Um casal de amigos da colunista conviveu
durantes anos como se marido e mulher fosse, por priorizar o lado profissional,
decidiram adiar o plano de terem um filho e compraram uma linda cadela da raça
yorkshire denominada Bekinha que passou a ser o xodó do casal.
O amor entre o casal acabou, mas a paixão
pelo animal de estimação não, tendo o casal feito um acordo de “guarda
compartilhada” que envolvia dias de semana para um e final de semana para outro.
Porém, se não tivesse acordo, qual seria a
solução do caso se o judiciário fosse chamado a resolver?
A questão não é simples por inexistir
legislação específica sobre o assunto, tendo em não raros casos, enfrentado a
completa falta de sensibilidade por parte do judiciário, conforme é exemplo o
seguinte julgado do Rio Grande do Sul, que pode ser lido com certo tom de
deboche:
“O
curioso é que em tempos de assoberbamento do Poder Judiciário, lotadas as mesas
e os armários dos operadores do Direito da área de família com questões de
grande relevância, tais como investigações de paternidade ou destituições de
poder familiar, não estamos aqui tratando da busca e apreensão de um menor,
cuja guarda se discute, mas sim de uma cachorrinha. E as petições lançadas por
autor e requerida, eminentes colegas, não perdem de vista as expressões de ‘direito
de guarda’ e ‘direito de visita’, não sendo de estranhar que surgisse, em algum
momento, alusão à defesa do ‘melhor interesse canino’.”(processo. Nº 70038022414)
Não
vejo de forma tão insensível assim, os animais de estimação têm ganhado cada
vez mais espaço na vida das famílias, delas afetivamente se tornando membros
efetivos, tanto como qualquer filho ou ente querido, fato que o judiciário não
pode relegar.
Para
a legislação vigente, os animais são considerados como bens materiais, como uma
casa, um carro ou utensílios domésticos.
O Código
Civil atual regula a partilha de bens conforme o regime adotado pelas partes,
podendo ser feito de forma isonômica, como é o caso do regime de comunhão
parcial (que é o geral e por isso mais comum); conforme o patrimônio construído
por cada um dos cônjuges antes ou depois do casamento, como é o caso do regime
de separação total dos bens; ou conforme a participação de cada um na construção
do patrimônio, como é o caso do regime de participação final nos aquestos.
É evidente
que não se dá para “vender” o animal de estimação e repartir o resultado entre
os conjugues, de longe não é a solução mais adequada, pois, voltando ao exemplo
inicial, não me parece que vender a amada Bekinha seria o resultado ideal caso
não houvesse acordo.
Claro
que as questões da vida moderna levam muitas vezes o Judiciário e os operadores
do Direito a ter de interpretar as situações cotidianas com aplicação do bom
senso mitigando o que está previsto em leis que já se tornaram ultrapassadas. O
melhor mesmo é a adoção de uma solução intermediária, considera-se como parte
do patrimônio para fins patrimoniais e confere-se status de pessoa (membro da
família) para fins pessoais.
Considera-se
patrimônio para fins patrimoniais para que o pet não tenha direito de herança,
porém status de pessoa para fins pessoais, para que seja possível uma solução
que não desconsidere o amor que se sente pelo animal, deferindo-se assim a
guarda e direito de visita.
Nestes
casos a guarda do animal tem sido concedida de forma compartilhada ou então, pela
aplicação de bom senso, ao cônjuge que melhor apresente condições financeiras e
de espaço físico para cuidar do animal, disponibilidade de tempo e grau de
afetividade conferindo-se ao outro o direito de visitas ao animal. Assim pode-se
dizer que para fins de guarda e visitas, o animal de estimação acaba saindo do
status jurídico de bem para se tornar um membro da família.
Atualmente,
existe o Projeto de Lei de nº 7.196/10 de autoria do deputado Márcio França (PSB/SP),
prevendo novas diretrizes em casos de separação do casal, estando incluído, no
texto do projeto, que os juízes deverão decidir sobre a guarda dos animais de
estimação conforme é decido em relação aos filhos menores, devendo estipular
quem ficará responsável pela guarda, assim como o direito de visitas de cada
uma das partes envolvida. Diz que o juiz deverá decidir em razão do vínculo
afetivo e das condições de oferecer cuidado ao animal.
Enquanto
o Projeto de Lei não é aprovado, vamos depender da sensibilidade dos juízes de
compreender que a relação do ser humano com o seu animal de estimação vai bem
mais além do que sentimento de posse de bens materiais, como dizia Mahatma
Ganhi “A grandeza de uma nação pode ser julgada pelo modo que seus animais são
tratados.”.
Por Mayara Carneiro Ledo Mácola
Fonte JusBrasil Notícias