A
vida prática das carreiras jurídicas certamente impõe uma série de desafios ao
profissional do direito, demandando interrelação entre as esferas do
conhecimento teorético, filosófico, científico e o conhecimento adquirido com a
velocidade de respostas reclamada pela realidade que, acumulado, se condensa na
experiência particular e profissional.
Some-se
a responsabilidade pessoal e social envolvida, de todas as ordens: moral,
partrimonial, coletiva, filosófica, científica, inter e transgeracional, e,
ainda, a vinculação às tradições, a serem renovadas em seu horizonte de sentido
pelo espírito criativo que marca a temporalidade e as conjunturas do acréscimo
das novas combinações de sentido inseridas no corpo de significados
estabelecido.
A
realidade se apresenta, assim, multicausal e multifacetada, razão pela qual
conhecimentos nunca são exaurientes, bastantes para comportá-la, reduzindo-se,
pela operação da linguagem, seus elementos a esboços sucessivos de suas
mudanças, de onde se pode retirar sentido para efetivar alguns recortes e
campos de ação. Essa característica, todavia, em hipótese alguma nega o
conhecimento, sua busca e sua constante reelaboração.
Como
uma imagem que emula o objeto, favorecem-se ou elementos gráficos, ou massas de
luz, ou seja, um elemento constitutivo ou outro, tentando-se aproximar a
representação do representado, sem, contudo, superar a diferença entre um e
outro, ontologicamente intransponível.
Inobstante
a inacaptabilidade absoluta, o fluxo do tempo social, feito pelos homens e pelo
encadeamento de suas ações, imprime o dever de prosseguimento, razão pela qual
a marcha segue adiante carregando as pessoas e as coisas, movendo-lhes e
demandando-lhes movimento. Os sujeitos que conhecem não podem simplesmente
parar a tentativa de conhecer, sob pena de inanição; essa premissa, ao menos,
para a vida prática, que é o campo da produção da vida social e individual.
Somado
a esse inevitável déficit de conhecimento, que não pode se estagnar ante o
abismamento do real, uma dimensão sempre presente de ausência de apresentação,
que se desvela aos poucos e parcialmente, havendo causas e motivos que, muitas
vezes, sequer se consegue presumir, e que seriam determinantes para uma
compreensão mais ajustada e sensível do ponto de enfoque em determinada
situação.
Esse
tateamento inevitável – no sentido de uma percepção de rugosidades mais ou menos
grosseiras, mais ou menos vislumbráveis, cognoscíveis – se condensa com mais
força do que um posicionamento de certeza e segurança.
Embora
as expectativas todas ante o direito (aliás, uma de suas razões de ser) se
manifestem em torno das certezas, epistemicamente o campo é repleto do orbe das
dúvidas, razão pela qual a humildade e o equilíbrio são características de
posicionamento primeiro ante o cenário de estímulos jurídicos.
Há
mais perguntas do que respostas, e mais vazados do que preenchidos.
Para
o prosseguimento do fluxo, um certo encobrimento dessa característica é
necessário, revestindo-se de aparências que conformam e sustentam o processo de
continuidade sem as interrupções da adequação da segurança. As construções, por
força do tempo social, não podem ser feitas com o tempo que lhes deveria ser
fornecido para construí-las com as acumulações devidas. Correções e
aproximações são necessárias.
A
continuidade imperativa implica em cortes mais ou menos abruptos que tocam as
coisas adiante, e a função normativa prévia dá os contornos que viabilizam o
desdobramento deste imenso edifício em reiterada construção que se condensa no
fenômeno nominado direito.
Por
isso tudo, o cotidiano criativo se reveste de uma série de dimensões de
habilidades para lidar com essa dinâmica própria. A construção dos casos a
serem levados ao Juízo e a administração dos feitos quando em curso requerem
uma diligência constante com aspectos da realidade e do direito, sem o que as
coisas se perderiam no tempo e no espaço.
Os
cuidados, assim, dependem do argumento certo, da hora certa de se posicionar,
da estratégia mais adequada para a tutela do direito subjetivo em jogo. Ao
mesmo tempo, muitos movimentos se fazem ao exterior das tentativas de controle,
e a tentativa de dirigismo legítimo destes procedimentos reforça o esforço da
marcha adiante, sendo o resultado final a forma consequente deste variado ritmo
de forças diversas. Misturam-se intenção e acaso, que é o oculto da intenção
alheia desconhecida.
O
contato inicial com o problema, conforme relato e documentação, insere novas
lâminas de sentido, e inicia o tônus investigativo que se projeta sobre o corpo
normativo, firmando-se por meio da busca dos textos e nos textos,
concatenando-se feixes de leitura e de redação.
O
desvelamento legal, as interações dos pensadores e intérpretes da lei, a
vinculação dos preceitos e as soluções jurisprudenciais formam um universo na
busca de explicação e organização dos fatos similares envolvidos em torno do
campo semântico das categorias.
As
camadas de linguagem e interpretação se acumulam em contextos de comunicação,
firmando-se compreensões e interagindo diferentes agentes sociais na tentativa
da consecução do objetivo final do resultado prático do processo e obtenção dos
direitos pretendidos ou, ainda, resolução adequada da conjuntura destes.
A
administração do processo, com diferentes interações com os órgãos incumbidos,
assim, se apresenta como um complexo arranjo em que transitam diferentes
pessoas cumprindo missões igualmente importantes para o atingimento final.
Conjuntamente a isso, as relações interpessoais marcando também o movimento
interior e exterior do processo, envolvido na vida social dos agentes
profissionais.
É
nesse complexo de pessoas, linguagem, leituras e tempos cruzados e alinhavados,
em sucessivos influxos de passado e futuro, que o direito se constrói, e que a
vida prática não pode prescindir dos aportes teóricos. Nos jogos de luzes e
sombras, a reflexão e o olhar preocupado traçam o tateamento de respostas,
sempre provisórias, sempre parciais, mas inevitavelmente necessárias para a
continuidade da construção da vida.
Por
Eliseu Raphael Venturi
Fonte
Âmbito Jurídico