A
internet, reconhecida mundialmente como relevante ferramenta para realização de
direitos fundamentais como a liberdade de expressão (entendida também como o
direito à informação), é hoje utilizada também como instrumento para arruinar a
vida de muitas pessoas. Instrumento, pois não é a tecnologia responsável
diretamente pelos inúmeros casos de difamação ou vazamento de fotos e vídeos
íntimos como no recente caso das atrizes americanas que tiveram suas imagens
espalhadas pela web depois de terem sido acessadas por terceiros no serviço
iCloud da Apple. Tais atos são promovidos por pessoas, que muitas vezes
utilizam a tecnologia para tentar anonimato e, consequentemente, impunidade.
É
importante registrar ser possível a identificação da autoria mesmo com o uso de
subterfúgios tecnológicos e, a partir disso, buscar a punição, inclusive
criminal, do autor da façanha. Vale lembrar que desde o início de 2013 a
invasão de dispositivos informáticos é, no Brasil, conduta punível como crime
pela Lei 12.737/12, a chamada Lei Carolina Dieckmann.
Entretanto,
o que chama atenção nesse caso das atrizes americanas, não é o viés da punição
criminal do envolvido diretamente pela obtenção ilícita (cuja punição no país
norte-americano é bem mais grave do que em terra tupiniquim), mas sim a
responsabilização civil do provedor de aplicações que armazena conteúdo do
usuário na “nuvem”.
Analisando
o caso como se tivesse ocorrido em nosso país (evitando assim esbarrar nas
controvertidas questões acerca da jurisdição na internet), pode-se concluir
que, sem dúvidas, a empresa ofertante desse tipo de serviço seria obrigada a
indenizar os danos provocados à vítima. Pouco importando se o conteúdo vazado
era de vídeos ou fotos íntimas, um artigo acadêmico em fase de produção ou um
projeto sigiloso da empresa, por exemplo.
Ao
contratar a hospedagem dos dados na nuvem, ao usuário é prometida a segurança
de um armazenamento em servidores acessíveis a qualquer tempo, bastando estar
conectado à rede mundial de computadores. Pode se dar como relação de consumo,
daí aplicando-se o previsto no artigo 14 da Lei 8.078/90, quando sequer é
necessário apurar eventual culpa do provedor ou, ainda, numa relação entre
empresas (B2B), aplicando-se para tanto o disposto no artigo 927 combinado com
o artigo 186, ambos do Código Civil Brasileiro, dada a negligência no
armazenamento dos dados.
Ainda,
a recente Lei 12.965/14, conhecida como
Marco Civil da Internet, reforça o dever de reparação, bem como os cuidados com
o armazenamento e tratamento dos dados do usuário. Logo em seu artigo 3º, ao
estabelecer os princípios para o uso da Internet no Brasil, a novel legislação
inclui em seus incisos II e III a proteção da privacidade e dos dados pessoais,
sendo inevitável abranger nessa compreensão não só o conteúdo íntimo, mas como
todos os arquivos armazenados na nuvem de titularidade do usuário adquirente do
serviço.
Mais
à frente, pela leitura do inciso I do artigo 7º, percebe-se o reforço ao dever
indenizatório em caso de violação, quando inclui entre as garantias do internauta
“a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção pelo dano
material ou moral decorrentes de sua violação”.
Por
sua vez, em relação ao dever de revisitar as políticas internas de proteção e
tratamento dos dados, buscando a conformidade legal dos procedimentos de
segurança da informação, encontramos diversas passagens na lei, visto que pela
adequação dos documentos legais (incisos VI, VII, VIII, IX, XI do artigo 7º,
parágrafo único do artigo 8º) surge, inevitavelmente, necessidade de maior
controle interno.
De
todo modo, o inciso 4º do artigo 10 não deixa dúvidas ao estatuir que: “as
medidas e os procedimentos de segurança e de sigilo devem ser informados pelo
responsável pela provisão de serviços de forma clara e atender a padrões definidos
em regulamento, respeitado seu direito de confidencialidade quanto a segredos
empresariais”. Embora esse dispositivo remeta à futura regulamentação,
entendemos que as empresas já devem se atentar, buscando utilizar as melhores
práticas de segurança da informação.
Infelizmente,
tem sido comum às novas empresas de tecnologia (startups) certa displicência
quanto aos riscos que o negócio pode causar aos seus usuários, seja pelo uso de
cópia de documentos legais, como termos de uso e políticas de privacidade sem
observar a realidade de seu negócio e a legislação aplicável, ou mesmo pela
ausência de gestão clara e efetiva dos dados manipulados (compliance em
segurança da informação).
As
recentes normas (Decreto do E-commerce e Marco Civil da Internet) começam a
surtir efeitos na conscientização sobre a importância e cuidados necessários no
tratamento dos dados, cabendo ao Estado agora o cumprimento de suas
determinações, buscando minimizar ocorrências como as ocorridas com as atrizes
americanas.
É
preciso compreensão de que um vazamento de fotos ou vídeos íntimos, por
exemplo, é extremamente grave, merecendo sanções severas e indenizações que
realmente possam inibir a negligência na segurança dos dados. Às empresas cabe
investir em boas práticas, reduzindo os riscos inerentes à atividade.
Por
Rafael Maciel
Fonte
Consultor Jurídico