Por
muitos anos, uma dúvida pairou sobre o Judiciário e retardou o acesso de
vítimas à reparação por danos morais: é possível quantificar financeiramente
uma dor emocional ou um aborrecimento? A Constituição de 1988 bateu o martelo e
garantiu o direito à indenização por dano moral. Desde então, magistrados de
todo o país somam, dividem e multiplicam para chegar a um padrão no
arbitramento das indenizações. O Superior Tribunal de Justiça tem a palavra
final para esses casos e, ainda que não haja uniformidade entre os órgãos
julgadores, está em busca de parâmetros para readequar as indenizações. Algumas
decisões já mostram qual o valor de referência a ser tomado em casos
específicos.
Segundo o texto, o valor do dano moral
tem sido enfrentado no STJ sob a ótica de atender uma dupla função: reparar o
dano para minimizar a dor da vítima e punir o ofensor, para que o fato não se
repita. Como é vedado ao Tribunal reapreciar fatos e provas e interpretar
cláusulas contratuais, o STJ apenas altera os valores de indenizações fixados
nas instâncias locais quando se trata de quantia tanto irrisória quanto
exagerada.
A
dificuldade em estabelecer com exatidão a equivalência entre o dano e o
ressarcimento se reflete na quantidade de processos que chegam ao STJ para
debater o tema. Em 2008, foram 11.369 processos que, de alguma forma, debatiam
dano moral. O número é crescente desde a década de 1990 e, nos últimos dez
anos, somou 67 mil processos só no Tribunal Superior.
O
ministro Luis Felipe Salomão, integrante da 4ª Turma e da 2ª Seção do STJ, é
defensor de uma reforma legal em relação ao sistema recursal, para que, nas
causas em que a condenação não ultrapasse 40 salários mínimos — por analogia, a
alçada dos Juizados Especiais —, o recurso ao STJ seja barrado. “A lei
processual deveria vedar expressamente os recursos ao STJ. Permiti-los é uma
distorção em desprestígio aos tribunais locais”, critica o ministro.
Subjetividade
Quando analisa o pedido de dano moral, o juiz tem liberdade para apreciar,
valorar e arbitrar a indenização dentro dos parâmetros pretendidos pelas
partes. De acordo com o ministro Salomão, não há um critério legal, objetivo e
tarifado para a fixação do dano moral. “Depende muito do caso concreto e da
sensibilidade do julgador”, explica. “A indenização não pode ser ínfima, de
modo a servir de humilhação à vítima, nem exorbitante, para não representar
enriquecimento sem causa”, explica.
Para
o presidente da 3ª Turma, ministro Sidnei Beneti, essa é uma das questões mais
difíceis do Direito brasileiro atual. “Não é cálculo matemático. Impossível
afastar um certo subjetivismo”, avalia. De acordo com o ministro Beneti, nos
casos mais frequentes, considera-se, quanto à vítima, o tipo de ocorrência
(morte, lesão física ou deformidade), o padecimento da própria pessoa e dos
familiares, circunstâncias de fato (como a divulgação maior ou menor), e
consequências psicológicas de longa duração para a vítima.
Quanto
ao ofensor, considera-se a gravidade de sua conduta ofensiva, a desconsideração
de sentimentos humanos no agir, suas forças econômicas e a necessidade de maior
ou menor valor, para que a punição tenha efeito pedagógico e seja um
desestímulo efetivo para não se repetir ofensa.
Tantos
fatores para análise resultam em disparidades entre os tribunais na fixação do
dano moral. É o que se chama de “jurisprudência lotérica”. O ministro Salomão
explica: para um mesmo fato que afeta inúmeras vítimas, uma Câmara do Tribunal
fixa um determinado valor de indenização e outra Turma julgadora arbitra, em
situação envolvendo partes com situações bem assemelhadas, valor diferente.
“Esse é um fator muito ruim para a credibilidade da Justiça, conspirando para a
insegurança jurídica”, analisa o ministro do STJ. “A indenização não representa
um bilhete premiado”, diz.
Como
instância máxima de questionamentos envolvendo legalidade, o STJ definiu
algumas quantias para determinados tipos de indenização. Um dos exemplos são os
casos de morte dentro de escola, cujo valor de punição aplicado é de 500
salários mínimos. Quando a ação por dano moral é movida contra um ente público,
cabe às turmas de Direito Público do STJ o julgamento do recurso. Seguindo o
entendimento da 2ª Seção, a 2ª Turma vem fixando o valor de indenizações no limite
de 300 salários mínimos. Foi o que ocorreu no julgamento do Recurso Especial
860.705, relatado pela ministra Eliana Calmon. O recurso era dos pais que,
entre outros pontos, tentavam aumentar o dano moral de R$ 15 mil para 500
salários mínimos em razão da morte do filho ocorrida dentro da escola, por um
disparo de arma. A 2ª Turma fixou o dano, a ser ressarcido pelo Distrito
Federal, seguindo o teto padronizado pelos ministros.
O
patamar, no entanto, pode variar de acordo com o dano sofrido. Em 2007, o ministro
Castro Meira levou para análise, também na 2ª Turma, um recurso do estado do
Amazonas, que havia sido condenado ao pagamento de R$ 350 mil à família de uma
menina morta por um policial militar em serviço. Em primeira instância, a
indenização havia sido fixada em cerca de 1.600 salários mínimos, mas o
tribunal local reduziu o valor, destinando R$ 100 mil para cada um dos pais e
R$ 50 mil para cada um dos três irmãos. O STJ manteve o valor, já que, devido
às circunstâncias do caso e à ofensa sofrida pela família, não considerou o
valor exorbitante nem desproporcional (REsp 932.001).
Já
os incidentes que causem paraplegia na vítima motivam indenizações de até 600
salários mínimos, segundo o tribunal. A subjetividade no momento da fixação do
dano moral resulta em disparidades gritantes entre os diversos Tribunais do
país. Num recurso analisado pela 2ª Turma do STJ em 2004, a Procuradoria do
estado do Rio Grande do Sul apresentou exemplos de julgados pelo país para
corroborar sua tese de redução da indenização a que havia sido condenada.
Feito
refém durante um motim, o diretor-geral do hospital penitenciário do Presídio
Central de Porto Alegre acabou paraplégico em razão de ferimentos. Processou o
estado e, em primeiro grau, o dano moral foi arbitrado em R$ 700 mil. O
Tribunal estadual gaúcho considerou suficiente a indenização equivalente a
1.300 salários mínimos. Ocorre que, em caso semelhante — paraplegia —, o
Tribunal de Justiça de Minas Gerais fixou em 100 salários mínimos o dano moral.
Daí o recurso ao STJ.
A
2ª Turma reduziu o dano moral devido à vítima do motim para 600 salários
mínimos (Resp 604.801), mas a relatora do recurso, ministra Eliana Calmon,
destacou dificuldade em chegar a uma uniformização, já que há múltiplas
especificidades a serem analisadas, de acordo com os fatos e as circunstâncias
de cada caso.
Passado
o choque pela tragédia, é natural que as vítimas pensem no ressarcimento pelos
danos e busquem isso judicialmente. Em 2002, a 3ª Turma fixou em 250 salários
mínimos a indenização devida aos pais de um bebê de São Paulo morto por
negligência dos responsáveis do berçário (Ag 437968). Assim foi fixado o limite
de 250 salários para os casos de morte de filho no parto.
Caso
semelhante foi analisado pela 2ª Turma neste ano. Por falta do correto
atendimento durante e após o parto, a criança ficou com sequelas cerebrais
permanentes. Nesta hipótese, a relatora, ministra Eliana Calmon, decidiu por
uma indenização maior, tendo em vista o prolongamento do sofrimento.
“A
morte do filho no parto, por negligência médica, embora ocasione dor
indescritível aos genitores, é evidentemente menor do que o sofrimento diário
dos pais que terão de cuidar, diuturnamente, do filho inválido, portador de
deficiência mental irreversível, que jamais será independente ou terá a vida
sonhada por aqueles que lhe deram a existência”, afirmou a ministra em seu
voto. A indenização foi fixada em 500 salários mínimos (Resp 1.024.693).
O
STJ reconheceu a necessidade de reparação a uma mulher que teve sua foto ao
lado de um noivo publicada em jornal do Rio Grande do Norte, noticiando que se
casariam. Na verdade, não era ela a noiva, pelo contrário, ele se casaria com
outra pessoa. Em primeiro grau, a indenização foi fixada em R$ 30 mil, mas o
Tribunal de Justiça potiguar entendeu que não existiria dano a ser ressarcido,
já que uma correção teria sido publicada posteriormente. No STJ, a condenação
foi restabelecida (Resp 1.053.534) a R$ 30 mil, limite então pacificado para
casos de fofoca social.
Um
cidadão alagoano viu uma indenização de R$ 133 mil minguar para R$ 20 mil
quando um caso de protesto indevido de seu nome chegou ao STJ. Sem nunca ter
sido correntista do banco que emitiu o cheque, houve protesto do título
devolvido por parte da empresa que o recebeu. Banco e empresa foram condenados
a pagar cem vezes o valor do cheque, de R$ 1.333. Houve recurso e a 3ª Turma
reduziu a indenização. O relator, ministro Sidnei Beneti, levou em consideração
que a fraude foi praticada por terceiros e que não houve demonstração de abalo
ao crédito do cidadão (Resp 792.051).
Outra
situação com limite pré-estabelecido é o disparo indevido de alarme antifurto
nas lojas. Já noutro caso, no ano passado, a 3ª Turma manteve uma condenação no
valor de R$ 7 mil por danos morais devido a um consumidor do Rio de Janeiro que
sofreu constrangimento e humilhação por ter de retornar à loja para ser
revistado. O alarme antifurto disparou indevidamente. Para a relatora do
recurso, ministra Nancy Andrighi, foi razoável o patamar estabelecido pelo
Tribunal local (Resp 1.042.208). Ela destacou que o valor seria, inclusive,
menor do que em outros casos semelhantes que chegaram ao STJ. Em 2002, houve um
precedente da 4ª Turma que fixou em R$ 15 mil indenização para caso idêntico
(Resp 327.679).
Há
casos, porém, que o STJ considera as indenizações indevidas. O STJ firmou
jurisprudência no sentido de que não gera dano moral a simples interrupção
indevida da prestação do serviço telefônico (Resp 846273)
Por
Gustavo Saruhashi
Fonte
JusBrasil Notícias