É
inválida a renúncia ao bem de família pelo devedor em casos diversos daqueles
expressamente admitidos pela Lei 8.009/1990. Com esse argumento, a 14ª Câmara
de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, por maioria, impediu a
penhora da propriedade de um empresário que ofereceu a própria casa para ser
penhorada.
No
caso, o empresário era garantidor de uma operação de sua empresa junto ao
banco. Como não pagou, foi executado e ofereceu sua própria casa para ser
penhorada. A casa então foi penhorada, avaliada e enviada a leilão.
Diante
da situação, o empresário entrou na Justiça para não ter seu único imóvel
expropriado, que serve de residência dele e de sua família, pedindo para que
fosse reconhecido o bem de família e se tornasse impenhorável a casa. O
empresário foi representado pelo advogado Gabriel Hernan Facal Villarreal,
sócio do escritório Creuz e Villarreal Advogados Associados.
Na
ação, o advogado destacou que a jurisprudência consagra o instituto do bem de
família, “protegendo-o de quaisquer constrições indevidas, privilegiando a
entidade familiar e a dignidade humana acima de qualquer direito creditório
porventura existente”.
O
empresário explica que, passando por dificuldades financeiras, a sociedade da
qual fazia parte foi obrigada a renegociar dívidas com instituições financeiras
e fornecedores. Ao negociar com o Banco Alvorada, sofreu a imposição de que
prestasse garantia por meio de seus sócios, sendo exigido do empresário que
oferecesse o bem imóvel à penhora. “Foi exigido que renunciasse a qualquer
questionamento acerca do bem de família, em clara e frontal violação às
garantias constitucionais que permeiam a dignidade da pessoa humana”, observa o
advogado.
A
defesa do empresário citou ainda que o Superior Tribunal de Justiça pacificou o
entendimento de que a impenhorabilidade do bem de família constitui direito
irrenunciável, por se tratar de norma de ordem pública, prevalecendo inclusive
em casos nos quais porventura o devedor tenha oferecido o bem à penhora.
A
tese do advogado Gabriel Villarreal foi acolhida em primeira instância. O juiz
Ademir Modesto de Souza, da 8ª Vara Cível de São Paulo, considerou que,
“inexistindo prova de que a dívida contraída por sociedade beneficiou a família
dos sócios, tem-se como inválida da penhora, não implicando o oferecimento do
imóvel em garantia como renúncia à proteção legal conferida ao bem de família”,
e citou jurisprudência do STJ no mesmo sentido.
O
Banco Alvorada recorreu da decisão e, em decisão monocrática da desembargadora
Ligia Araújo Bisogni, da 14ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, deu razão à
instituição financeira. Em sua decisão, a desembargadora afirmou que, “tendo o
devedor deliberado assegurar o cumprimento da obrigação assumida na confissão
de dívida, oferecendo à penhora o questionado imóvel, não pode, agora,
pretender, contra a sua vontade livremente manifestada, a impenhorabilidade do
bem, beneficiando-se da própria torpeza e em detrimento do princípio da boa-fé
objetiva”.
A
desembargadora afirma ainda que, “além de não ter comprovado que o bem dado em
garantia constitui, de fato, seu único bem, estando assim protegido pela citada
lei, o agravado era sócio da empresa executada e, portanto, inegável que o
proveito obtido pela pessoa jurídica reverteu em prol dele mesmo e de sua
família”.
O
empresário interpôs Agravo Regimental, que foi analisado pela Turma e
conseguiu, mais uma vez, reverter a decisão. Para a maioria da Turma, a
jurisprudência tem entendido que é inválida a renúncia ao bem de família pelo
devedor, em casos diversos daqueles expressamente admitidos pela Lei
8.009/1990. “O STJ tem garantido aplicação ampla da impenhorabilidade do bem de
família. Sua 4ª Turma, em decisão recente, esclareceu que, ainda que o bem
fosse indicado a penhora pelo próprio devedor, situação equivalente ao caso em
questão, isso não implicaria renúncia ao beneficio da impenhorabilidade,
porquanto a instituição do bem de família constitui princípio de ordem pública,
que prevalece sobre a vontade manifestada”, explicou a Turma, citando o
julgamento pela 4ª Turma do STJ do Recurso Especial 875.687, sob relatoria do
ministro Luís Felipe Salomão.
Segundo
o acórdão, “afora essas hipóteses, a renúncia ao bem de família não deve ser
permitida, sob pena de autorizar ao credor, valendo-se de sua condição e para
compelir o devedor ao pagamento, o exercício de seu direito contra princípios
basilares do ordenamento jurídico. Seria permitir, por vias transversas, a execução
de forma mais onerosa ao devedor; seria conceder a qualquer pessoa o direito de
burlar princípios de ordem pública”.
O
artigo 3º da Lei 8.009/1990 diz que o bem de família é impenhorável em qualquer
processo, exceto em sete ocasiões: em razão dos créditos de trabalhadores da
própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; pelo
titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à
aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função
do respectivo contrato; pelo credor de pensão alimentícia; para cobrança de
impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do
imóvel familiar; para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como
garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; por ter sido adquirido com
produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento,
indenização ou perdimento de bens; e por obrigação decorrente de fiança
concedida em contrato de locação.
Com
isso, a Turma entendeu que a decisão de primeira instância deve prevalecer,
cancelando a penhora da casa. A desembargadora relatora Lígia Araújo Bisogni
manteve seu voto e foi vencida. Os demais desembargadores seguiram o voto do
desembargador Melo Colombi.
Para
ler o acórdão - http://s.conjur.com.br/dl/acordao-bem-familia-impenhoravel.pdf
Para
ler a decisão monocrática - http://s.conjur.com.br/dl/decisao-monocratica-bem-familia.pdf
Para
ler a sentença - http://s.conjur.com.br/dl/sentenca-bem-familia-impenhoravel.pdf
Por
Tadeu Rover
Fonte
Consultor Jurídico