A
aquisição do primeiro imóvel não é só a realização de um sonho da maioria dos
brasileiros mas, principalmente, o investimento de todas as economias até então
reunidas ao longo da vida. Na maioria das vezes, também é necessário
complementar o pagamento com outros recursos como, por exemplo, o financiamento
bancário.
Assim,
a decisão de compra de um imóvel deve ser precedida de cautela, especialmente
no que diz respeito à documentação a ser apresentada pelo vendedor e, sempre
que possível analisada por um advogado experiente e de confiança, ainda que a
negociação esteja sendo intermediada por um corretor de imóveis.
De
uma forma geral, a documentação a ser verificada diz respeito ao vendedor e ao
imóvel que está sendo adquirido, podendo ainda ser estendida para outras partes
conforme o caso (condomínio etc.).
O
primeiro passo é saber se quem está vendendo é realmente o proprietário atual
do imóvel, situação que é verificada através da análise da matrícula do imóvel
expedida pelo Serviço de Registro de Imóveis.
A
matrícula é um documento de identificação do imóvel onde consta sua descrição
completa e a sequência de todos os negócios e informações que tenham
pertinência com sua situação jurídica, funcionando como uma verdadeira
“biografia” na qual constam todos os atos e ocorrências pertinentes ao mesmo
(registros e averbações).
Portanto,
a apresentação da matrícula atualizada do imóvel é indispensável e de sua
análise podem ser verificados detalhes de suma importância, dentre os quais:
a)
se a pessoa que se apresenta como vendedor é, de fato, o proprietário do
imóvel;
b)
se o imóvel já foi prometido à venda para outra;
c)
se o imóvel é de uma única pessoa ou se existem outros proprietários que têm
preferência na aquisição do mesmo;
d)
o estado civil do vendedor e, se casado, se é necessária a assinatura do
cônjuge (conforme o regime de bens adotado);
e)
se o bem está gravado com cláusula de inalienabilidade, usufruto, hipoteca,
alienação fiduciária ou alguma outra restrição;
f)
se em algum momento houve venda de ascendente para descendente, pois neste caso
é indispensável ter havido a anuência dos outros filhos e do cônjuge do
vendedor.
Também
devem ser providenciadas as certidões relativas a tributos municipais, dado que
tais tributos estão diretamente ligados ao imóvel e a responsabilidade pelos
mesmos é transferida para o novo proprietário. Desta forma, se uma pessoa
adquire um imóvel com tributos em atraso, terá o dever de pagá-los, ainda que
os fatos geradores refiram-se a períodos anteriores à aquisição.
O
mesmo ocorre com as despesas de condomínio e eventuais condenações em ações
judiciais promovidas contra o mesmo.
Normalmente,
os adquirentes se preocupam apenas em saber se as despesas condominiais da
unidade estão em dia. Entretanto, é importante considerar a situação do
condomínio com relação aos aspectos trabalhistas e previdenciários, pois a
Justiça tem entendido que as unidades autônomas podem ser penhoradas em razão
de dívidas do condomínio.
Identificado
o legítimo proprietário e vendedor do imóvel, a primeira providência é analisar
a capacidade jurídica do vendedor para identificar se este está apto para a
prática do ato sob o ponto de vista jurídico ou se é necessária a apresentação
de autorização judicial (venda de imóvel de propriedade de menor, interditos
etc.).
Ainda
com relação ao vendedor, recomenda-se a análise das certidões de ações
judiciais distribuídas em nome do mesmo, tanto da comarca de domicílio deste,
como na comarca onde se localiza o imóvel que está sendo adquirido.
A
ideia é afastar ou minimizar riscos de questionamentos por parte de terceiros
na condição de credores do vendedor, para desconstituir a venda e penhorar o
imóvel numa eventual comprovação de fraude.
Observe-se
que, o fato do vendedor figurar como réu ou executado num determinado processo
judicial, por si só não significa que se este vender algum imóvel estará agindo
com o intuito de fraudar credores. Muitas vezes a venda do imóvel é justamente
para possibilitar o pagamento de dívidas. Neste ponto, é necessário avaliar se
a dívida objeto do processo judicial contra o vendedor é de valor capaz de
causar sua insolvência, ou se este tem outros bens suficientes para arcar com
eventual insucesso nas ações judiciais.
Tais
cautelas, apesar de causarem uma verdadeira tormenta na vida do comprador dado
o grande volume de certidões a serem obtidas e analisadas, acabam por
demonstrar sua boa-fé enquanto adquirente o que permite a manutenção da venda,
afastando a penhora sobre o imóvel.
Mais
recentemente, em 20/01/2015, visando facilitar o processo de aquisição de
imóveis e conferir ao mesmo maior segurança jurídica, foi editada a Lei nº
13.097/15, que determina que todos os ônus e restrições incidentes sobre o
imóvel devem estar na matrícula do mesmo.
Trata-se
do princípio da concentração, segundo o qual tudo o que não estiver na
matrícula não poderá ser oposto ao adquirente do imóvel. Assim, tudo o que
puder de alguma forma atingir o imóvel terá que constar na matrícula do mesmo,
seja por registro ou por averbação, para ter valor jurídico capaz de provocar a
ineficácia da transmissão ou oneração do imóvel.
Diante
disto, além dos atos translativos de propriedade, da instituição de direitos
reais, na matrícula devem constar também os eventuais atos judiciais, ou seja,
aqueles que de alguma forma restringem a propriedade, as penhoras, arrestos,
sequestros, embargos, declarações de indisponibilidade, ações pessoais
reipersecutórias e as ações reais, os decretos de utilidade pública, as
imissões nas expropriações, os decretos de quebra, os tombamentos, comodatos,
as servidões administrativas, os protestos contra a alienação de bens, os
arrendamentos etc.
A
providência para registro das ações de execução e outras medidas judiciais que
possam afetar o imóvel deve ser efetivada pelo credor ou interessado por
solicitação junto ao juízo no qual se processa a demanda. Caso isso não ocorra
e não conste restrição na matrícula, o eventual processo existente não poderá
atingir o novo adquirente.
Importante
frisar que, para que esta nova realidade seja aplicada, a Lei estabelece um
período de transição de dois anos a partir de sua vigência. Assim, recomenda-se
que a verificação das certidões de distribuições de ações judiciais em nome do
vendedor continue sendo feita.
Mesmo
com essa evolução legislativa, que muito agrega na dinâmica do processo de
aquisição de imóveis, ainda não se esgota totalmente a hipótese do comprador
ter algum aborrecimento relacionado ao negócio senão adotar cautelas preventivas
antes da compra e pagamento definitivo do preço.
Entretanto,
adotadas tais cautelas o comprador já consegue demonstrar sua boa-fé, de forma
inequívoca se, eventualmente, no futuro o imóvel adquirido sofrer alguma
constrição relacionada a dívidas dos anteriores proprietários.
Por
Luís Paulo Serpa
Fonte
Condomíniodofuturo.com