Só
faz jus ao benefício da Justiça gratuita aquele que não pode arcar com o
pagamento das custas sem o prejuízo próprio ou da família. Seguindo esse
entendimento, a juíza Adriana Bertier Benedito, da 36ª Vara Cível de São Paulo,
revogou o benefício concedido ao empresário Luiz Eduardo Auricchio Bottura —
figura conhecida no Judiciário pelo gosto por litígios, sendo parte em mais de
3 mil ações em diferentes estados.
Além
de revogar o benefício, a juíza condenou o empresário "a recolher o
décuplo das custas e demais despesas processuais que deveria suportar desde o
ajuizamento da ação". Bottura afirmou que vai recorrer da sentença.
De
acordo com a juíza, manter o benefício no caso do empresário seria desvirtuar o
propósito da lei. "Não se pode admitir que uma pessoa nessas condições
pretenda permanecer, confortavelmente, com seu patrimônio intacto, litigando às
custas daqueles que cumprem suas obrigações fiscais com correção", afirmou
na sentença.
Ao
se intitular sem condições financeiras para o recolhimento das custas
processuais, Bottura alegou que há processos trabalhistas contra ele e que é
isento de declarar imposto de renda, além de sequer possuir qualquer conta
bancária.
Para
a juíza, no entanto, os fatos apresentados não correspondem com os argumentos
apresentados por Bottura. Ela inicia sua decisão explicando que o Imposto de
Renda é ato unilateral e por isso sua presunção de veracidade não é absoluta.
E, depois de analisar o histórico do empresário como o local onde mora e seus
gastos, inclusive com estudos no exterior, ela afirma que Bottura não declara a
realidade. "Em que pese possa não possuir nada em seu nome na atualidade,
ou pelo menos assim declara, certo é que mantém um estilo de vida incompatível
com seus informes; outrossim, do que vive não se sabe", diz na sentença.
E
complementa: "Constato, ainda, que uma pessoa que mantinha gastos mensais
nos patamares informados [R$ 100 mil a R$ 200 mil], tinha, com certeza, ganhos
ainda maiores, os quais não desaparecem de um minuto para outro; porém, a parte
não demonstrou a destinação destes valores".
A
juíza questiona ainda o argumento da falta de condições financeiras de Bottura
ao analisar a quantidade de demandas que ele ingressa na Justiça, todas com
advogado constituído. Para ela, isto "demonstra claramente possuir
condições de pagar as custas processuais".
Na
sentença, Adriana Bertier Benedito lembra ainda que é preciso ter
responsabilidade ao pedir e ao deferir o benefício de uma lei para evitar que
ele seja banalizado. "Deve-se lembrar que, quando se concedem os
benefícios da gratuidade, alguém paga a conta. Serviços judiciários, fato
gerador da obrigação de recolher custas, não são graciosos", afirma.
Ela
lembra ainda que a ausência de recolhimento de custas decorrência de concessões
irrefletidas de pedidos de gratuidade priva o Poder Judiciário de sua receita
e, por consequência, sucateia os serviços.
Conta milionária
Apesar
de negar possuir dinheiro para pagar as custas processuais, em um Habeas Corpus
impetrado em São Paulo, buscando o trancamento de uma Ação Penal contra ele,
Bottura afirma que "coleciona mais de R$ 130 milhões em indenizações"
ao longo de sete anos de ações contra a família de sua ex-mulher e seus
assessores de imprensa. Apesar disso, ele segue pedindo — e, muitas vezes,
conseguindo — gratuidade de Justiça nas ações que promove.
Ao
comentar a sentença que revogou o benefício, o empresário Eduardo Bottura
afirmou que vai recorrer. Questionado sobre os argumentos contestados pela
juíza e sobre o fato de já ter assumido que ganhou mais de R$ 130 milhões em
indenizações, o empresário reafirmou que faz jus ao benefício.
"Enquanto
existirem execuções trabalhistas contra a minha pessoa, como comprovado pela
certidão do Tribunal Superior do Trabalho, é evidente que estou em situação
financeira de autorização de concessão de benefício fiscal, sendo irrelevante
minha renda no passado ou expectativa de recebíveis futuros", afirmou.
Por
divulgar algumas das centenas de condenações que Bottura sofre, a revista
eletrônica Consultor Jurídico já virou um dos alvos do empresário. Assim, viu
na prática as técnicas adotadas por ele, como usar longas petições iniciais e
apontar endereços falsos dos acusados. No caso da ConJur, cujo endereço consta
em diversos espaços no site (Rua Wisard, 23, Vila Madalena, São Paulo – SP),
Bottura já disse à Justiça que um jornalista do site seria encontrado em
Araçatuba (a 527 km da capital paulista).
Na
última decisão favorável à ConJur, a Justiça de São Paulo concluiu,
ironicamente, que o empresário tem, sozinho, ajudado a Justiça criminal
paulista a construir uma jurisprudência. Suas seguidas derrotas nos processos
que ajuíza contra desafetos e quem mais ouse noticiar seus lances já são citadas
em bloco no Tribunal de Justiça do estado. Ao proferir seu voto no caso, o
desembargador Augusto de Siqueira listou uma série de acórdãos proferidos pelo
TJ-SP em casos similares.
Rei do golpe
Em
outra sentença recente da Justiça paulista foi negado o pedido de indenização
feito por Bottura contra o jornal Correio do Estado, que circula em Mato Grosso
do Sul. A notícia chamava o empresário de "Rei do Golpe" e narrava a
história de Bottura, que já chegou a ser preso, e os mais de 900 processos que
há contra ele. Segundo Bottura, a publicação teria lhe ofendido a honra.
No
entanto, para a juíza Celina Dietrich Trigueiros Teixeira Pinto, da 15ª Vara
Civel de São Paulo, não há ofensa na notícia pois trata-se de fatos
verdadeiros. "A despeito de certo tom sensacionalista imprimido à matéria,
não chegou a haver ato antijurídico praticado contra a honra do autor, nem
abuso do direito de expressão, porque o conteúdo da notícia consiste em
narrativa de fatos verdadeiros obtidos a partir de informação concedida por
autoridade policial. De fato o autor fora preso e havia vários inquéritos
aberto contra ele, além de ações penais e inúmeras outras ações judiciais em
que figurava no polo ativo", registrou a juíza na sentença.
Para
ela, houve uma exagero de linguagem por parte do jornal ao chamar Bottura de
"rei do golpe", no entanto, segundo a juíza, "muitas vezes o
exagero é próprio da linguagem jornalística e não se destina a ofender ou
difamar, constituindo apenas técnica de redação que, embora não se louve, se
não ultrapassa o limite do razoável, não é passível de gerar o dever de
indenizar".
Nesta
ação Bottura foi condenado a pagar as custas e os honorários advocatícios de
15% do valor da causa (definida em R$ 1 milhão). Porém, a execução desta parte
da sentença foi suspensa pelo fato de Bottura ter conseguido nesta ação o
benefício da Justiça gratuita.
Durante
o trâmite da ação, o jornal Correio do Estado chegou a pedir a revogação da
gratuidade. Entretanto, a juíza Celina Dietrich entendeu que "não é
requisito para a concessão do benefício que o requerente se encontre na mais
completa miserabilidade". De acordo com ela, Bottura "comprovou ter
ajuizado pedido de insolvência civil, demonstrando assim sua situação de
necessitado".
Para
ler as sentenças: http://s.conjur.com.br/dl/bottura-justica-gratuita-revogada.pdf
e http://s.conjur.com.br/dl/sentenca-bottura-rei-golpe.pdf
0005961-25.2014.8.26.0100
e 0130429-66.2011.8.26.0100
Fonte
Consultor Jurídico