O que acontece quando se fica inadimplente e como sair dessa situação buscando condições melhores para as suas dívidas
Na renegociação é possível pedir juros menores, prazos maiores ou descontos à vista
Ter dívidas em atraso pode deixar qualquer pessoa aflita e até envergonhada. Mas todos estão sujeitos a percalços financeiros que levem à inadimplência e até a um "nome sujo" na praça. Para solucionar o problema é preciso não só se reorganizar financeiramente, como também ir atrás de uma reestruturação da dívida. Veja a seguir 12 respostas essenciais para entender a inadimplência e fazer da renegociação das dívidas em atraso um sucesso:
1. Inadimplência é crime?
Ter uma dívida em atraso não é crime na maioria dos casos, não podendo, por exemplo, levar o devedor à prisão. O máximo que pode acontecer, e que já é ruim o bastante, é seu nome ser incluído em um cadastro de inadimplentes, como aqueles mantidos pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e pela Serasa. Atrasos em pagamentos de financiamentos imobiliários e de mensalidades de escolas e faculdades, porém, não podem motivar a inclusão do CPF em um cadastro de inadimplentes.
Além dos cadastros privados, pessoas com dívidas em atraso com estados, municípios e a União podem ser incluídas na dívida ativa de cada uma dessas três esferas. O Banco Central também mantém listas desse tipo, o Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundo (CCF) e o Sistema de Informações de Crédito (SCR).
Pode haver prisão, porém, por atraso da pensão alimentícia ou fraude. No caso do Imposto de Renda, por exemplo, o atraso é sujeito à multa. Mas se ficar provado que o contribuinte sonegou seus impostos deliberadamente, ele pode ir para trás das grades, embora isso seja raro.
2. O que acontece quando fico com o “nome sujo”?
Quando seu CPF passa a constar em um cadastro de inadimplentes – o que pode ocorrer a qualquer momento a partir do primeiro dia de atraso – as instituições financeiras podem, após consulta, se recusar a conceder-lhe crédito. Além de ficar sem acesso a novos empréstimos e financiamentos, você não poderá mais ser avalista ou locatário de imóveis e pode ter suspensa a emissão de talões de crédito e linhas de crédito como cheque especial. A exceção fica por conta de um possível cartão de crédito que ainda esteja dentro do limite e pago em dia.
Negativado, você também fica sujeito a sofrer uma cobrança judicial, podendo ter até certos bens penhorados. A cobrança judicial é menos comum quando a dívida é com uma instituição financeira ou qualquer outra empresa privada, que só costumam entrar com ação na Justiça quando o débito é realmente vultoso. De qualquer forma, este é um risco. Lembrando que, ao financiar um imóvel ou carro com alienação fiduciária, ou mesmo fazer um empréstimo com esses bens em garantia, o devedor se compromete a devolver o bem caso não consiga mais pagar as parcelas.
3. Quais bens não podem ser penhorados?
Segundo o Código de Processo Civil, se o credor entrar com uma ação judicial de cobrança, não poderão ser penhorados:
- O salário do devedor ou qualquer renda advinda do trabalho, aposentadorias, pensões e outros rendimentos destinados ao sustento do devedor, salvo em caso de atraso de pensão alimentícia;
- O único imóvel de família, exceto quando este bem for garantia de um empréstimo, ou em casos de dívidas em atraso do próprio imóvel (financiamento, condomínio, IPTU e hipoteca), pensão alimentícia e dívidas com trabalhadores domésticos da própria residência;
- Os móveis e utilidades domésticas da residência, com exceção daqueles que têm alto valor ou que ultrapassam as necessidades de um padrão médio de vida;
- Itens de vestuário e pertences de uso pessoal do devedor, a menos que tenham alto valor;
- Os instrumentos e móveis necessários ao exercício de qualquer profissão;
- O seguro de vida;
- Os materiais necessários para obras em andamento, a menos que estas tenham sido penhoradas;
- A pequena propriedade rural trabalhada pela família;
- A quantia depositada em caderneta de poupança no valor de até 40 salários mínimos.
4. Como faço para “limpar meu nome”?
As únicas maneiras de realmente “limpar o nome” são pagando a dívida ou fazendo uma renegociação. No primeiro caso, pode-se quitar o valor integral da dívida em atraso, ou renegociar para obter uma melhor condição à vista. No segundo, a renegociação prevê novos prazos e taxas de juros, em substituição à antiga dívida. Até mesmo as dívidas em atraso com as três esferas do poder público podem ser parceladas em alguns casos.
Tão logo o débito seja renegociado e a primeira parcela paga, o credor tem cinco dias para tirar o CPF do inadimplente dos cadastros de maus pagadores. Caso isso não ocorra, o devedor deve alertar os credores e o órgão de proteção ao crédito, e uma demora excessiva pode justificar uma ação judicial por danos morais.
Não acredite nos anúncios que prometem “limpar o nome sem pagar a dívida”, pois são golpes. Em troca de um depósito em dinheiro, os golpistas geralmente oferecem apostilas que ensinam o devedor a entrar com pedido de liminar que acaba não surtindo efeito ou até a adotar condutas ilícitas, como emitir um novo CPF, levantar falso testemunho ou tentar corromper funcionários dos órgãos de proteção ao crédito.
5. As dívidas em atraso prescrevem?
Sim. Caso o devedor não pague nem renegocie sua dívida em atraso, seu CPF só pode permanecer nos cadastros de inadimplentes por, no máximo, cinco anos. Este é o prazo do credor para realizar a cobrança judicial ou uma tentativa de renegociação. Após esse período, o CPF do devedor deve, por Lei, sumir dos cadastros de inadimplentes.
Após a prescrição, a dívida não deixa de existir, mas o devedor volta a ter acesso ao crédito normalmente. Se quiser, ainda poderá pagar o débito, mas este não poderá mais ser cobrado judicialmente. Se antes da prescrição o credor tiver entrado com ação de cobrança, aí sim o devedor terá que pagar ou entrar em um acordo de qualquer jeito; mesmo assim, seu nome será retirado dos cadastros de inadimplentes após a prescrição da dívida, mesmo que o processo ainda não tenha sido concluído na ocasião da prescrição.
De acordo com o Código Civil, a maioria das dívidas atrasadas prescreve em cinco anos a contar de sua data de vencimento. É o caso das contas de consumo (como água, telefone, luz e gás), dos consórcios, das mensalidades escolares, dos planos de saúde, das taxas de condomínio, das faturas de cartões de crédito, dos pagamentos pelos serviços de profissionais liberais e dos empréstimos e financiamentos bancários. Os tributos também prescrevem em cinco anos, porém a data inicial de contagem é o primeiro dia útil do ano seguinte ao de sua quitação, diz o Código Tributário Nacional.
Outros débitos têm prazos diferentes para prescrever: três anos para aluguel; 20 anos para condomínio, plano de saúde e faturas de cartão de crédito anteriores a 11 de janeiro de 1993; e um ano para seguros e despesas com hospedagem e alimentação (por exemplo, em um hotel). Em função disso, os comprovantes de pagamento de cada uma dessas despesas devem ser guardados por prazo semelhante ao da prescrição de uma eventual dívida.
6. O que preciso fazer para renegociar minhas dívidas?
Para o advogado Ronaldo Gotlib, autor do livro “Dívidas? Tô fora! – um guia para sair do sufoco”, o primeiro passo é fazer uma autoavaliação e entender por que ocorreu a inadimplência. “Antes de tudo, é preciso verificar o que precisa mudar e separar quanto será economizado para ser possível honrar as condições da renegociação”, diz Gotlib. O segundo passo é pôr na ponta do lápis todas as dívidas, chegando ao montante total devido no mercado e à lista de credores.
A iniciativa de renegociar pode tanto partir do credor como do devedor. Neste segundo caso, o devedor deve procurar os credores e localizar o negociador para fazer uma proposta. “O devedor precisa ser firme, demonstrar que quer pagar, pedir os valores atualizados e oferecer uma proposta dentro de suas reais possibilidades”, diz Gotlib. Pode-se pedir, portanto, um prazo maior, juros menores ou a quitação à vista com desconto, por exemplo.
Mas é crucial fazer uma proposta realista, pois ao renegociar, na prática o devedor está extinguindo a dívida anterior e criando uma nova. Ou seja, se não conseguir honrar as novas condições, novamente seu CPF será inscrito nos cadastros de inadimplentes por um novo prazo de cinco anos.
7. Como eu posso chegar até o credor?
Além de procurar o credor diretamente – por exemplo, ir até uma agência do banco no qual se tem atraso – existem outros canais facilitadores, como os mutirões de renegociação de dívidas promovidos por entidades como a Serasa, o SPC, os Procons e as Defensorias Públicas dos estados. Estas são oportunidades de obter auxílio para mapear as dívidas e renegociá-las, muitas vezes com auxílio de mediadores ligados a órgãos de defesa do consumidor.
Recentemente, a Serasa Experian também lançou uma ferramenta de renegociação pela internet. Neste caso, porém, a iniciativa é do credor, que se dispõe a negociar via web. Ao receber a carta da Serasa avisando sobre a inclusão do CPF no cadastro de inadimplentes, o devedor pode receber junto uma senha, que lhe permitirá verificar online quais as condições do credor. O devedor pode aceitá-las e já imprimir o boleto de pagamento ou recusar e entrar em contato com a instituição.
8. O credor é obrigado a aceitar minha proposta?
Não. Porém, caso a via extrajudicial não funcione ou a cobrança seja considerada abusiva, o devedor pode entrar com uma ação judicial. “O devedor pode solicitar uma discussão judicial daquela dívida. Esses casos geralmente são encaminhados para os Juizados Especiais e quase sempre saem acordos”, observa Ronaldo Gotlib.
9. Quais dívidas devo priorizar?
Dívidas de consumo essenciais, como água, luz e gás, devem ser priorizadas, uma vez que o corte desses serviços pode transformar a vida de toda a família em um suplício. Atrasos de tributos e pensão alimentícia também merecem atenção especial, uma vez que podem levar à penhora de bens mais facilmente que as dívidas com empresas e bancos. Dentre os empréstimos bancários, a prioridade deve ser pela quitação das dívidas nas linhas mais caras, notadamente o rotativo do cartão de crédito e o cheque especial.
10. Vale a pena trocar dívidas caras por uma dívida mais barata?
De modo geral, sim, mas varia conforme o caso. “Tomar um único empréstimo com uma taxa menor para quitar outras dívidas mais caras no mesmo banco vale muito a pena. Mas se são instituições diferentes, pode ser melhor renegociar com cada uma”, sugere Ronaldo Gotlib, que lembra que cada situação tem um remédio mais adequado: enquanto para dívidas antigas é possível pedir um bom desconto para pagar à vista, para dívidas mais novas pode ser melhor esticar o prazo de pagamento.
Se o mais vantajoso for a troca de dívida, o devedor pode pedir um empréstimo de juros baixos para liquidar todas as outras dívidas caras e ficar com apenas um financiamento. Ele pode, por exemplo, trocar dívidas no cartão de crédito e no cheque especial por um empréstimo pessoal, um empréstimo consignado ou mesmo uma linha que aceite um imóvel ou um carro quitado como garantia.
11. Como posso obter juros menores?
Em janeiro de 2013 entrou em vigor o cadastro positivo, onde constarão os CPFs dos bons pagadores que permitirem a inclusão de seus dados neste tipo de cadastro. Mediante autorização da pessoa, os bancos poderão verificar esses cadastros e, em tese, conceder juros mais baixos e melhores condições de crédito a quem tiver um bom histórico.
Enquanto o cadastro não entra em vigor, contudo, há outras maneiras de tentar obter juros menores na hora de renegociar a dívida. Uma delas, já citada, é quitar o débito por meio da obtenção de um empréstimo com o imóvel ou o carro em garantia. Chamado refinanciamento, essa linha permite que o bem seja alienado em caso de inadimplência.
Vender um bem e tentar renegociar com dinheiro em mãos é outra alternativa. Mesmo que a dívida não seja quitada, ela já poderá ser largamente abatida. Finalmente, uma boa dica ao renegociar com um banco é procurar o gerente de outra agência, diferente daquela onde o empréstimo foi concedido. O profissional pode oferecer melhores condições na tentativa de trazer sua conta para a agência dele.
12. A portabilidade realmente vale a pena?
Se esgotadas as possibilidades de renegociação no banco onde você já tem relacionamento, a portabilidade pode ser vantajosa para obter juros e condições melhores, principalmente depois que os bancos entraram em um rali pelo corte de juros. Antes de migrar, porém, lembre-se que ao começar o relacionamento com um novo banco você zera seu histórico e pode perder benefícios. Além disso, se houver um aumento nos custos com tarifas e pacotes de serviços, a vantagem do juro menor será anulada.
A migração normalmente só é vantajosa para linhas como financiamento de carro, crédito direto ao consumidor, empréstimo pessoal e empréstimo consignado. Dificilmente vale a pena migrar um financiamento imobiliário, uma vez que os custos cartorários costumam ser pesados e anular os juros menores. Mas para quem decidir migrar, é preciso entrar em contato com o banco que vai receber a dívida, que pode ou não aceitar a portabilidade. Se a dívida for aceita, o banco de destino é o responsável por quitá-la no banco de origem.
Por Julia Wiltgen
Fonte Exame.com