terça-feira, 29 de março de 2016

PROPÓSITO DA LEI - JUÍZA REVOGA JUSTIÇA GRATUITA E CONDENA AUTOR A PAGAR 10 VEZES O VALOR DAS CUSTAS


Só faz jus ao benefício da Justiça gratuita aquele que não pode arcar com o pagamento das custas sem o prejuízo próprio ou da família. Seguindo esse entendimento, a juíza Adriana Bertier Benedito, da 36ª Vara Cível de São Paulo, revogou o benefício concedido ao empresário Luiz Eduardo Auricchio Bottura — figura conhecida no Judiciário pelo gosto por litígios, sendo parte em mais de 3 mil ações em diferentes estados.
Além de revogar o benefício, a juíza condenou o empresário "a recolher o décuplo das custas e demais despesas processuais que deveria suportar desde o ajuizamento da ação". Bottura afirmou que vai recorrer da sentença.
De acordo com a juíza, manter o benefício no caso do empresário seria desvirtuar o propósito da lei. "Não se pode admitir que uma pessoa nessas condições pretenda permanecer, confortavelmente, com seu patrimônio intacto, litigando às custas daqueles que cumprem suas obrigações fiscais com correção", afirmou na sentença.
Ao se intitular sem condições financeiras para o recolhimento das custas processuais, Bottura alegou que há processos trabalhistas contra ele e que é isento de declarar imposto de renda, além de sequer possuir qualquer conta bancária.
Para a juíza, no entanto, os fatos apresentados não correspondem com os argumentos apresentados por Bottura. Ela inicia sua decisão explicando que o Imposto de Renda é ato unilateral e por isso sua presunção de veracidade não é absoluta. E, depois de analisar o histórico do empresário como o local onde mora e seus gastos, inclusive com estudos no exterior, ela afirma que Bottura não declara a realidade. "Em que pese possa não possuir nada em seu nome na atualidade, ou pelo menos assim declara, certo é que mantém um estilo de vida incompatível com seus informes; outrossim, do que vive não se sabe", diz na sentença.
E complementa: "Constato, ainda, que uma pessoa que mantinha gastos mensais nos patamares informados [R$ 100 mil a R$ 200 mil], tinha, com certeza, ganhos ainda maiores, os quais não desaparecem de um minuto para outro; porém, a parte não demonstrou a destinação destes valores".
A juíza questiona ainda o argumento da falta de condições financeiras de Bottura ao analisar a quantidade de demandas que ele ingressa na Justiça, todas com advogado constituído. Para ela, isto "demonstra claramente possuir condições de pagar as custas processuais".
Na sentença, Adriana Bertier Benedito lembra ainda que é preciso ter responsabilidade ao pedir e ao deferir o benefício de uma lei para evitar que ele seja banalizado. "Deve-se lembrar que, quando se concedem os benefícios da gratuidade, alguém paga a conta. Serviços judiciários, fato gerador da obrigação de recolher custas, não são graciosos", afirma. 
Ela lembra ainda que a ausência de recolhimento de custas decorrência de concessões irrefletidas de pedidos de gratuidade priva o Poder Judiciário de sua receita e, por consequência, sucateia os serviços.

Conta milionária
Apesar de negar possuir dinheiro para pagar as custas processuais, em um Habeas Corpus impetrado em São Paulo, buscando o trancamento de uma Ação Penal contra ele, Bottura afirma que "coleciona mais de R$ 130 milhões em indenizações" ao longo de sete anos de ações contra a família de sua ex-mulher e seus assessores de imprensa. Apesar disso, ele segue pedindo — e, muitas vezes, conseguindo — gratuidade de Justiça nas ações que promove.
Ao comentar a sentença que revogou o benefício, o empresário Eduardo Bottura afirmou que vai recorrer. Questionado sobre os argumentos contestados pela juíza e sobre o fato de já ter assumido que ganhou mais de R$ 130 milhões em indenizações, o empresário reafirmou que faz jus ao benefício.
"Enquanto existirem execuções trabalhistas contra a minha pessoa, como comprovado pela certidão do Tribunal Superior do Trabalho, é evidente que estou em situação financeira de autorização de concessão de benefício fiscal, sendo irrelevante minha renda no passado ou expectativa de recebíveis futuros", afirmou.
Por divulgar algumas das centenas de condenações que Bottura sofre, a revista eletrônica Consultor Jurídico já virou um dos alvos do empresário. Assim, viu na prática as técnicas adotadas por ele, como usar longas petições iniciais e apontar endereços falsos dos acusados. No caso da ConJur, cujo endereço consta em diversos espaços no site (Rua Wisard, 23, Vila Madalena, São Paulo – SP), Bottura já disse à Justiça que um jornalista do site seria encontrado em Araçatuba (a 527 km da capital paulista).
Na última decisão favorável à ConJur, a Justiça de São Paulo concluiu, ironicamente, que o empresário tem, sozinho, ajudado a Justiça criminal paulista a construir uma jurisprudência. Suas seguidas derrotas nos processos que ajuíza contra desafetos e quem mais ouse noticiar seus lances já são citadas em bloco no Tribunal de Justiça do estado. Ao proferir seu voto no caso, o desembargador Augusto de Siqueira listou uma série de acórdãos proferidos pelo TJ-SP em casos similares.

Rei do golpe
Em outra sentença recente da Justiça paulista foi negado o pedido de indenização feito por Bottura contra o jornal Correio do Estado, que circula em Mato Grosso do Sul. A notícia chamava o empresário de "Rei do Golpe" e narrava a história de Bottura, que já chegou a ser preso, e os mais de 900 processos que há contra ele. Segundo Bottura, a publicação teria lhe ofendido a honra.
No entanto, para a juíza Celina Dietrich Trigueiros Teixeira Pinto, da 15ª Vara Civel de São Paulo, não há ofensa na notícia pois trata-se de fatos verdadeiros. "A despeito de certo tom sensacionalista imprimido à matéria, não chegou a haver ato antijurídico praticado contra a honra do autor, nem abuso do direito de expressão, porque o conteúdo da notícia consiste em narrativa de fatos verdadeiros obtidos a partir de informação concedida por autoridade policial. De fato o autor fora preso e havia vários inquéritos aberto contra ele, além de ações penais e inúmeras outras ações judiciais em que figurava no polo ativo", registrou a juíza na sentença.
Para ela, houve uma exagero de linguagem por parte do jornal ao chamar Bottura de "rei do golpe", no entanto, segundo a juíza, "muitas vezes o exagero é próprio da linguagem jornalística e não se destina a ofender ou difamar, constituindo apenas técnica de redação que, embora não se louve, se não ultrapassa o limite do razoável, não é passível de gerar o dever de indenizar".
Nesta ação Bottura foi condenado a pagar as custas e os honorários advocatícios de 15% do valor da causa (definida em R$ 1 milhão). Porém, a execução desta parte da sentença foi suspensa pelo fato de Bottura ter conseguido nesta ação o benefício da Justiça gratuita.
Durante o trâmite da ação, o jornal Correio do Estado chegou a pedir a revogação da gratuidade. Entretanto, a juíza Celina Dietrich entendeu que "não é requisito para a concessão do benefício que o requerente se encontre na mais completa miserabilidade". De acordo com ela, Bottura "comprovou ter ajuizado pedido de insolvência civil, demonstrando assim sua situação de necessitado".
0005961-25.2014.8.26.0100 e 0130429-66.2011.8.26.0100

Fonte Consultor Jurídico