Os
condomínios tornam-se, cada vez mais, o local de moradia dos brasileiros. Os
mais ricos, em sofisticados condomínios horizontais ou em edifícios cercados
por áreas verdes e locais para a prática de esportes. A classe média segue em
trilha parecida, evidentemente com menos acesso às comodidades idealizadas
pelos estudiosos do bem estar. As classes de menor poder aquisitivo moram em
grandes conjuntos financiados pelos programas sociais, horizontais ou
verticais.
Nesta
realidade do século XXI, milhões de brasileiros dividem suas despesas comuns em
conglomerados urbanos que vão desde um pequeno edifício de três andares, sem
garagem, construído na metade do século passado, até verdadeiras cidades,
cercadas por altos muros, com ruas, comércio, escolas e clubes.
Para
regular as relações entre estes moradores, que podem ser meia dúzia ou mais de
dez mil pessoas, editou-se a Lei 4.591, em 1964, alterada pelo Código Civil de
2002, artigos 1.331 a 1.358.
No
artigo 1.336, inciso I, está disposto que é obrigação do condômino “contribuir
para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo
disposição em contrário na convenção”. Sucede que nem todos os condôminos estão
dispostos a pagar a sua parte e isto faz com que todos os outros tenham que aumentar
sua cota.
Assim,
o número de inadimplentes vem crescendo seguidamente, ficando por conta dos
bons pagadores pagar a sua parte e a do devedor, incluindo no pacote a energia
e água das áreas comuns, manutenção de elevadores, funcionários, manutenção dos
jardins, material de limpeza, eventualmente o pagamento do sindico e de
administrador e despesas extraordinárias, como lâmpadas queimadas, pintura e
outras. Não é pouca coisa.
Os
que não pagam podem ser divididos em duas categorias: a) os que enfrentam,
ocasionalmente, dificuldades financeiras; b) os que não gostam de quitar
dívidas em geral.
Os
primeiros são aqueles a quem o destino reservou más surpresas. Doença pessoal
ou na família, perda do emprego, insucesso profissional, separação judicial com
despesas extraordinárias, enfim, alguma armadilha da vida a que nós todos
estamos sujeitos. Estes devedores não são um problema. Fazem acordos, parcelam
o débito, quitam aos poucos as dívidas condominiais.
O
problema está nos que ocupam a segunda categoria, ou seja, os que não pagam
porque preferem gastar seu dinheiro de outra forma, porque não concordam com
algo decidido pela maioria em assembleia ou porque, simplesmente, não têm
qualquer preocupação de ordem ética.
Estes
acabam se beneficiando de um sistema de Justiça frágil e ineficiente. Valem-se
das inúmeras possibilidades que a Constituição e as leis lhes oferecem para
prolongar por cinco, dez ou 15 anos, o pagamento de suas dívidas. Além disto,
geralmente são os que deixam o lixo fora do lugar, fazem barulho em horário
proibido, sublocam, exibem belos carros na garagem ─ evidentemente em nome de
terceiros ─ e deixam o carrinho de compras no elevador.
Exagero?
Não, conforme se verá.
A
primeira vantagem do devedor está na multa pelo atraso, que o artigo 1.336,
parágrafo 1º do Código Civil fixa em 2%. A sanção é baixa e em desacordo com o
tradicional percentual de 10% colocado nos contratos em geral.
A
segunda vantagem é o tempo. O condômino em atraso sempre é convidado a quitar a
dívida, dificilmente será acionado de imediato. Com isto, ganha alguns meses.
Uma vez decidida a propositura da ação, que para o Condomínio nunca é uma boa
opção, pois tem que arcar com custas e antecipação de parcela dos honorários
advocatícios, o juiz marcará uma audiência de conciliação, nos termos do 334 do
CPC. Dependendo da pauta da Vara, podem passar três, quatro ou mais meses.
Não
havendo acordo, segue a ação em meio a milhares de outras, com todas as
dificuldades das Varas do Brasil, onde o volume de processos supera sempre o
razoável. Contestando a ação, seja qual for o motivo, ganhará o devedor um bom
tempo que, com um mínimo de habilidade de seu advogado, poderá chegar a três ou
mais anos.
Mas,
se este período parecer-lhe pouco, basta ir além da simples contestação e
pedido de provas. Pode apresentar uma reconvenção, cobrando uma dívida mesmo
que sem qualquer direito ou requerendo perícia no cálculo das despesas
condominiais. E se quiser mais tempo ainda, pode propor uma ação anulatória da
assembleia do Condomínio, que tramitará apensa à ação de cobrança, o que lhe
assegurará pelo menos mais uns três anos.
Enfim
chega a sentença e o síndico dá a boa notícia aos condôminos mais impacientes.
Porém, isto não significa muita coisa. Apresentam-se dois ou três embargos de
declaração e ganha-se no mínimo mais 6
meses. Vem a apelação. Dependendo do tribunal de Justiça, ela será julgada em
tempo adequado, nove meses, por exemplo. Novamente o síndico avisa e os
condôminos respiram aliviados. Pura ingenuidade.
O
acórdão recebe mais embargos de declaração e aí vêm os recursos aos tribunais
superiores, especial para o Superior Tribunal de Justiça, extraordinário para o
Supremo Tribunal Federal. É verdade que o credor pode pedir a execução
provisória do julgado. Mas isto depende de caução (CPC, artigo 520, inciso IV)
e, consequentemente, não se revela vantajoso ao condomínio.
Se
os recursos forem recebidos, o devedor tem garantidos mais alguns anos. E se
não forem, tem também, pois poderá interpor agravo de instrumento aos tribunais
da República e, se indeferidos, embargos de declaração, agravo regimental e o
que mais for ou não for permitido. Mais um bom tempo a seu favor.
Mas
um dia o acórdão do TJ transita em julgado. E o síndico, sem o entusiasmo de
outrora, avisa àqueles que insistem em cumprir mensalmente suas obrigações.
Todos sonham com uma enorme quantia entrando no fundo de reserva, que permita
fazer as muitas reformas que vêm sendo adiadas por falta de caixa. Leda ilusão.
Iniciada
a execução, ela é embargada, pouco importa o motivo. Vencido, interpõe apelação
contra a sentença e recursos, novamente, aos tribunais superiores.
Mas,
um dia chega o início da execução. E aí preciso atualizar a dívida, medida que
gera impugnações aos cálculos. Depois, avaliar o imóvel. Lá se vão mais meses.
E o condomínio deve adiantar os salários do avaliador, que geralmente não é o
Oficial de Justiça (CPC, artigo 870, parágrafo único), mas sim um particular. O
devedor pode impugnar a avaliação. Se passar prazo razoável, não se aceita a
simples correção monetária do valor fixado, faz-se outra avaliação. Mais
gastos, mais tempo.
Chega
o dia do leilão. Dificilmente terá interessados, pois estes preferem aguardar o
segundo leilão, quando poderão dar lance que importe em 50% do valor da
avaliação. Pode ser que, ainda assim, ninguém se interesse, porque o imóvel
pode estar danificado e exigindo elevados gastos para a reparação. Se isto
ocorrer, o devedor tem assegurado mais uma boa temporada no imóvel, sem
despesas.
E
em meio a toda esta ineficiência, a jurisprudência cria estímulo aos que
descumprem suas obrigações. Bonificação para os que pagam em dia não é
permitida, porque se entende que seria uma multa disfarçada (TJ-DF, APC
20130111325707, j. 26 de agosto de 2015). Os juros da mora não podem
ultrapassar 1% ao mês (Enunciado 20 do encontro de notáveis promovido pelo
CJF). Mandar o nome do inadimplente para o SPC não pode. Impedir o uso de áreas
comuns, inclusive academia de ginástica e piscina, também não pode, pois seria
ofensa ao direito de propriedade e pode sujeitar o Condomínio a ter que pagar
danos morais (TJPR, 1ª. Turma Recursal RI 000194920201381601840 PR
0001949-20.2013.8.16.0184, j. 9/9/2015). Mesmo que inadimplente, o condômino
pode participar do sorteio de vagas na garage, caso não haja previsão na
convenção (RJTJSP 282/44).
Na
verdade, quem não paga acaba por ter direito igual aos dos que pagam, exceto o
de votar nas reuniões de condomínio (Código Civil, artigo 1.335, III).
Ingenuamente, afirma-se que para o inadimplente já existem sanções pecuniárias.
Ora, quem deve mensalidade de condomínio não teme ter que pagar 2% de multa,
juros de 1% ao mês ou multa de qualquer espécie, sanções que em nada mudarão
sua vida caso discuta a cobrança em juízo.
Disto
se conclui que o atual sistema estimula a má conduta e desestimula os bons
pagadores. O princípio da dignidade humana deve aqui ser lembrado, só que a
favor daqueles que cumprem seus deveres, mesmo que, muitas vezes, com
sacrifício.
Por
Vladimir Passos de Freitas
Fonte
Consultor Jurídico