-choque a outro, um Chevrolet Monza media 4,36m. Hoje, um “sedã compacto” como o Nissan Versa tem nada menos do que 4,49m de comprimento... E assim, centímetro a centímetro, ano após ano, os carros nacionais têm crescido, ficando cada vez mais apertados nas vagas de prédios.
Estacionar no Rio nunca foi coisa simples: até os anos 50, vaga no edifício era coisa rara. Quando havia, mal suportava os carrões americanos que dominavam nossas ruas.
A garagem se tornou obrigatória, mas as construtoras nunca se preocuparam muito com a posição das colunas, que gera vagas quase impossíveis de se entrar com o carro, além de estreitas rampas em caracol — daquelas em que você sempre acaba lanhando o para-choque.
Com a onda dos utilitários esportivos, o aperto tornou-se mais evidente. Antes de comprar um carro, lembre-se da garagem.   
    Por Raphaela Ribas
Fonte O Globo Online