Ao reconhecer com clareza a competência da autoridade
estrangeira em cláusulas de eleição de foro, o direito brasileiro dá um passo
em direção à segurança jurídica
Em
contratos internacionais, a escolha do direito aplicável e do foro competente
para solução de litígios são temas sensíveis aos contratantes. Não é incomum
que partes de diferentes nacionalidades travem debates intensos para definição
do regramento jurídico de tais contratos, e mais frequentes ainda são extensas
cláusulas compromissórias, definindo parâmetros para a instituição e a condução
escorreita de arbitragem, na eventualidade de surgir conflito em decorrência do
pacto.
No
entanto, em contratos envolvendo uma parte brasileira e outra estrangeira,
podem ser encontradas cláusulas que remetam a solução de eventual litígio a
autoridade jurisdicional estrangeira. Nessa hipótese, sob a égide do CPC de
1973 e da jurisprudência consolidada dos principais tribunais brasileiros, a
cláusula de eleição de foro estrangeiro poderia se submeter a uma série de
restrições, o que prorrogava a solução do litígio pela mera indefinição da
autoridade judiciária competente para julgá-lo.
O
CPC/73 preleciona, em seu art. 88, que é competente a autoridade judiciária
brasileira quando:
(i) o réu estiver domiciliado no Brasil
(ainda que seja estrangeiro);
(ii) a obrigação a que versa o litígio
tiver de ser cumprida no Brasil; e
(iii) a ação se originar de fato ocorrido
ou praticado no Brasil.
Interpretando
o dispositivo, os tribunais brasileiros, especialmente o STJ, firmaram seu
entendimento no sentido de que a competência da autoridade judiciária
brasileira nos casos do art. 88 do CPC/73 seria concorrente com a da autoridade
estrangeira eleita no contrato, em contraponto com a competência exclusiva
disciplinada no art. 89 do CPC/731. E, em situações de competência concorrente,
a jurisdição da autoridade brasileira não poderia ser afastada sob pena de
ferir a soberania nacional (o primeiro dos fundamentos da República Federativa
do Brasil, consoante art. 1º, inc. I, da Carta Magna), posto que o Estado
brasileiro teria interesse no julgamento das causas ligadas ao ordenamento
jurídico nacional.
Colhem-se
como principais exemplos do posicionamento sobre o referido dispositivo legal
os acórdãos proferidos: (i) em 2/6/15 pela 4ª turma do STJ nos autos do Recurso
Ordinário nº 114/DF, de relatoria do min. Raul Araújo, e (ii) em 10/11/15 pela
5ª câmara Cível do TJ/RJ na Apelação 0039428-85.2013.8.19.0209, de relatoria do
des. Henrique Carlos de Andrade Figueira. É curioso observar que ambas as
decisões foram proferidas depois de promulgado o Código de Processo Civil de
2015 (CPC/15), que traz norma específica sobre a cláusula de eleição de foro
exclusivo alienígena, e modifica completamente o entendimento solidificado
pelos tribunais.
Embora
o CPC/15 praticamente reproduza no seu art. 21 o disposto no art. 88 do CPC/73,
(invocado como fundamento jurídico para manter a competência do juiz brasileiro
nos casos nele descritos), em seu art. 25, o novo código afasta a competência
da autoridade judiciária brasileira no caso de eleição de foro exclusivo
estrangeiro:
Art. 25. Não compete à
autoridade judiciária brasileira o processamento e o julgamento da ação quando
houver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato
internacional, arguida pelo réu na contestação.
A
mudança introduzida pelo CPC/15 prestigia a autonomia da vontade das partes,
tema caro em negociações internacionais. Ao reconhecer com clareza a
competência da autoridade estrangeira em cláusulas de eleição de foro, o
direito brasileiro dá um passo em direção à segurança jurídica. Espera-se que
as longas discussões sobre a competência para julgamento de determinada causa –
muito antes de se discutir seu mérito – sejam abreviadas, reduzidas, ou até
mesmo extirpadas.
Vale
ressaltar que a soberania nacional não foi mitigada com o art. 25 do CPC/15. A
competência do juiz ou tribunal estrangeiros não será válida nos casos de
competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira, definida no art. 23
do CPC/152. Além disso, depende da arguição de incompetência pelo réu em
contestação, garantida a formação dialética da decisão. Por fim, nos termos do
art. 63 do novo código, a cláusula de eleição de foro estrangeiro pode ser
considerada abusiva até mesmo de ofício – em relações de consumo, por exemplo
–, e só produz efeitos quando constar de instrumento escrito e aludir
expressamente a determinado negócio jurídico.
É
certo que a jurisprudência se forma com o tempo. Isso explica o posicionamento
tardio dos tribunais brasileiros sobre a cláusula de eleição de foro
alienígena, já superado pelo código novo, mas em consonância com os preceitos
do código antigo. Nada obstante, as disposições do CPC/15 serão aplicadas assim
que iniciada sua vigência, mesmo nos processos pendentes. Assim, a partir de 18
de março de 2016, os tribunais deverão analisar eventuais demandas sobre a
inaplicabilidade da cláusula de eleição de foro estrangeiro sob a luz do art.
25 do novo código, e adaptar suas decisões aos preceitos da nova lei, mormente
no que tange ao seu fundamento constitucional (a suposta violação à soberania
nacional).
1 O qual estabelece a competência exclusiva da
autoridade judiciária brasileira em ações relativas a imóveis situados no
Brasil, e no inventário e partilha de bens situados no Brasil.
2 O CPC/15 reproduz as hipóteses de competência
exclusiva do CPC/73, e acrescenta a competência da inderrogável da autoridade
brasileira à partilha de bens situados no Brasil em ações de divórcio,
separação judicial ou dissolução de união estável.
Fonte
Migalhas