O
tempo ficto – ou tempo de serviço especial, próprio da previdência social – é
incompatível com o regime financeiro de capitalização, característico da
previdência privada.
Esse
foi o entendimento adotado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) ao julgar recurso em uma ação de revisão de benefício de previdência
privada cujo autor pretendia aproveitar o tempo de serviço especial (tempo
ficto) reconhecido pelo INSS para promover a revisão da renda mensal inicial de
seu benefício complementar.
Segundo
o autor da ação, a Fundação Embratel de Seguridade Social (Telos) deveria ter
considerado o tempo de serviço relativo às atividades que ele desempenhou em
condições insalubres e de alta periculosidade.
No
recurso ao STJ, a Telos contestou acórdão do Tribunal de Justiça da Paraíba que
determinou a complementação do benefício com base no reconhecimento do tempo de
trabalho como especial pelo INSS.
Para
a fundação, o tempo de trabalho ficto não pode ser considerado no cálculo de
benefício da previdência privada porque nesse sistema é vedado o pagamento de
verba sem o respectivo custeio, sob pena de comprometimento do equilíbrio
econômico-atuarial do fundo previdenciário.
Sistemas diversos
O
relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, destacou que, de acordo com os
artigos 202 da Constituição Federal e 1º da Lei Complementar 109/01, a
previdência privada é de caráter complementar, facultativa, regida pelo direito
civil e organizada de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência
social. É baseada na constituição de reservas que garantam o benefício
contratado.
Nesse
sistema, disse o ministro, o regime financeiro de capitalização (contribuições
do participante e do patrocinador, se houver, e rendimentos com a aplicação
financeira destas) é obrigatório para os benefícios de pagamento em prestações
continuadas e programadas.
A
previdência social, por sua vez, é um “seguro coletivo”, público e compulsório
(a filiação é obrigatória para diversos empregados e trabalhadores rurais ou
urbanos). Esse seguro se destina à proteção social, proporcionando meios
indispensáveis de subsistência ao segurado e à sua família diante de situações
previstas em lei, como incapacidade, idade avançada, tempo de serviço, morte do
segurado e outros eventos. O sistema de financiamento, destacou o ministro, é o
de caixa ou de repartição simples.
Autonomia
Villas
Bôas Cueva ressaltou que a aposentadoria especial é uma espécie de benefício do
regime geral de previdência social devida ao trabalhador que exerce atividade
em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física. Assim, o trabalhador
pode se aposentar mais cedo como forma de compensar o desgaste físico
resultante do tempo de serviço prestado em ambiente insalubre, penoso ou
perigoso (tempo de serviço especial).
Ante
as especificidades de cada regime e a autonomia existente entre eles, a
concessão de benefícios oferecidos pelas entidades abertas ou fechadas de
previdência privada não depende da concessão de benefício oriundo do regime de
previdência social.
“Pelo
regime de capitalização, o benefício de previdência complementar será
decorrente do montante de contribuições efetuadas e do resultado de investimentos,
não podendo haver o pagamento de valores não previstos no plano de benefícios,
sob pena de comprometimento das reservas financeiras acumuladas (desequilíbrio
econômico-atuarial do fundo), a prejudicar os demais participantes, que terão
de custear os prejuízos daí advindos”, afirmou o relator.
Precedentes
O
ministro destacou que a Quarta Turma do STJ já decidiu ser legal a incidência
de fator redutor sobre a renda mensal inicial de participante ou assistido de
plano de previdência privada em caso de aposentadoria especial, bem como ser
vedada a concessão de verba não prevista no regulamento, dada a necessidade de
observância da fonte de custeio e do sistema de capitalização.
Villas
Bôas Cueva citou precedentes nesse sentido, entre eles o REsp 1.015.336 e o
REsp 1.006.153. Em decisão unânime, a Terceira Turma acompanhou o relator e deu
provimento ao recurso da fundação.
A
íntegra do voto do relator: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=39391659&num_registro=201002246525&data=20141107&tipo=51&formato=PDF
Fonte
Âmbito Jurídico