Europa consagra
'direito ao esquecimento' e retira conteúdo do Google; no Brasil, decisões vão
no mesmo caminho
Um usuário procura o próprio nome no Google.
Aparecem blogs, seus perfis, o registro de uma dívida antiga e vários outros
sites. Se conseguir provar que uma das páginas tem conteúdo "inadequado,
irrelevante ou não mais relevante", ele pode requisitar a retirada do link.
Essa situação é possível na União Europeia
desde o dia 13, quando seu mais alto tribunal consagrou o "direito ao
esquecimento" na web.
O assunto está em debate desde 2012, quando
o parlamento do bloco incluiu o conceito em artigo do projeto da Lei de Proteção
de Dados Pessoais --que não entrou em vigor e ainda não tem data.
O surgimento da ideia de "direito ao
esquecimento" tem raízes na França e não está ligado ao mundo on-line. No
país, a lei garante que um criminoso condenado, após cumprir pena --e, em
teoria, se reabilitar-, oponha-se à publicação de fatos relacionados ao crime
que cometeu.
No lado oposto do debate, contrário à prerrogativa,
estão os Estados Unidos. O argumento para defender a posição é igualmente forte:
pessoas mal intencionadas, como políticos corruptos, podem solicitar retirada
de conteúdo com fins de censura.
A interpretação americana é de que as
liberdades de expressão e de imprensa --garantidas, lá, pela Primeira Emenda à Constituição--
se sobrepõem ao desejo de o usuário retirar informações.
"Com frequência pedem para remover
todas as referências a Fulano'", escreve Peter Fleischer, conselheiro de
privacidade do Google, em seu blog. "Nenhuma lei pode ou deveria prover
tal direito."
NO BRASIL
Juristas especializados em direito digital
no país não chegaram a consenso sobre qual interpretação é melhor. O assunto
foi debatido no CJF (Conselho da Justiça Federal), e juízes brasileiros já determinaram
retirada de conteúdo com base no conceito.
Os dois julgamentos mais notórios, ambos no
STJ (Superior Tribunal de Justiça), dizem respeito a vítimas de crimes antigos
que venceram processos contra veículos de imprensa, por reportagens que
relembravam os casos.
Apesar do precedente, o "direito ao
esquecimento" que vigora no país não tem os mesmos moldes que na Europa. Questionado
pela Folha, o Google afirmou que, até agora, a decisão europeia não teve influência
na quantidade de pedidos de remoção de conteúdo no Brasil.
"Não se trata de apagar informações,
mas de como essas informações são utilizadas. Se foram usadas pra prejudicar
pessoas, vamos ter que dar um jeito de aplicar o direito ao esquecimento'",
defende o advogado Renato Opice Blum, sócio do escritório que leva seu
sobrenome.
Já o advogado Leandro Bissoli, sócio do PPP
Advogados, afirma que a Justiça deve ser procurada só se o usuário não chegar a
acordo com o site. "A pessoa que se sentir incomodada pode procurar
mecanismos do próprio Google para denunciar violação."
"O direito ao esquecimento', sob o
prisma da liberdade de expressão, é mais veneno do que remédio", escreve
Ronaldo Lemos, advogado e colunista da Folha.
Por Alexandre Aragão, Alexandre Orrico,
Bruno Fávero e Yuri Gonzaga
Fonte Folha de S. Paulo