Absorvidos pelos custos (dos tributos, dos honorários,
da conservação do espólio, v.g.), é muito comum que os herdeiros, focados nos
bens de maior expressão econômica desconsiderem os valores depositados em
contas bancárias vinculadas ao PIS/PASEP e FGTS
1.
INTRODUÇÃO
Via
de regra, quando alguém morre e deixa patrimônio, que nada mais é do que a soma
de tudo o que se tem e de tudo o que se deve, é por meio do procedimento de
inventário e partilha que se dá a transferência desse conjunto de bens, direitos
e obrigações (chamado de espólio) aos herdeiros da pessoa falecida.
Num
simples exemplo, suponhamos que “A”, casado com “B” no regime da comunhão
parcial, com quem teve 3 (três) filhos, comprou 1 (um) apartamento, 1 (uma)
casa na praia e 2 (dois) automóveis, bens que somados alcançam R$ 500.000,00
(quinhentos mil reais). Vindo “A” a falecer, como as aquisições ocorreram
durante o matrimônio, metade pertencerá a “B” e, a outra metade, caberá por
herança aos filhos, na proporção de 1/6 (um sexto) para cada um.
Sobre
o valor dos bens herdados é necessário pagar o ITCMD – Imposto de Transmissão
“Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens e Direitos, também conhecido por
imposto sobre heranças e doações, cuja alíquota é de 4% (quatro por cento) no
Estado de São Paulo. Então, no exemplo citado, R$ 10.000,00 (dez mil reais)
teriam de ser recolhidos aos cofres estaduais.
Não
é só, se se tratar de inventário e partilha judicial, os herdeiros ainda terão
de arcar com outros gastos, como por exemplo: a) custas iniciais (taxa que
varia de acordo com o valor total dos bens,(1% sobre o valor da causa – mínimo
de 5 UFESPs: R$ 106,25 / máximo de 3.000 UFESPs: R$ 63.750,00); b) contribuição
previdenciária sobre mandato (2% por cento do valor do salário mínimo); c) taxa
de expedição de formal de partilha. Consideramos o valor das custas e das
despesas judiciais no Estado de São Paulo, contudo não se tem notícia de que
haja substancial diferença em relação ao praticado noutras unidades da
federação.
Obviamente
que, se não existir concordância entre os herdeiros (quanto à gestão, avaliação
ou divisão dos bens, por exemplo), os dispêndios se revelarão maiores, podendo
envolver a remuneração de perito e de assistente técnico, diligências de
Oficial de Justiça, preparo de recursos etc. Também deverão ser levados em
conta ônus financeiros extraprocessuais — emolumentos registrais, emissão de
Certificado de Registro de Veículo, alteração de contrato social na Junta
Comercial, v.g. — em meio aos quais
estão os honorários advocatícios. Aliás, muito embora a contraprestação dos
serviços desempenhados pelo advogado seja de livre negociação com o cliente,
cumpre observar que caracteriza infração ético-profissional a cobrança de
honorários inferiores aos estabelecidos na tabela organizada pelo Conselho
Secional da OAB – Ordem dos Advogados do Brasil (artigo 22, § 2º, da Lei nº
8.906/1994).
Quanto
ao procedimento extrajudicial de inventário e partilha (inventário via Cartório
de Notas ou por escritura pública), introduzido pela Lei n.º 11.441/2007,
trata-se de uma alternativa que, sem dúvida, pode representar maior agilidade.
Ora, não é de hoje que o Poder Judiciário está assoberbado, não consegue
responder satisfatoriamente às ações que lhe são submetidas e, diante desse
quadro, qualquer Tabelionato de Notas minimamente organizado é capaz de lavrar
uma escritura pública antes de o Estado-juiz determinar a expedição do formal,
da carta de adjudicação ou do mandado de entrega.
Mas
se por um lado está-se diante de uma flagrante economia de tempo, menos
perceptível é a economia de dinheiro. Isso porque a única diferença em relação
ao procedimento judicial reside no fato de que no lugar das custas e despesas
judiciais são devidas custas e emolumentos notariais (taxas destinadas a
promover a manutenção do serviço público cartorário); de resto também haverá,
v.g., imposto sobre a transmissão de bens; despesas registrais; presença de
advogado.
Para
acessar mencionada opção legal é necessário que não haja testamento e que todos
os herdeiros e interessados sejam capazes (maiores ou emancipados e com pleno
discernimento para a prática dos atos da vida civil) e estejam em estrito
consenso. É o que diz o artigo 982 do Código de Processo Civil: “Havendo
testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se
todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por
escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro
imobiliário”.
Essas
rápidas considerações permitem compreender o porquê muitos tardam a formalizar
a transferência da herança abdicando por determinado tempo de seus interesses e
de suas conveniências para, em conjunto com os demais compossuidores,
administrar os bens do espólio. Sim, a sucessão, como qualquer outro evento da
vida (casamento, compra de um imóvel, concepção de um filho, divórcio) requer
planejamento, pois do contrário o preço para haver a quota ou o quinhão cabente
poderá levar ao consumo de economias pessoais ou à alienação precipitada de
ativos hereditários (heritage assets).
Todavia,
quer pela existência de bens de rápida depreciação, quer pela ausência de
acordo entre os herdeiros ou destes com o cônjuge sobrevivente, nem sempre é
possível a formação de caixa para fazer frente aos encargos do
inventário-partilha (através da poupança de parte da renda dos contratos de
locação, por exemplo).
Indiscutivelmente
o que mais absorve os herdeiros são os custos (dos tributos, dos honorários, da
conservação e manutenção do patrimônio e assim por diante), por isso é muito
comum que, com os olhos voltados para os bens de maior expressão econômica (imóveis,
veículos automotores, rebanho de gado, v.g.), não atentem para os valores
depositados em contas bancárias vinculadas ao Fundo de Participação – PIS/PASEP
e ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS.
Porém,
como veremos a seguir, tais importâncias, acaso existentes, poderão ser sacadas
de forma célere, desembaraçada e sem grandes expensas.
2.
QUEM SÃO OS
DEPENDENTES?
Primeiramente
é necessário compreender quem são aqueles que a lei chama de dependentes. Eles
têm preferência em relação aos herdeiros no pagamento das quantias depositadas
e, diferentemente destes, recebem em quotas iguais e, não, por ordem de
preferência (em classes e de forma excludente).
Para
melhor situar a questão imaginemos que haja um saldo de FGTS e de PIS/PASEP de
R$ 3.000,00 (três mil reais) e 2 (duas) pessoas habilitadas perante o INSS –
Instituto Nacional do Seguro Social como dependentes: a esposa e a mãe do
finado. Cada uma terá direito à importância de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos
reais).
Situação
bem diversa ocorreria se não fossem inscritas como dependentes na Previdência
Social e o morto houvesse deixado 3 (três) filhos. Em tal hipótese cada
descendente e a viúva (se o regime matrimonial de bens for o da comunhão
parcial) receberá R$ 750,00 (setecentos e cinquenta reais), ¼ (um quarto) do
montante depositado, ao passo que à genitora (ascendente) nada caberá.
Sem
nos aprofundarmos demasiadamente em minúcias, pois transbordaria o caráter
informativo do texto, analisaremos adiante a ordem que os herdeiros são chamados
a suceder (receber a herança). Por ora, nos ocupemos dos dependentes. E,
conforme o artigo 16 da Lei n.º 8.213/1991, que trata dos “Planos de Benefícios
da Previdência Social”, são eles:
- o cônjuge,
a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer
condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha
deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente
incapaz, assim declarado judicialmente;
- os pais;
- o irmão
não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou
inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne
absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente.
Não
basta, todavia, enquadrar-se em alguma dessas categorias, é necessário estar habilitado
perante Previdência Social, caso contrário os herdeiros é que serão
contemplados, de acordo com a ordem preferencial de chamamento prevista na Lei
Civil.
Preenchida
a referida condição — que se comprova por meio de declaração de dependentes firmada
por instituto oficial de Previdência Social, de âmbito federal, estadual ou
municipal, ou ainda, por declaração de dependentes habilitados à pensão por
morte expedida pelo INSS – Instituto Nacional do Seguro Social — será possível
por simples requerimento administrativo (independentemente de determinação
judicial) sacar o numerário existente nas contas de PIS/PASEP e de FGTS da
pessoa falecida com total precedência sobre os herdeiros.
Noutro
exemplo, se o de cujus tiver 2 (dois) filhos, sendo um menor habilitado e o
outro maior, este nada receberá. Muito frequentes são os casos de irmãos
plenamente capazes que a despeito do que diz o artigo 1.º da Lei n.º 6.858/1980
— “Os valores devidos pelos empregadores aos empregados e os montantes das
contas individuais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do Fundo de
Participação PIS-PASEP, não recebidos em vida pelos respectivos titulares,
serão pagos, em quotas iguais, aos dependentes habilitados perante a
Previdência Social ou na forma da legislação específica dos servidores civis e
militares, e, na sua falta, aos sucessores previstos na lei civil, indicados em
alvará judicial, independentemente de inventário ou arrolamento” — içam a
bandeira da isonomia e reclamam que o pagamento seja feito proporcionalmente,
em igualdade de condições entre os herdeiros-filhos.
Meramente
a título de ilustração, destacamos as duas decisões abaixo ementadas, ambas do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
“ALVARÁ — LEVANTAMENTO DE
SALDO DO FGTS — TITULAR FALECIDO — Dependente menor de idade, único inscrito
como dependente do pai no INSS, e, consequentemente, único beneficiado.
Interpretação do art. 1º e seu parágrafo único da Lei 6.858/80. Recurso
desprovido. (TJSP, Ap. n.º 0103235-70.2006.8.26.0002, 4.ª Câmara de Direito de
Privado, Rel. Des. Teixeira Leite, v.u., j. 18.04.2013)”; e (grifo nosso)
“ALVARÁ JUDICIAL — LEVANTAMENTO DE VALORES
DEPOSITADOS EM CONVA DO FGTS E PIS DO FALECIDO — Direito de dependente menor
habilitado perante a Previdência Social que prevalece sobre os demais herdeiros
— Aplicabilidade da Lei 6.858/80 — Pedido indeferido — Decisão mantida —
Recurso desprovido. (TJSP, Ap. n.º 355.385-4/5-00, 1.ª Câmara de Direito
Privado, Rel. Des. De Santi Ribeiro, v.u., j. 03.05.2005)”. (grifo nosso)
3.
QUEM SÃO OS
HERDEIROS?
A
ordem de vocação hereditária (ou ordem de recebimento da herança) está prevista
no art. 1.829 do Código Civil.
- descendentes
(filhos, netos, bisnetos, tataranetos...), “em concorrência com o cônjuge
sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão
universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo
único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não
houver deixado bens particulares”;
- ascendentes
(pais, avós, bisavós, trisavós ou tataravós), “em concorrência com o
cônjuge” (independentemente do regime de bens adotado no casamento);
- cônjuge
sobrevivente (independentemente do regime de bens adotado no casamento);
- colaterais
até o 4.º (quarto) grau (irmãos, sobrinhos, tios, primos, sobrinhos netos
e tios avós).
4.
DO ALVARÁ
JUDICIAL
De
plano, destaque-se que o pedido de alvará judicial para levantamente de saldos
de PIS/PASEP e/ou de FGTS pelos herdeiros legítimos do titular falecido é, a
nosso ver, isento do recolhimento de custas iniciais e outras despesas
processuais por se tratar de atividade de cunho eminentemente administrativo,
onde o poder jurisdicional se restringe a verificar o preenchimento das
exigências legais.
A
propósito, assim já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “A expedição de
alvará nos termos da Lei 6.858/80, ou seja, em decorrência do falecimento do titular
da conta, traduz atividade de jurisdição graciosa, na qual inexiste conflito
nem se instaura relação processual” (STJ, RMS n.º 21.160/SP, 1.ª T., Rel. Min.
José Delgado, v.u., j. 05.10.2006, DJ 26.10.2006, p. 219). Vale registrar
também que de acordo com a Súmula n.º 161 do referido Tribunal compete à
Justiça Estadual autorizar o saque dos valores. Logo, pouco importa que a
instituição financeira depositária seja a Caixa Econômica Federal.
Relativamente
aos honorários profissionais, a remuneração mínima devida conforme a Tabela da
Seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SP) é R$ 1.688,18
(mil seiscentos e oitenta e oito reais e dezoito centavos). Evidente, contudo,
que o parâmetro será proveito econômico do cliente, de modo que é razoável
ajustar a contraprestação em percentual do saldo (20%, 30%, por exemplo) na
hipótese de tal verba se relevar demasiadamente onerosa para o mesmo.
Além
da certidão de óbito e dos documentos pessoais da parte interessada (RG, CPF,
comprovante de residência) é indispensável, sob pena de indeferimento, que o
pedido seja instruído pela certidão negativa de dependentes habilitados perante
a Previdência Social, a ser obtida perante a autarquia federal.
Questão
interessante diz respeito à legitimidade ativa: Havendo mais de um herdeiro é
necessário o alvará seja pedido em conjunto? Não. Qualquer herdeiro poderá
isoladamente pleitear o levantamento da parte que lhe couber sobre o saldo, não
havendo que se falar em litisconsórcio necessário. Sobre o tema, destaca-se o
seguinte julgado:
“ALVARÁ JUDICIAL —
Autorização para levantamento de valores não recebidos em vida pelo titular da
conta — Legitimidade ativa ‘ad causam’ de um dos sucessores do ‘de cujus’ —
Reconhecimento — Necessidade — Ausência de dependentes habilitados —
Inteligência do art. 5.º do Dec. 85.845/81, que regulamentou as disposições da
Lei n° 6.858/80 — Preferência dos herdeiros menores — Descabimento — Igualdade
sucessória dos descendentes — Quotas atribuídas a menores que ficarão depositadas
em caderneta de poupança, rendendo juros e correção monetária, até levantamento
oportuno — Prosseguimento do feito determinado — Recurso provido. (TJSP, Ag. de
Intr. n.º 994.09.278492-6, 7.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Alvaro
Passos, v.u., j. 24.02.2010)”; (grifo nosso)
Vamos supor que “A”, solteiro, faleça sem deixar descendentes, mas seus pais, senhora “B” e senhor “C”, sejam vivos. Nesse caso, os ascencentes terão direito a 100% (cem por cento) do montante depositado. Todavia, se por alguma razão, apenas 1 (um) deles estiver Anote-se, à guisa de conclusão, ser muito comum que um herdeiro ceda a sua quota em favor de outro menos abastado ou, até mesmo, aliene-a a título oneroso, numa ou noutra hipótese não se faz necessário que o contrato de cessão de direitos hereditários seja feito por instrumento público.
5.
CONCLUSÃO
Registre-se,
por fim, haver outras modalidades de alvará — a) para levantamento de saldos
bancários, contas de cadernetas de poupança e fundos de investimento de reduzido
valor (quando inexistentes outros bens sujeitos a inventários), b) para o
levantamento de saldos de salários, 13.º, adicionais, horas extras,
gratificações e outras verbas etc — e muitas possibilidades de intervenção que
podem conduzir à economia de tempo, de dinheiro e à maximização dos ativos
hereditários.
Trabalhar
com a definição de estratégias que previnam litígios, que se mostrem mais
seguras e vantajosas aos negócios e que levem o cliente ao sucesso almejado é o
propósito da advocacia moderna, que cumpre sua função dentro da lógica
econômica e jurídica da sociedade contemporânea.
Por
Luiz Gustavo Pantoja
Fonte
JusBrasil Notícias