Consumidor pode desistir tanto por problemas com a
construtora quanto por problemas pessoais
A
compra de um imóvel na planta pode envolver uma série de armadilhas, e a
principal delas é o atraso na entrega do imóvel, que chega a ser previsto em
contrato. Há algumas brigas na Justiça que o consumidor pode comprar para
driblar esses problemas ou diminuir seus danos, incluindo simplesmente desistir
da compra. Seja por impossibilidade de continuar o pagamento, seja por
problemas com a construtora, esse direito é assegurado.
“É
um direito líquido e certo do consumidor desistir do negócio em qualquer
situação, ainda que o contrato diga que não”, diz o advogado Marcelo Tapai, que
cuida de diversas ações referentes a problemas na compra de imóveis. Ele
acrescenta que a quantia que o consumidor vai receber de volta depende do
responsável pela desistência – se o próprio consumidor ou a construtora.
O
advogado fez um levantamento em seu próprio escritório, o Tapai Advogados, e
concluiu que, em 2010, foram apenas oito processos de rescisão de contrato de
promessa de compra e venda de imóveis. Em 2013 houve 39 ações apenas no
primeiro semestre.
Os
principais motivos, segundo Tapai, são o atraso na obra e problemas financeiros
dos compradores, que muitas vezes se relacionam ao fato de a correção das
parcelas, durante a obra, ocorrer pelo INCC, índice inflacionário que costuma
superar os índices de reajustes salariais.
De
acordo com súmulas editadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), ao
desistir da compra, o consumidor tem direito a receber de volta, com correção
monetária, a totalidade ou parte do que pagou à construtora. Mas muitos
contratos vêm com cláusulas desfavoráveis ao consumidor e que, segundo Tapai,
não têm validade. Veja como funciona em cada situação:
Quando o responsável pela desistência é a construtora
Os
contratos só costumam garantir o direito de rescisão contratual à construtora,
em caso de falta de pagamento por parte do consumidor. Mas se problemas como o
atraso na entrega do imóvel levarem o consumidor à desistência, ele tem sim o
direito de rescindir o contrato, assegura Tapai. Neste caso, deverá receber
todo o valor pago corrigido monetariamente e em parcela única.
Outro
motivo que pode levar o consumidor a querer desistir da compra é a entrega de
um imóvel diferente do que constava no memorial descritivo. Tapai conta de um
caso em que um condomínio de casas na região metropolitana de São Paulo foi
entregue com as unidades trocadas. Assim, os consumidores receberam suas casas
em lote diferente do que havia sido acordado.
Segundo
ele, até mesmo um problema que a construtora se comprometa a resolver pode ser
uma motivação para a desistência. “Se o consumidor compra um imóvel e descobre
que o terreno está contaminado, ele tem o direito de não querer, ainda que a
construtora se comprometa a descontaminá-lo”, observa o advogado.
Além
de receber o valor pago de volta e corrigido, o comprador pode ainda pleitear
uma indenização por danos morais ou mesmo pelo fato de ter tido despesas em
função dos problemas provocados pela construtora, como o pagamento de um
aluguel por mais tempo que o previsto.
Quando o responsável pela desistência é o consumidor
Ainda
que a construtora não tenha feito nada de errado, o consumidor tem o direito de
desistir da compra, no caso de problemas financeiros, por exemplo. Nesse caso,
porém, a construtora pode reter as quantias referentes a despesas
administrativas, e devolver apenas parte do que foi pago ao consumidor.
De
acordo com Tapai, as decisões judiciais nesse sentido têm determinado uma
retenção de 10% a 15% do montante total pago pelo comprador. Ocorre que as
construtoras procuram determinar, em contrato, que a desistência do consumidor
permite que elas retenham de 20% a 30% do valor total do imóvel.
“O
problema é que o consumidor costuma pagar 30% do valor do imóvel durante a
construção, para financiar o restante após a entrega. Se a construtora puder
reter de 20% a 30% do valor total do imóvel, ela poderá ficar com a totalidade
do que o comprador desembolsou até então”, explica Tapai.
Quando
o consumidor desiste da compra por conta de seus próprios problemas, as
empresas costumam tentar de tudo para reter a maior quantia possível, diz
Tapai. Na opinião dele, o consumidor não deve aceitar eventuais acordos sob a
ameaça de ter o nome inscrito em cadastros de inadimplentes, nem topar receber
seu dinheiro de volta em parcelas.
Mas
o advogado alerta, no entanto, que o consumidor não deve simplesmente parar de
pagar pelo imóvel se seu intuito é desistir da compra, pois ao se tornar
inadimplente, perde seus direitos. “A construtora deve ser notificada da
desistência. Tudo tem que ser documentado e autorizado judicialmente, se for o
caso”, explica.
“As
pessoas não compram imóveis pensando em desistir, e normalmente tentam de tudo
antes de abrir mão do financiamento do imóvel. Mas as pessoas passam por
imprevistos”, observa Tapai. Outros motivos que podem levar à desistência são a
morte ou o desemprego do principal provedor da família, a mudança do comprador
para outra cidade ou estado e o término de um noivado em que o casal já estava
pagando o imóvel junto.
E se o imóvel for usado?
Mesmo
no caso de um imóvel usado é possível desistir da compra em certas situações.
Se for constatado um defeito após a vistoria – o chamado vício oculto –, o
comprador tem um prazo para desistir da compra. É o que ocorre, por exemplo,
quando se constata uma infiltração grave ou um problema estrutural já existente
antes da compra e não constatado durante a vistoria, provavelmente porque havia
sido “maquiado”.
Esse
prazo, de acordo com o Código Civil, é de um ano após a constatação do vício.
Se tiver havido a intermediação de uma imobiliária e for o tipo de vício que
ela deveria conhecer – ou seja, se ficar provado que a imobiliária enganou o
comprador – então esse prazo sobe para cinco anos. Isso porque, neste último
caso, trata-se de uma relação de consumo, submetida ao prazo de desistência
determinado no Código de Defesa do Consumidor.
Se
o imóvel não tiver sido financiado, bastará acionar o vendedor e torcer para
ele ter dinheiro para devolver, com correção monetária. Dependendo do tempo
decorrido desde a compra, é possível que o vendedor não possa mais pagar, o que
representa um risco ao destrato.
Já
se o imóvel tiver sido financiado, há um risco adicional. A queixa continua
direcionada ao vendedor, mas a dívida no banco não deixará de existir se o
comprador desistir da compra. Assim, se o vendedor não puder pagar, o comprador
não terá como ressarcir o banco. “A menos que o banco tenha enviado um
especialista para avaliar o imóvel e que a constatação tenha sido de que o
imóvel estava em condições. Aí até dá para tentar brigar com o banco também.
Mas a regra geral é que quem responde é o antigo proprietário”, afirma Marcelo
Tapai.
Se
o problema não for muito grave e for possível consertá-lo sem maiores
transtornos, o comprador pode pedir um abatimento proporcional do preço.
Finalmente,
se for um problema de construção, a construtora pode ser responsabilizada, e
nesse caso o prazo é geralmente aquele da vida útil da estrutura com defeito.
“Se a construtora não existir mais ou não puder ser localizada, porém, o
vendedor é que deverá responder”, diz Tapai.
Por
Julia Wiltgen
Fonte
Exame.com