A
relação contratual entre advogado e cliente tende a ser pacífica e cordial, já
que ambos têm interesses comuns envolvidos. Contudo, nem sempre é assim. Quando
a confiança recíproca entre esses dois personagens fica abalada, devido à falha
de um deles, podem surgir conflitos e até mesmo novas ações judiciais.
Diversos
casos chegaram até o Superior Tribunal de Justiça que destaca, em suas
decisões, que a boa-fé objetiva deve ser adotada como regra de conduta e que a
obrigação assumida pelo advogado não é com o resultado da ação.
De
modo geral, as obrigações do advogado consistem em defender o cliente em juízo
e orientá-lo com conselhos profissionais. Em contrapartida, este deve
recompensar o profissional (exceto o defensor público) com remuneração
compatível com o trabalho e o valor econômico da causa; muitas vezes,
independentemente do êxito no processo.
As
relações contratuais entre clientes e advogados são regidas pelo Estatuto da
Advocacia, instituído pela Lei 8.906/94. O mesmo se aplica a advogados com
vínculo empregatício.
Boa-fé objetiva
De
acordo com a ministra Nancy Andrighi, da 3ª Turma do STJ, para que a relação
entre advogado e cliente não seja fonte de prejuízo ou decepção para um deles,
a boa-fé objetiva deve ser adotada como regra de conduta, pois tem a função de
criar deveres laterais ou acessórios, que servem para integrar o contrato
naquilo em que for omisso.
Além
disso, “é possível utilizar o primado da boa-fé objetiva na acepção de limitar
a pretensão dos contratantes quando prejudicial a uma das partes”, acrescenta
(Recurso Especial 830.526).
Obrigação de meio
O
ministro Luis Felipe Salomão considera que a obrigação assumida pelo advogado,
em regra, não é de resultado, mas de meio, “uma vez que, ao patrocinar a causa,
obriga-se a conduzi-la com toda a diligência, não se lhe impondo o dever de
entregar um resultado certo”.
Em
março de 2012, a 4ª Turma discutiu a possibilidade de condenação de advogado ao
pagamento de indenização por dano moral ao cliente, em razão de ter perdido o
prazo para interpor recurso especial.
No
caso julgado, o advogado foi contratado para interpor recurso em demanda
anterior (relativa ao reconhecimento de união estável), mas perdeu o prazo. Na
ação de indenização, a cliente afirmou que a falha do profissional lhe trouxe
prejuízos materiais e ofendeu sua honra.
Negligência
O
juízo de primeiro grau julgou o pedido improcedente. Entretanto, o Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro reformou a sentença para conceder à autora o direito
de receber a reparação pelos danos materiais, correspondente aos valores pagos
ao advogado. Em seu entendimento, o profissional agiu com negligência, mas não
ofendeu a dignidade da cliente.
Para
Salomão, relator do recurso especial, é difícil prever um vínculo claro entre a
negligência do profissional e a diminuição patrimonial do cliente. “O que está
em jogo, no processo judicial de conhecimento, são apenas chances e incertezas
que devem ser aclaradas em juízo de cognição”, mencionou.
Isso
quer dizer que, ainda que o advogado atue de forma diligente, o sucesso no
processo judicial não depende só dele, mas também de fatores que estão fora do
seu controle.
Perda da chance
Nesse
contexto, Salomão mencionou a teoria da perda de uma chance, que busca
responsabilizar o agente que causou a perda da possibilidade de se buscar
posição mais vantajosa — que muito provavelmente seria alcançada, se não fosse
pelo ato ilícito praticado.
Segundo
o ministro, no caso de responsabilidade do advogado por conduta considerada
negligente, e diante da incerteza do sucesso, a demanda que invoca a teoria da
perda da chance deve ser solucionada a partir de uma análise criteriosa das
reais possibilidades de êxito do cliente, eventualmente perdidas por culpa do
profissional.
Para
ele, o fato de o advogado ter perdido o prazo para contestar ou interpor
recurso não resulta na sua automática responsabilização civil com base na
teoria da perda de uma chance, como na hipótese. A Turma negou provimento ao
recurso especial (REsp 993.936).
Aproveitamento indevido
Ocorre
lesão quando um advogado, aproveitando-se da situação de desespero da parte,
firma contrato no qual fixa remuneração ad exitum (quando o pagamento só é
feito se a decisão for favorável à parte contratante) em 50% do ganho econômico
da causa. Com esse entendimento, a 3ª Turma do STJ reduziu para 30% os
honorários fixados em ação que buscava o pagamento de pensão por morte.
Com
a vitória na ação, a autora recebeu R$ 962 mil líquidos. Desse montante, pagou
R$ 395 mil (41%) aos dois advogados contratados, que já tinham levantado R$ 102
mil de honorários de sucumbência.
Descontentes
com a porcentagem de 51% da causa (incluídos os honorários de sucumbência), os
advogados decidiram ingressar em juízo para receber mais R$ 101 mil da cliente,
pois, segundo eles, o valor pago não era compatível com o contrato. Em
contrapartida, a autora moveu uma ação contra ambos.
O
juízo de primeiro deu razão aos advogados. Para o magistrado, o contrato foi
firmado de forma livre e consciente, “no pleno exercício da sua autonomia
privada”. Na apelação, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal afirmou que os
contratos de serviços advocatícios são amparados pelo Código de Defesa do
Consumidor (CDC) e possuem cláusulas livremente pactuadas pelas partes.
CDC
Contrariando
a decisão do TJ-DF, a ministra Nancy Andrighi, que proferiu o voto vencedor no
STJ, afirmou que a jurisprudência da corte é pacífica no sentido de que o CDC
não pode ser aplicado à regulação de contratos de serviços advocatícios. “A
causa deverá ser julgada com base nos dispositivos do Código Civil”, disse.
Após
verificar as peculiaridades do caso, como a baixa instrução da cliente, a sua
condição de necessidade econômica no momento da contratação e o alto valor do
crédito, ela chegou à conclusão de que os advogados agiram de forma abusiva.
Eles propuseram o contrato a uma pessoa em situação de inferioridade, cobrando honorários
no percentual máximo permitido pelo Código de Ética e Disciplina da Ordem dos
Advogados do Brasil.
“Há
claro exagero na fixação dos honorários e, portanto, também o requisito
objetivo da lesão se encontra presente”, afirmou. Com base no artigo 187 do
Código Civil, Andrghi entendeu que, ainda que seja direito dos advogados, em
princípio, celebrar um contrato quota litis no percentual de 50%, no caso
específico houve abuso desse direito (REsp 1.155.200).
Danos morais
Em
março de 2013, a 3ª Turma do STJ julgou o recurso de um advogado, condenado a
pagar indenização por danos morais ao cliente, porque teria mentido para ele e
para a OAB.
O
profissional foi contratado para propor ação na qual se buscava o pagamento de
diferenças salariais. Após quase 20 anos, ao ser procurado pelo cliente,
afirmou que não tinha patrocinado nenhuma demanda judicial em nome do autor.
Além disso, perante a OAB, negou o recebimento da procuração e o ajuizamento da
ação.
No
entanto, a nova advogada contratada descobriu que a ação havia sido
efetivamente ajuizada, processada e julgada improcedente, perdendo inclusive
nos recursos interpostos para os tribunais superiores.
Mentira indenizável
Diante
disso, o cliente moveu ação indenizatória por danos morais, em razão da humilhação
e do desgosto causados pela mentira do advogado. Condenado a pagar R$ 15 mil de
indenização, o advogado recorreu ao STJ, sustentando a prescrição quinquenal,
além da improcedência da ação, porque, segundo ele, não havia prova do dano
suportado pelo cliente e do nexo de causalidade.
De
acordo com o ministro Sidnei Beneti, relator do recurso especial, como na
hipótese o dano moral tem caráter de indenização, de reparação de danos, deve
ser aplicado o prazo de prescrição vintenária.
Em
relação à questão fática, o ministro afirmou que as conclusões das instâncias
ordinárias não poderiam ser alteradas pelo STJ, conforme orienta a Súmula 7 do
tribunal. A Turma manteve a decisão de segunda instância (REsp 1.228.104).
Vínculo empregatício
Em
alguns casos, o advogado é submetido à relação de emprego. Muitos profissionais
são vinculados a empresas. Mesmo nesses casos, a 4ª Turma entende que não há
submissão do advogado ao poder diretivo do empregador e este, por consequência,
não se responsabiliza pelas ofensas feitas pelo profissional em juízo.
“O
advogado, ainda que submetido à relação de emprego, deve agir em conformidade
com a sua consciência profissional e dentro dos parâmetros técnicos e éticos
que o regem”, afirmou o ministro Luis Felipe Salomão.
Para
o desembargador Rui Stoco, “embora o advogado esteja representando quem o
contratou e constituiu e fale em juízo em nome da parte, a responsabilidade por
eventual abuso ou excesso de linguagem é sua e não do cliente” (Tratado de
Responsabilidade Civil).
Ofensa
No
caso julgado pela 4ª Turma, um juiz moveu ação contra o Banco do Estado do
Espírito Santo, alegando ter sido vítima de abuso e violência pela conduta de
um segurança da instituição, quando tentou entrar numa agência. Segundo ele, ao
apresentar a defesa, o advogado do banco o ofendeu e o acusou de ter abusado de
sua autoridade.
O
magistrado moveu nova ação contra o banco. Em primeira instância, este foi
condenado a pagar ao autor indenização por danos morais, fixada em dez vezes o
valor dos vencimentos brutos que ele recebia como juiz de direito. Contudo, o
Tribunal de Justiça do Espírito Santo reformou a sentença, pois reconheceu a
ilegitimidade da instituição bancária para responder pelos atos do advogado.
No
STJ, o ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso especial, votou pelo
afastamento da ilegitimidade do banco, reconhecida pelo TJ-ES. “Na hipótese em
que o advogado defende os interesses de seu empregador, ambos respondem
solidariamente pelos atos praticados pelo causídico, cabendo, conforme o caso,
ação de regresso”, afirmou.
Divergência
Entretanto,
o ministro Fernando Gonçalves divergiu do entendimento do relator e seu voto
foi acompanhado pela maioria dos ministros. Ele citou precedente do STJ,
segundo o qual, “a imunidade profissional garantida ao advogado pelo Estatuto
da Advocacia não alberga os excessos cometidos pelo profissional em afronta à
honra de qualquer das pessoas envolvidas no processo” (REsp 357.418).
Gonçalves
mencionou que, para o relator, a tese do precedente citado só valeria para atos
praticados por advogado em defesa de um cliente da advocacia liberal, não se
referindo àquele que atua com vínculo empregatício.
“Mesmo
em se tratando de advogado empregado da instituição financeira, sua
responsabilidade por eventuais ofensas atribuídas em juízo há de ser pessoal,
não se cogitando de preposição apta a ensejar a responsabilidade do
empregador”, concluiu (REsp 983.430).
Com
informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
Fonte
Consultor Jurídico