Rotineiramente a Administração Pública
desrespeita uma ou mais exigências em relação ao teste físico em concursos públicos,
causando lesão ao direito dos participantes.
Inúmeros concursos públicos exigem, dentre
outros requisitos, a comprovação de que o candidato possua certo grau de aptidão
física. De pronto, é importante ressaltar que o certame pode impor esta exigência,
mas para que ela seja legal faz-se indispensável que tal obrigação atenda a três
específicas situações.
Em primeiro lugar, é preciso que essa exigência
conste expressamente na lei de criação do cargo; em segundo lugar, que conste
de modo literal no edital do referido concurso; e em terceiro lugar, que tenha
pertinência com o exercício eficiente das atribuições do cargo.
Rotineiramente a Administração Pública
desrespeita uma ou mais dessas exigências, causando lesão ao direito dos
participantes. É salutar expor que estas exigências devem ser obedecidas
concomitantemente, não cabendo, portanto, o descumprimento de qualquer delas.
A primeira obrigação a ser obedecida, que é exigir
teste de aptidão física apenas e tão somente se a lei assim dispuser, é deliberada
e rotineiramente descumprida pela Administração Pública. Nossos tribunais já consolidaram
posicionamento sobre essa situação, dizendo que é peremptoriamente ilegal
apresentar exigências práticas e editalícias sem o devido amparo legal.
Neste sentido encontra-se a jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal (STF), que no AI-AgR nº 662320, da Relatoria do
Ministro EROS GRAU, decidiu que "somente lei formal pode impor condições
para o preenchimento de cargos, empregos ou funções públicas." Em reforço,
cita-se o RE-AgR 558833, tendo como relatora a Ministra Ellen Gracie, no qual
ficou decidido que "a exigência de experiência profissional prevista
apenas em edital importa em ofensa constitucional".
A segunda obrigação a ser obedecida pelas
bancas de concurso público, que claro deve ser somada à primeira, determina que
uma exigência concursal só pode existir se constante expressamente no edital de
convocação do certame.
Nesse sentido, o STF já decidiu, no
julgamento do RE-AgR 567859 (Rel. Ministro Gilmar Mendes), ser obrigatória a
previsão legal e editalícia de um determinado exame em concurso público. Isto não
deixa de ser algo óbvio, mas não é raro que a Administração se descuide de
observar o que consta no próprio Edital.
Adentrando-se à terceira exigência, por
vezes descumprida pela Administração Pública, deve-se considerar inadequada a
exigência que, a despeito de prevista em lei e no edital do certame, não possua
relação com o exercício profissional do cargo almejado.
O Supremo Tribunal Federal também não se
omitiu sobre esta situação e firmou posição dizendo que é ilegal tal conduta. A
título exemplificativo, cita-se o Mandado de Segurança 29893, da relatoria do
Ministro Gilmar Mendes, que diz que "a Lei ao estabelecer a necessidade de
realização de ‘provas’ para ingresso no MPU (...) permitiu que elas fossem
elaboradas de acordo com a natureza e complexidade de cada cargo, o que atende
de forma direta aos ditames constitucionais (art. 37, II, da CF)."
Esse terceiro requisito é o mais sensível
porquanto demanda a compatibilização do exercício do cargo com a necessidade de
se fazer prova de esforço físico e ainda a mensuração desse esforço com a
realidade do exercício do cargo.
Assim, ressalta-se que não basta exigir um
certo grau de condicionamento físico, faz-se indispensável também demonstrar a
relação desse condicionamento com o exercício profissional.
No que tange à primeira parte, ou seja, à necessidade
de possuir certo grau de condicionamento físico, vê-se rotineiramente
ilegalidade sendo praticadas, uma vez que muitos certames exigem esforço físico
para aprovação, mas o exercício das atribuições normais do cargo, no dia-a-dia,
não necessita daquela capacidade física exigida.
Além disso, não é incomum encontrar concursos
públicos exigindo legalmente teste de aptidão física, mas com nível de esforço
físico desarrazoado e desproporcional para o exercício normal do cargo em
comento. Este tipo de exigência também se afigura imprópria.
Neste sentido tem-se a basilar decisão
proferida no Recurso Extraordinário 344833, tendo como relator o Ministro Sepúlveda
Pertence, na qual está dito que a "decisão que não negou a necessidade do
exame de esforço físico para o concurso em causa, mas considerou exagerado o
critério adotado pela administração para conferir a tal prova, sem base legal e
científica, o caráter eliminatório: inexistência de afronta ao art. 37, I, da
Constituição, que assegura que ‘os cargos, empregos e funções públicas são
acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei,
assim como aos estrangeiros, na forma da lei’ e falta de prequestionamento dos
artigos 2º e 5º, caput, da Constituição (Súmula 282)."
Além destas situações merecedoras de atenção,
é pertinente apresentar também que, em determinadas situações, deve ser
aplicada de modo diferenciado as provas de aptidão física – por exemplo, nas
situações adversas, imprevisíveis e excepcionais, tais como gravidez, lesão,
acidente e doença.
Sobre o tema, apresentam-se dois relevantes
julgados do Supremo Tribunal Federal. O primeiro é o proferido no Recurso
Extraordinário 351142, da relatoria da Ministra Ellen Gracie, onde consta que "com
fundamento no princípio da isonomia, a candidata acometida de lesão muscular
durante o teste de corrida pode realizar as demais provas físicas em outra data."
Outra decisão do Supremo Tribunal Federal
sobre o mesmo ponto e no mesmo sentido, proferida no RE-AgR 376607 (Rel. Ministro
Eros Grau), diz que "Permitir que a agravada realize o teste físico em data
posterior não afronta o princípio da isonomia nem consubstancia qualquer espécie
de privilégio. A própria situação peculiar na qual a agravada se encontrava
requeria, por si só, tratamento diferenciado."
Pelo apresentado é indubitável o fato de que
a Administração Pública pode exigir teste de aptidão física em concurso público,
mas esse não pode se descurar da obediência à disposição legal e editalícia e
também da pertinência dessa aptidão física, bem como do grau da aptidão, com o
exercício das atribuições do cargo no dia-a-dia. Além disso, é necessário
respeitar situações imprevistas, tais como doença, lesão e gravidez.
Se a Administração doutro modo agir, por
certo está a praticar ilegalidade contra o candidato, o que deve ser repelido
com o instrumento judicial cabível.
Por Marcos César Gonçalves
Fonte JusNavigandi