O
fato de um herdeiro deserdado ter concordado com os termos do testamento não
exime os demais de ajuizar ação própria de deserdação, prevista no artigo 1.965
do Código Civil. Afinal, ao herdeiro instituído, ou àquele a quem aproveite a
deserdação, incumbe provar a veracidade da causa alegada pelo testador, o que
já virou uma tradição no Direito.
Com
este entendimento, a 8ª. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul manteve decisão que negou pedido de dispensa de ajuizamento de uma
deserdação no interior gaúcho. No pedido, a deserdada – filha do testador – não
só concordou com os nove motivos que a fizeram perder a herança como renunciou
ao seu quinhão em favor dos três filhos. O pedido homologatório foi feito pela
viúva meeira e pelos demais herdeiros, já que há aceitação entre as partes da
decisão do testador.
O
relator do Agravo de Instrumento, desembargador Ricardo Moreira Lins Pastl,
referendou o entendimento manifestado pelo juízo de origem, pois a concordância
da filha com as razões que a excluíram do dote não afasta o ajuizamento em ação
própria, por parte dos demais herdeiros. É que a disposição testamentária é
dotada de condição suspensiva e apenas implementa eficácia com o reconhecimento
judicial das causas apontadas pelo testador, como motivação do ato.
O
desembargador, como o juízo de origem, citou a doutrina de Maria Berenice Dias,
especialista em Direito de Família e ex-integrante da corte. Para esta, além da
indicação dos motivos da exclusão, é necessária posterior comprovação judicial
de que a causa integra o rol constante na lei, como sinaliza o Código Civil,
nos artigos 1.961 a 1.963.
‘‘Esta
dupla exigência permite verificar se a motivação do testador é bastante para
autorizar a deserdação. Como refere Orlando Gomes, o motivo indicado deve
configurar autêntica ingratidão, no significado técnico da palavra: falta de
agradecimento ou o mau reconhecimento da pessoa em relação àquela de quem
mereceu o benefício. Não reconhecida a veracidade do motivo apontado, é
ineficaz a disposição testamentária, caindo por terra a deserdação, o que não
compromete a higidez do testamento”, sustenta a doutrinadora gaúcha.
Discorrendo
sobre o conteúdo do artigo 1.965, do Código Civil, Pastl disse que as causas
elencadas pelo testador, para deserdar a filha, podem não se coadunar com as
hipóteses elencadas no artigo 1.962 do mesmo Código. Nesta linha, e
considerando o estado falimentar do testador, entendeu inviável a dispensa do
ajuizamento da ação de ratificação da deserdação.
Ao
fechar o voto, o relator também achou descabida a homologação da renúncia à
herança na forma proposta. Isso porque, na esteira do artigo 1.810 do Código
Civil, o quinhão do renunciante acresce o dos outros herdeiros da mesma classe;
sendo ele o único desta, devolve-se aos da subsequente.
‘‘Assim sendo, na linha da decisão acoimada,
considerando que o ato da renúncia retroage ao momento da abertura da sucessão,
‘é como se o herdeiro nunca tivesse participado [d]a sucessão, de modo que os
bens retornam ao acervo hereditário e são recebidos pelos demais herdeiros.
Assim, não pode o herdeiro renunciante eleger beneficiário, já que os bens
sequer foram transmitidos para o seu patrimônio’ (fls. 18/20), o que assinala
que o ato, em verdade, tem natureza distinta – de cessão’’, escreveu no voto. O
acórdão foi lavrado na sessão de 24 de novembro.
Os
nove motivos do testador
O
patriarca – que faleceu abril de 2015 -- publicou e registrou no seu
testamente, em junho de 2010, as razões da exclusão da filha: ‘‘pelos seguintes
motivos: 1º emprestei 4.000 (quatro mil) sacas de soja, pagou a metade e com
desaforo; 2º estavam, ela e o marido, falidos, me constrangeram diante da
família, me pedindo 20.000 (vinte mil) sacas de soja, e não pagaram; 3º
incluíram minha esposa como sócia de uma empresa, e fizeram dois empréstimos na
Caixa Econômica Federal; 4º fizeram um empréstimo no Bradesco
penhoraram/alienaram um caminhão, sem o meu consentimento, solicitaram 2ª via
do Certificado de registro e Licenciamento de Veículo e apresentaram no banco
(extorsão); 5º emprestado R$ 20.000,00 (...) mais tarde R$ 25.000,00 (...) e
não pagaram; 6º paguei cheque especial, particular, no banco Bradesco; 7º
arrematei o apartamento de Três Passos, o Estado (credor) acusou-me de ser
‘laranja’, me senti constrangido; 8º houveram (sic.) várias tentativas de
extorsão, usando a condição de devedores e da boa condição dos pais para quitar
dívidas com terceiros; 9º terceiros se apresentando para receber contas”.
Para
ler o acórdão: http://s.conjur.com.br/dl/tj-rs-confirma-sentenca-exigiu-acao.pdf
Por
Jomar Martins
Fonte
Consultor Jurídico