Sobram, contudo, verbos no infinitivo, recurso
considerado "rima pobre". A decisão do juiz, por outro lado, mostra
mais elaboração de métrica (um poema veio dois anos depois do outro, justiça
seja feita)
"Essa é a contestação,
Parece de canastrão
Mas, sem atrevimento.
Pede, suplica o deferimento"
Olavo
Bilac? Álvares de Azevedo? Estes versos são, na verdade, de outro advogado
poeta: Carlos Antonio do Nascimento (rima com deferimento, não por acaso)
submeteu uma petição em forma de poesia. São 18 versos que, segundo o advogado,
contém todos os requerimentos básicos do documento legal. A decisão do juiz
Zacarias Leonardo, também em poema, foi publicada e é
favorável ao cliente do advogado. O curioso caso foi divulgado pelo próprio
Tribunal de Justiça do Tocantins.
“Tentei
valorizar a riqueza da língua portuguesa", explica Nascimento, que é fã de
Cecília Meireles desde os tempos de escola. A linguagem jurídica não ficou
totalmente de lado. Palavras como "réu" e "jurisprudencial"
foram usadas no poema porque, segundo o advogado, uma petição preliminar
precisa ter a narração dos fatos, fundamentação jurídica e o pedido: “Consegui
demonstrar todos os requisitos em 18 versos”. Sobram, contudo, verbos no
infinitivo, recurso considerado "rima pobre". A decisão do juiz, por
outro lado, mostra mais elaboração de métrica (um poema veio dois anos depois do
outro, justiça seja feita).
No
caso, um motoqueiro se envolveu em acidente e não teve o seguro pago, em 2013.
E o que o cliente achou? “Ele gostou, já que o juiz atendeu a petição”, afirma
Nascimento. O advogado adverte que o artifício não pode ser usado em toda
petição. Mas que é possível fazer isso desde que o trabalho respeite a
legislação, a forma jurídica e o juiz, sem ridicularizar as partes envolvidas.
Confira
o poema na íntegra:
Senhor Juiz
O autor sobre o evento sete (07) vem falar
Que lesado foi ao acidentar
Por isso, procurou onde a demanda ajuizar
Preferiu o domicílio do réu sem vacilar
Sendo competência territorial pôde optar
Seja, onde há sucursal ou onde morar
Isso é jurisprudencial não precisa reafirmar
Ademais, o réu sabe que deve pagar,
Aqui ou em outro lugar
Porém, para modificar, não basta alegar
Prejuízo tem que demonstrar
Sobre esse intento não conseguiu provar.
Portanto, o autor para finalizar
Pede para o doutor, a presente rejeitar
Essa é a contestação,
Parece de canastrão
Mas, sem atrevimento.
Pede, suplica o deferimento
Carlos Nascimento
E
a resposta:
Decido:
Em versos e jurisprudências responde o
excepto;
Não pode ser acolhida a exceção; acertado
pontua;
O juízo competente é do domicílio do autor
ou do local do fato;
Esqueceu-se a excipiente não ser escolha
sua.
A lei contemplou o domicílio do autor ou o
local do acidente;
Assim é mais fácil para a vítima do sinistro
pensou o legislador;
Em sua casa, com sua gente ou onde se feriu
o requerente;
Pareceu mais propício buscar lenitivo e
reparo à sua dor;
Mas, onde mora o requerente? Perquire o
judicante;
Mora em Palmas e se feriu quando no interior
se encontrava;
Em seu parágrafo único o artigo cem (100)
soluciona o embate;
O foro do domicílio do autor era escolha que
bastava.
A contestação não parece de canastrão;
Pelo contrário, sem respaldo legal e sem
assento;
Parece, isto sim, a exceção, uma medida de
protelação;
Coisa de instituição financeira querendo ganhar
tempo.
De fato a jurisprudência é de remanso;
Por outro lado a legislação é de meridiana
clareza;
Enquanto o requerente espera ansioso o
desfecho;
Navega tranqüila a seguradora sob o
benefício da destreza.
É preciso colocar na espera um ponto final;
Por isso, sem mais delongas, porque não sou
poeta;
Firmo de logo a competência do juízo da
capital;
É aqui que se deve resolver o quanto o caso
afeta
Zacarias Leonardo
Juiz de Direito
Fonte
Correio Braziliense