O
pronunciamento que se quer ver produzir efeitos em nosso país caracteriza-se
como uma sentença estrangeira, segundo a lei brasileira, quando emanado de uma
entidade soberana alienígena, ou, ainda, quando produzido por particulares
conforme o ordenamento estrangeiro, cujo conteúdo, no Brasil, seria próprio de
uma sentença ou de atos a ela assimilados[1]. Nesse sentido, são exemplos de
sentença estrangeira o contrato de adoção celebrado no exterior e os atos
elencados como títulos executivos judiciais pelo artigo 475 do Código de
Processo Civil, quando provenientes do exterior[2].
A
Corte Internacional de Justiça não profere decisão que se subsuma ao conceito
de sentença estrangeira que requeira qualquer tipo de exequatur ou homologação,
visto tratar-se de órgão supranacional. A sentença internacional deve ser
cumprida espontaneamente pelo Estado e, em caso de recusa, sua execução deve
ser pleiteada no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (STJ
SEC 2.707).
Já
a determinação da internacionalidade ou não de sentença arbitral, para fins de
reconhecimento, fica ao alvedrio das legislações nacionais, conforme o disposto
no artigo 1º da Convenção de Nova York (1958), promulgada pelo Brasil, por meio
do Decreto 4.311/2002, razão pela qual se vislumbra no cenário internacional
diferentes regulamentações jurídicas acerca do conceito de sentença arbitral
estrangeira. No ordenamento jurídico brasileiro, elegeu-se o critério
geográfico (ius solis) para determinação da nacionalidade das sentenças
arbitrais, baseando-se exclusivamente no local onde a decisão for proferida
(artigo 34, parágrafo único, da Lei
9.307/1996). O fato de o requerimento para instauração do procedimento
arbitral ter sido apresentado à Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de
Comércio Internacional não tem o condão de alterar a nacionalidade da sentença
arbitral proferida no território brasileiro (STJ REsp 1.231.554).
Entre
vários modelos[3], desponta, na doutrina, a seguinte classificação quanto à
recepção de sentenças estrangeiras: a) o sistema da actio judicati, em que não
se reconhece a decisão estrangeira como tal, mas como prova para que o
beneficiado pelo ato jurisdicional proponha nova ação naquele país; b) o
sistema de exequatur, em que o pronunciamento jurisdicional é recepcionado
propriamente como sentença, de modo a produzir efeitos em sua integralidade,
sem que novo mandamento seja produzido no Estado onde se pretende
executá-lo[4].
Quanto
à (g.1) motivação para a concessão, o sistema de exequatur subdivide-se em:
(g.1.1) sistema de exequatur por vontade, em que é dado ao Estado negar a
execução do ato por decisão absolutamente subjetiva, não obrigatoriamente
motivada; e (g.1.2) sistema de exequatur por delibação, em que a recepção
depende apenas da observância de alguns requisitos e da não interferência em
garantias processuais e princípios gerais de seu ordenamento, sem que haja
análise de fundo sobre o bem da vida posto em julgamento. Relativamente à (g.2)
profundidade de análise da decisão estrangeira, o sistema de exequatur
subdivide-se em: (g.2.1) sistema de exequatur por revisão do mérito, em que a
decisão estrangeira produz efeitos desde que observada a aplicação da lei do
Estado em cujo território a sentença irá produzir efeitos, o que se dá após ampla
revisão da causa; e, novamente, (g.2.2) sistema de exequatur por delibação, em
que a observância da ordem pública e alguns outros requisitos é suficiente para
o reconhecimento e a execução da sentença estrangeira.
O
sistema de exequatur por delibação compreende as duas espécies de confirmação
necessárias para a execução de atos estrangeiros: 1º) o exequatur propriamente
dito, materializado mediante carta rogatória, nas hipóteses de execução de
decisões alienígenas interlocutórias, de caráter não definitivas; e 2º) a
homologação, materializada mediante ação própria, nas hipóteses de execução de
atos jurisdicionais não sujeitos a recurso, que encerram definitivamente o
litígio[5]. A carta rogatória é, ao menos em princípio, simples instrumento de
comunicação de atos processuais lavrado no bojo do processo em curso no Estado
requerente. Por outro lado, a homologação de sentença estrangeira é, em nosso
ordenamento, objeto de uma ação.
As
questões alusivas à delibação do ato jurisdicional estrangeiro são de mérito, e
não de admissibilidade, sendo o processo de homologação de sentença estrangeira
tipicamente contencioso, no qual se admite, inclusive, a tutela de urgência
(STJ SE 10.250). Pode ser proposto por qualquer pessoa interessada nos efeitos
da sentença estrangeira. O Ministério Público deve se manifestar na homologação
e no exequatur. O valor da causa é o da condenação imposta pela decisão
alienígena (STJ AgR-Pet 5.363)[6]. Já a prova do trânsito em julgado de sentença
estrangeira é matéria processual, que varia em cada país, não se podendo exigir
a mesma forma do direito brasileiro (STJ SEC 563). Ressalte-se que o trâmite de
processo semelhante na Justiça brasileira não inviabiliza a homologação da
sentença estrangeira (STJ SEC 6.069)[7], mas não se homologa sentença
estrangeiraenvolvendo questão já decidida pela Justiça brasileira, pouco
importando a circunstância de o pronunciamento não haver feito coisa julgada
(STJ SEC 819).
A
sentença estrangeira encontra-se apta à homologação quando atendidos todos os
requisitos previstos nos artigos 5º e 6º da Resolução 9, de 4 de maio de 2005, do Superior Tribunal
de Justiça: a) prolação por autoridade competente; b) terem sido as partes
citadas, seja no território prolator da decisão, seja no Brasil, mediante carta
rogatória, ou haver-se legalmente verificado a revelia; c) trânsito em julgado;
d) encaminhamento pela via diplomática ou chancela consular brasileira
acompanhada de tradução por tradutor oficial ou juramentado; e) ausência de
ofensa à soberania nacional ou à ordem pública.
O
Superior orienta-se no sentido de não haver ofensa à soberania nacional[8] ou à
ordem pública na homologação de sentença estrangeira proferida em processos de
jurisdição voluntária de confirmação de testamento ou de dissolução de
sociedade conjugal que disponham acerca de bens imóveis situados no Brasil. A
exclusividade da competência brasileira, prevista no artigo 89, inciso II, do
Código de Processo Civil, se dá apenas e tão somente nos casos de inventário e
partilha (actio familiae erciscundae) em que não houver composição entre as
partes ou em havendo acordo, restar dúvida quanto à sua consonância com a
legislação pátria (STJ SEC 4.913). Sem o acordo prévio a jurisprudência
considera inviável a homologação (STJ SEC 5822).
A
doutrina propõe uma distinção quadripartite relativamente ao conceito de ordem
pública: a) a ordem pública de primeiro grau seria aquela composta por normas
composta por normas de direito interno e que não podem ser afastadas pelas
partes (artigos 122 e 606 do Código Civil); b) a ordem pública de segundo grau
seria a que impede a aplicação de leis estrangeiras indicadas pelas regras de
conexão do direito internacional privado (artigo 17 da Lei de Introdução ao
Direito Brasileiro); c) a ordem pública de terceiro grau, por fim, consistiria
na proteção do ordenamento contra atos e decisões estrangeiros que reconhecem
direitos em casos concretos (artigo 6º da Resolução 9, de 4 de maio de 2005, do
Superior Tribunal de Justiça); d) a ordem pública de quarto grau, por fim,
determinaria obrigações às soberanias que compõem a comunidade
internacional[9].
A
ação de homologação de sentença estrangeira produz efeito de coisa julgada,
sendo possível sua desconstituição mediante ação rescisória. Nesse caso, a ação
rescisória visa desconstituir apenas a sentença de homologação, e não a
sentença estrangeira homologada, que não é rescindível pela justiça brasileira.
Registre-se, contudo, a existência de sentenças estrangeiras que sequer precisam
ser homologadas, porquanto geram efeitos atípicos. É o caso das que servem como
prova documental de um fato; como norma, produzindo efeitos gerais e abstratos;
como título, autorizando o exercício de um direito ou a propositura de uma
ação; ou das que possuem efeitos que não são próprios das nacionais, como
ocorre com a sentença estrangeira condenatória por crime doloso, passível de
extradição segundo a lei brasileira. Também constitui exceção à obrigatoriedade
de homologação das sentenças estrangeiras a previsão constante na Convenção
Interamericana sobre Obrigação Alimentar (1989), promulgada pelo Decreto
2.428/1997, segundo a qual as sentenças estrangeiras sobre obrigação alimentar
terão eficácia extraterritorial nos Estados Partes, uma vez preenchidos todos
os requisitos os documentos de comprovação indispensáveis para a solicitação de
seu cumprimento.
O
reconhecimento não deve ser confundido com a homologação da sentença
estrangeira. Havendo a homologação, haverá o reconhecimento da sentença estrangeira,
mas a recíproca não é verdadeira. O reconhecimento pode decorrer apenas da lei
(artigo 15 da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro); outorgado por ato
administrativo, como ocorre nos casos de transferência de condenados (STJ SE
5.269); ou consubstanciado em uma decisão judicial, a título de homologação,
nas hipóteses do artigo 483 do Código de Processo Civil[10].
1] PEREIRA, Marcela Harumi Takahashi. Dos casos em
que é desnecessário homologar uma sentença estrangeira. In: Revista de
Informação Legislativa, ano 46 n. 184 out./dez. 2009, pp. 48-49.
[2] PEREIRA, Dos casos…, p. 48.
[3] BELTRAME, Adriana. Reconhecimento de sentenças
estrangeiras. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2009, p. 50 e pp. 63-66
[4] SOARES, Boni de Moraes. Juízo de prelibação no
direito processual internacional. Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário de Brasília. 2010. 222 f, pp.
54 e seguintes.
[5] SOARES, Juízo de prelibação... p. 59.
[6] O fato de a sentença estrangeira conter condenação
em moeda estrangeira não fere o artigo 318 do Código Civil ou o
Decreto-lei 857/1969, e não impede a
homologação. Ao interessado caberá, no momento próprio, durante a execução da
sentença estrangeira no Brasil, postular o que for de direito a respeito da
conversão da moeda estrangeira em reais (STJ SEC 6069).
[7] Nesse sentido, já se decidiu que o simples
ajuizamento de ação revisional no Brasil em relação à guarda, ao regime de
visitas e aos alimentos fixados, por si, não inviabiliza o processamento do
pedido de homologação de sentença estrangeira que cuida dos mesmos temas (STJ
SEC 5597).
[8] Tome-se como exemplo de ofensa à soberania
nacional eventual cabimento de homologação de sentença estrangeira que obsta a
instauração ou o prosseguimento de qualquer ação executiva contra o falido,
porquanto restringe a jurisdição brasileira (STJ SEC 1735).
[9] SOARES, Juízo de prelibação... pp. 76-79.
[10] PEREIRA, Dos casos…, p. 51.
Por
Aldo de Campos Costa
Fonte
Consultor Jurídico