Há
tempos, uma das funções fundamentais de advogados que lidam em um ambiente
empresarial é semelhante a de bombeiros: apagar incêndios. Já há algum tempo,
porém, os advogados vêm progressivamente acumulando essa função com a de
prevenção de incêndios. Muitos clientes corporativos já entendem o valor dessa
atividade. No entanto, para exercê-la com competência, os advogados precisam
entender o funcionamento e a cultura do mundo dos negócios — tanto quanto ou
talvez mais do que entendem o mundo jurídico.
Essa
é uma nova tendência do mercado em alguns países, que pode se propagar pelo
mundo. Nesses países, o processo de entrevista para contratação de novos
advogados — e também de estudantes de Direito para estágios — está mudando. Os
entrevistadores estão mais preocupados, agora, em apurar o nível de
conhecimento do candidato sobre negócios do que sobre sua formação jurídica.
Por
que isso é importante? Por que os clientes corporativos esperam que seus
advogados não cuidem apenas de problemas jurídicos, mas que os ajudem a cumprir
seus objetivos empresariais, como desenvolver seus planos de negócios, crescer,
obter lucros consideráveis, satisfazer as expectativas dos acionistas etc., sem
que isso se transforme em uma corrida de obstáculos jurídicos.
Quantas
áreas do Direito cruzam o caminho dos negócios em algum momento? Na lista de
áreas do Direito da ConJur, pode-se destacar Administrativo (para lidar com a
administração pública), Ambiental, Comercial, Consumidor, Empresarial,
Financeiro, Internacional, Previdência, Propriedade Intelectual,
Responsabilidade Civil, Tecnologia, Trabalhista e Tributário.
Essas
são áreas gerais. Porém, como se sabe, existem áreas mais específicas, como
energia, petróleo e gás, mineração, navegação, aviação, patentes etc. Cada uma
delas tem o seu próprio mundo empresarial, seus próprios objetivos, que o
advogado deve conhecer, e seus intercâmbios específicos com o mundo jurídico.
Existem
áreas que parecem não estar ligadas diretamente à atividade empresarial.
Família, por exemplo. No entanto, se o cliente for um empresário, no caso de um
divórcio, há muita coisa que se saber sobre sua vida empresarial e sua empresa.
Imprensa? Empresários têm de lidar com ela constantemente, sem cometer
deslizes.
Criminal?
Um advogado tem de conhecer, no mínimo, a cultura de negócios de seu país.
Saber que seu cliente, se for por exemplo uma construtora, terá enormes
dificuldades de obter um contrato se não pagar propinas a administradores de
empresas públicas ou políticos. Saber como prevenir imputações criminais, nesse
caso, é outra história.
Nos
EUA e em alguns países da Europa, as bancas se referem a esses conhecimentos
como commercial awareness, que poderia ser traduzido, livremente, como
“percepção do mundo empresarial”. Envolve conhecimentos básicos de economia, de
mercado (local, nacional e internacional) e conhecimentos comerciais
específicos do ambiente empresarial em que os clientes da banca atuam.
Com
essa “percepção”, o advogado pode colocar em perspectiva, para o cliente, como
sua assessoria jurídica pode afetar o funcionamento da empresa e sua tentativa
de cumprir seus objetivos empresariais — lucro, crescimento, satisfação dos
clientes e dos acionistas etc.
“Hoje,
fazemos poucas perguntas técnicas. Estamos mais interessados em perguntar o que
são os Brics, o que significa mercado emergente, por que as empresas estão
interessadas em vender seus produtos na Índia e na China, quais foram as
principais consequências da crise financeira de 2008 e o que a causou, por que
‘austeridade’ é a palavra da vez em administração e outros tópicos cobertos
pela mídia regularmente”, disse o sócio da Freshfields Bruckhaus Deringer,
Adrew Austin, encarregado da contratação de advogados, aos sites All About Law
e Law Careers.Net.
Essa
percepção do mundo empresarial, somada à percepção do mundo empresarial da
banca e do mundo jurídico a sua volta, não significa que o advogado tem de ser
um guru econômico. Significa que tem de ser “atualizado”, tanto quanto está
atualizado em futebol, sem ser técnico, ou nas fotos das ex-BBBs, sem ser
fotógrafo ou jornalista de entretenimento.
Essa
“atualização” (que, em termos populares se traduz como “estar por dentro”) não
é uma coisa que se adquire às vésperas de uma entrevista de emprego. É
resultante, como sempre, do hábito da leitura das seções de “Economia”,
“Negócios”, “Mundo” e similares dos jornais e websites. E, principalmente, de publicações
especializadas em economia e negócios.
Entre
as publicações internacionais, os recrutadores recomendam ler o Financial
Times, o The Economist, o The Wall Street Journal e seus respectivos twitters,
entre outras. Publicações desse quilate trazem informações preciosas para
advogados que querem atuar no mercado internacional.
Recomendam
ainda a leitura de livros especializados, assistir a vídeos e noticiários na TV
relevantes para esse fim e fazer o download de podcasts empresariais.
Porém,
há uma recomendação realmente relevante para advogados recém-formados em busca
de emprego ou de estudantes em busca de estágio. Sempre há que se escrever um
currículo e, para um bacharel em Direito, por exemplo, não há muito o que
citar.
No
entanto, em vista dessa abordagem que os recrutadores estão dando à formação
dos novos advogados, um currículo pode ser consideravelmente enriquecido com
listas de seminários, congressos, palestras, workshops e outros eventos
empresariais que participaram. Essa lista mostra o interesse e a disposição do
candidato em saber o que é realmente importante para o cargo que pretende
ocupar na banca.
Estágios
em entidades empresariais ou profissionais, bem como em corporações com
atividades em áreas de seu interesse, também trabalham a favor da qualificação
do candidato.
Além
da “percepção do mundo empresarial” ou do esforço para obtê-la, o candidato
também pode ganhar pontos se demonstrar que: 1) trabalha bem em equipe; 2) tem
iniciativa; 3) sabe administrar seu tempo; 3) sabe desenvolver relacionamentos
com clientes — o que, afinal, será uma qualificação preciosa para a banca.
Por
João Ozorio de Melo
Fonte
Consultor Jurídico