Os
juízes dos tribunais americanos poderiam alegar que já viram de tudo no
trabalho. Menos uma petição — na qualidade de amicus curiae — escrita em
formato de história em quadrinhos. O advogado Bob Kohn ficou inconformado com a
ordem de uma juíza federal de Manhattan para reduzir o sua apresentação de 93
para cinco páginas. Mas um ditado popular o socorreu: "Uma imagem vale
mais que mil palavras".
Essa
foi a explicação que Kohn deu ao blog Media Decoder, do jornal The New York
Times. Segundo o blog e o jornal da ABA (American Bar Association), o advogado
se meteu em uma briga de gigantes: Amazon versus Apple e cinco outras editoras.
A disputa em questão era o preço dos livros eletrônicos (e-books). A Apple e as
editoras alegaram que a Amazon estava tentando dominar o mercado, praticando
preços abaixo do custo: US$ 9,99, enquanto a Apple e as editoras queriam cobrar
de US$ 12,99 a US$ 14,99.
Mas
a briga do advogado não foi exatamente com uma das partes. Foi com o
Departamento de Justiça dos EUA, que teria forçado um acordo entre as partes,
favorecendo a Amazon. Muitos creditam isso a um fato que não está explícito no
processo, mas que irritou muitos americanos: a Amazon tomou, há algum tempo,
uma decisão que favoreceu tremendamente o governo americano: tirou do ar o site
que arrecadava fundos para a Wikileaks, que publicou milhares de documentos que
criaram constrangimentos para os EUA em todo o mundo.
O
Departamento de Justiça deu seu passo na dança e acusou a Apple e as editoras
de conspirarem para aumentar os preços dos e-books. A narrativa do Departamento
de Justiça, digna de uma novela sobre crimes do colarinho branco, segundo o
Media Decoder, descreve encontros furtivos de executivos da Apple e das
editoras em salas secretas de um dos restaurantes mais sofisticados de Nova
York, para conspirar contra a Amazon. A narrativa descreve detalhes como o de
os executivos terem combinado deletar duplamente os e-mails que trocassem entre
eles, para não deixar pistas.
A
Amazon já teve uma fatia de 90% do mercado de e-books. Hoje tem cerca de 60%.
A
história em quadrinhos cumpre, segundo o autor, que a chama de "novelette
gráfica", as regras estabelecidas pelo tribunal. Elas requerem, por
exemplo, que as letras tenham corpo 12 ou maior e que as margens tenham pelo
menos uma polegada. A petição começa e termina como um documento comum. Apenas
o arrazoado — jurídico ou nem tanto — se desenrola no formato de história em
quadrinhos.
O
primeiro quadrinho mostra a juíza Denise Cote estabelecendo o limite de cinco
páginas para o amicus curiae. Na sequência, Kohn tentar escrever o seu
arrazoado em casa, sentado na cama, usando seu laptop. Mais tarde, sua filha
entra no quarto e pergunta no que está trabalhando. "Estou tentando
explicar por que a lei da oferta e da procura não funciona normalmente na
definição de preços de e-books", ele explica. Embaixo, no quadrinho, as
duas palavras oferecem uma referência a um dos casos que, segundo ele, devem
ser examinados pelas autoridades.
Na
verdade, é perceptível uma dose de sarcasmo na solução encontrada pelo
advogado. Uma delas se refere a uma reação costumeira — e um tanto agressiva —
dos americanos: quando alguém não entende o que dizem ou escrevem, reagem
dizendo "OK, eu vou desenhar para você". Ele também anota que até sua
filha, uma adolescente, que diz "eu não sou advogada, mas...", parece
entender facilmente o que as autoridades do Departamento de Justiça não
conseguem.
Por
João Ozorio de Melo
Fonte
Consultor Jurídico