A
confidencialidade é um dos elementos diferenciadores do procedimento arbitral,
o qual tem o condão de atrair para si um nicho expressivo de conflitos, como
aqueles envolvendo transações comerciais e de direito societário. Isto porque a
possibilidade de preservação de informações sensíveis aos consumidores e à
concorrência, como de know how e sobre alterações na estrutura societária,
desempenharia um papel relevante nas atividades empresariais.
Ainda
não há consenso na doutrina quanto à abrangência do dever de confidencialidade,
se seria dirigido ao conteúdo da arbitragem e, em especial, às provas
produzidas, às informações apresentadas, à argumentação das partes e às
deliberações dos árbitros, ou se estaria estendida ao simples fato da
existência da arbitragem. Da mesma forma, discute-se qual seria a sua natureza,
se inerente ao instituto arbitral enquanto princípio¹ ou se existente apenas
quando houvesse a pactuação específica para tanto, ou seja, enquanto dever
contratual acessório.
A
Lei 9.307/1996 é silente sobre o assunto, não possuindo qualquer previsão
acerca dos limites deste dever de confidencialidade ou das consequências da sua
quebra. A maior parte dos regulamentos de arbitragem não trata do dever de
confidencialidade de forma pormenorizada. Sendo assim, quando existir o
referido dever, caberá aos árbitros, por meio do seu poder normativo, avaliar o
nível de proteção exigido pelo caso concreto, as consequências geradas pelo seu
desrespeito e, mais importante, as medidas que serão impostas para reparar o
ocorrido.
Pressupondo-se
a hipótese em que houvesse a previsão expressa do dever de confidencialidade e
em que ocorresse a divulgação ilícita de informações por uma das partes (sem a
existência de qualquer dever legal ou justificativa justa), é indiscutível que
ocorreria a violação da norma. Questiona-se, no entanto, quem teria jurisdição
para lidar com a referida violação e quais seriam as consequências àqueles que
o fizeram. Teriam os árbitros o poder de evitar novas quebras? E de punir o
mero ato violador, independentemente da comprovação de qualquer dano? Ou, por
outro lado, seriam apenas as perdas e danos indenizáveis, de forma subjetiva?
Como
primeira ponderação, nos casos em que a violação da confidencialidade não
envolver direitos de terceiros e quando o escopo da convenção de arbitragem for
suficientemente amplo para abarcá-la, a questão deverá ser decidida em sede
arbitral². Ademais, é evidente que a solução a ser adotada dependerá dos fatos
publicados e da sua capacidade de causar dano às partes (mesmo que seja difícil
a sua mensuração em termos econômicos). Ainda assim, considerando que este ato
poderá gerar maiores consequências com extrema rapidez, o agir dos árbitros
para minimizar os efeitos da transgressão deverá ser imediato e adequado. Neste
sentido, defende-se que medidas de três ordens poderão ser adotadas: punitiva,
acautelatória e reparatória.
Uma
vez violada a confidencialidade, o transgressor poderá ser condenado ao
pagamento de multa punitiva, sob pena de esvaziar-se o conteúdo da norma e
chancelar-se a impunidade. Em que pese na prática ser pouco provável que as
partes ou o regulamento adotado prevejam a incidência de multa punitiva pela
violação do dever em si, nada impediria que os árbitros o fizessem. O
fundamento estaria no poder normativo dos árbitros, o qual é manifestado de
forma supletiva quando for necessário o preenchimento de lacunas nas regras
escolhidas pelas partes³.
Os
árbitros também poderão determinar a abstenção da parte transgressora, de
maneira acautelatória, para que o referido dever não sofra nova violação,
inclusive sob pena de multa. Por fim, caso reste demonstrada a ocorrência de
danos decorrentes do referido ilícito, a parte lesada poderá pleitear a
respectiva indenização, a ser fixada de acordo com a extensão do dano e a culpa
do agente, conforme dispõem os artigos 186 e 944, do Código Civil.
Em
conclusão, o dever de confidencialidade relacionado à arbitragem já se mostrou
de suma importância e, uma vez pactuado pelas partes, deve ser respeitado. Caso
contrário, será mais importante o tratamento adequado da violação pelos
árbitros, a fim de que o propósito da norma seja efetivamente cumprido.
Notas
¹ Esta linha vem perdendo
força na doutrina e na jurisprudência internacionais, não se tendo notícia da
tratativa brasileira. Como exemplos de casos paradigmáticos em que se decidiu
que a confidencialidade não era um dever implícito, pode-se citar Esso
Australia Resources Ltd. et al. v. Sidney James Plowman, julgado em abril de
1995 pela High Court of Australia (Austrália) e A.I. Trade Finance Inc v.
Bulgarian Trade Foreign Bank Ltd., julgado em março de 1999 pela Svea Court of
Appeal (Suécia).
² CROOKENDEN, Simon. Who should decide arbitration confidentiality
issues?. In Arbitration International. The journal of the London Court of
International Arbitration, vol. 25, n. 04, 2009, pp. 609-610.
³ PARENTE, Eduardo de
Albuquerque. Processo Arbitral e Sistema. Coleção Atlas de Arbitragem. CARMONA,
Carlos Alberto (Coord.). São Paulo: Atlas, 2012, p. 56. Este se trata de um
poder discricionário, que é legítimo na medida em que é outorgado pelas partes
(de forma geral) e pautado no princípio da autonomia da vontade.
Por
Caroline Cavassin Klamas
Fonte
Consultor Jurídico