Todo
cidadão é criado nos EUA sob a influência do “sonho americano”, que tem mais de
uma interpretação. Politicamente, é um conjunto de ideais (democracia,
direitos, liberdade, oportunidades e igualdade). Popularmente, significa
oportunidade igual para todos para alcançar sucesso e prosperidade, por meio do
trabalho árduo, determinação e iniciativa — embora já se tenha escrito que o
sonho americano é ficar rico, comprar uma casa, casar, ter dois filhos, “pets”
e plantar uma árvore. Mas há um sonho americano que é mais notável no dia a dia
dos cidadãos e que se impõe a todos os outros: ser o próprio chefe.
Com
os advogados, não é diferente. A maioria sonha com o “negócio próprio” e o que
vem com ele: ser o próprio patrão para fazer o que quiser fazer, em vez de ter
um patrão ordenando que faça ou que preferiria não fazer (como passar horas
pesquisando jurisprudência, decisões judiciais e legislação, em vez de atuar no
tribunal); ter horários flexíveis, em vez de horários rígidos; colher todo o
fruto financeiro da atividade, não apenas uma pequena porção dele.
A
dúvida que corrói a imaginação dos futuros chefes de si mesmos se refere às
opções do sonho: perseguir uma carreira solo (sociedade pessoal) ou formar uma
sociedade de advogados, com um, dois, três ou mais colegas de profissão. As
duas opções têm prós e contras. E estão tão presentes nas vidas dos advogados
que são temas de artigos em praticamente todas as publicações para advogados,
como Lawyerist, Above the Law, FindLaw, Jornal da ABA e também na revista
Forbes.
Mas,
antes de optar por uma ou outra coisa, há o emprego. De uma maneira geral, nos
EUA, um bacharel em Direito só faz uma troca direta do banco da faculdade pela
poltrona do escritório se não conseguir emprego — ou, em alguns casos, se já
estavam dispostos a abrir um “negócio próprio” e nunca procurar emprego. A
maioria, porém, prefere arrumar um emprego, depois da formatura, para adquirir
experiência, observar os detalhes da administração do escritório, o trabalho
dos chefes e dos advogados mais experientes e aprender como se conquista e se retém
clientes.
Chegada
a hora de decidir pela atuação solo ou em sociedade, com experiência de emprego
ou não, a primeira decisão é se o advogado realmente quer (ou não) abrir o
“negócio próprio” sozinho ou com sócio. Um escritório tem custos/despesas administrativas,
uma estrutura operacional a ser montada e, no início, poderá não ter clientes.
É uma decisão ao mesmo tempo estimulante e intimidante.
Advogado autônomo
Se
o advogado optar pela carreira solo, logo descobrirá que a vida de lobo
solitário não prevê horas flexíveis mais amenas do que a que tinha no emprego,
nem fuga de trabalhos que gostaria de evitar. Ao contrário, deverá trabalhar
mais horas e terá de fazer todos os trabalhos de um escritório de advocacia
(até que contrate pessoal), que incluem administrar uma “empresa” e fazer
marketing para conquistar clientes.
É
comum se ensinar nos cursos de negócios, nos EUA, que todo profissional que
decide abrir o próprio negócio deve se tornar um “três emum”. Isto é: um
profissional, um empresário/administrador e um marqueteiro. Do contrário, vai
fechar as portas por falta de receitas para cobrir as despesas.
No
entanto, ser advogado autônomo garante o máximo de autonomia, é claro — ou
quase: você ainda terá de trabalhar para o cliente, para o tribunal (ouvir
ordens de juízes). E terá de viver sob a autoditadura, porque, se não tem mais
um chefe, você terá de ser seu próprio chefe, se autodisciplinando, se
obrigando a cumprir prazos, a acordar cedo, a ir em reuniões sociais e eventos
para conquistar clientes, em vez de ir para casa descansar.
Como
advogado autônomo, você terá de se motivar para fazer tudo o que tem de ser
feito — ou dar as ordens e cumpri-las. Tem de conviver com a solidão, se ocupar
com o pagamento de contas e com todo o trabalho normal do advogado — sem, no
entanto, ter de dar satisfações a a quem quer que seja, a não ser a você mesmo.
Há
vantagens nisso. Uma delas é a de que você pode ter uma visão de curto, médio e
longo prazo, sabendo qual caminho quer percorrer, onde quer chegar, sem ter de
negociar um acordo com sócios a cada passo – e nunca ter uma visão de longo
prazo, porque os objetivos de cada um podem ser muito diferentes. Você tem
carta branca para decidir e agir. Também há um ganho em produtividade, pelo
mesmo motivo de que não é preciso fazer uma reunião para se decidir cada passo
que o escritório vai dar.
Um
advogado solo também não tem de se preocupar com divisão de lucros. Nem com
divisão das glórias do sucesso ou da culpa pelos fracassos. Se acontecer algo
muito errado e a banca “explodir”, ele “explode” junto, porque responde
pessoalmente por qualquer desastre. Ao contrário, em uma sociedade de
advogados, se a banca “explodir”, os advogados ainda podem se salvar.
Sociedade de advogados
De
uma maneira geral, advogados tendem a formar sociedades com o melhor amigo da
faculdade ou com o melhor colega do escritório em que são empregados. Porém, se
os dois ou três advogados forem muito competentes profissionalmente, mas não
tiverem qualquer qualificação para empreender e administrar o “negócio”, muito
menos para fazer marketing e conquistar clientes, o plano não se consuma.
Uma
ideia é associar o conhecimento profissional à qualificação empresarial e de
marketing. Empresas como Apple, eBay e Twitter foram construídas com base nesse
fundamento: um sócio com expertise técnica e um sócio com tino para negócios e
marketing.
Entre
advogados, essa é uma fórmula que pode funcionar bem, se cada sócio souber
valorizar o trabalho do outro. Do contrário, haverá ressentimentos, formados
por pensamentos negativos. O sócio encarregado de liderar o trabalho jurídico
pensa que pega no pesado até altas horas, enquanto seu sócio sai mais certo
para se divertir em uma recepção ou ir a um jantar. O sócio encarregado de
conquistar clientes, pensa que poderia muito bem operar o escritório sozinho e
contratar advogados assalariados para fazer o trabalho jurídico.
Se
o plano for associar um administrador e um profissional qualificado, é melhor
que ambos também possam atuar, de alguma forma, na área do outro. O
“profissional”, principalmente, deve ter um certo conhecimento dos “negócios”.
Se um dos sócios não puder participar das decisões de negócios, ele será
relegado à posição de sócio-operário (sem salário). E a sociedade não vai
funcionar.
A
sociedade de advogados também tem a vantagem de somar capitais e dividir custos
para montar e operar o escritório. Podem compartilhar o imóvel, mobiliário,
impressora, fax, linha telefônica, secretária e tudo o mais. Mas há problemas
quando, por exemplo, um sócio pensa que valeria a pena investir em alguns
softwares para facilitar e agilizar os trabalhos e outro sócio acha que essa é
uma despesa dispensável. O advogado, que já passa o dia tentando convencer
clientes, juízes e jurados, ainda tem de convencer seu próprio sócio o tempo
todo.
Um
ponto forte da sociedade é ter alguém para discutir, de forma produtiva, os
processos judiciais e a administração do escritório, quando as coisas ficam
mais complexas. Sabe-se que duas, três ou mais “cabeças pensantes” funcionam
bem melhor que uma sozinha, especialmente quando o sucesso de todos depende de
uma boa decisão.
No
caso de dois advogados que preferem dedicar todo ou quase todo seu tempo à
advocacia, deixando a administração e o marketing para um terceiro – ou para os
dois, quando tiverem tempo – uma ideia é encarregar um dos sócios do serviço
arroz com feijão (casos que geram algum dinheiro constantemente, para pagar as
contas e os próprios advogados) e encarregar o outro sócio de buscar minas de
ouro (isso é mais fácil nos EUA, porque casos de indenização por danos, por
exemplo, podem gerar de centenas de milhares a milhões de dólares).
Outra
fórmula é cada sócio (sejam dois, três ou quatro) trabalhar em uma área
diferente, de forma que cada um possa recomendar o outro a seus próprios
clientes (e a outros), quando surgir um problema jurídico que não é de sua área
de atuação.
Sociedades
ou parcerias não funcionam bem todo o tempo. Nos EUA, 62% de todas as
sociedades empresariais – não só de advogados – falham devido a conflitos entre
os sócios. A visão dos sócios é frequentemente um ponto de conflito, quando um
sócio vê a sociedade como um projeto de vida e o outro como uma solução
temporária, já que não há nada melhor em vista, no momento. Outro é
desvalorizar o trabalho do sócio.
Por
João Ozorio de Melo
Fonte
Consultor Jurídico