A Constituição Federal assegura a todos os direitos sociais e, notadamente, o livre acesso à Justiça, cláusula pétrea, cujo embasamento exige uma reflexão sobre o aumento do número de demandas sob o benefício da gratuidade processual.
Milhões de brasileiros consumidores, arrostando essa condição, resolveram questionar seus direitos na Justiça e uma parte razoável o faz com pretensão à certeza de nenhum custo processual.
Cumpre ponderar que o Estado brasileiro está alçado na categoria daqueles que mais arrecadam, mas, em contrapartida, presta um desserviço público, por múltiplos fatores que não vêm apelo.
O cidadão que precisar de um atendimento de saúde, de uma escola para o filho, ou mesmo de um medicamento, somente ele e seus familiares saberão os transtornos e as dificuldades existentes.
Na Justiça, igualmente, seu funcionamento moroso já está comprometido pela infraestrutura, mas se os Juizados Especiais foram criados para aplacar os direitos violados, não seria esse o caminho natural dos consumidores?
Ao que tudo indica, o emperramento do chamado juizado de pequenas causas desmotivou boa parte da população, ingressando com suas demandas na Justiça comum.
A Lei 1.060/1950 não veio como presunção absoluta e sua relativa aceitação é confrontada pela Constituição Federal.
A rigor, não deveria caber ao órgão judiciário o exame da matéria, mas sim, às Procuradorias e Defensorias Públicas, que fariam uma prévia triagem, com pessoal e equipamento on-line, no propósito de desvendar a questão.
O Conselho Nacional da Justiça revelou que a multiplicação incontável de demandas propostas mediante justiça gratuita vem sendo um grave problema para a administração da Justiça e os prejuízos são enormes, daí a mudança de mentalidade para concessão do benefício.
É correto ponderar que ele se aplica, via de regra, à pessoa natural, física, mas não refoge da jurídica, de conformidade com a Súmula 481 do STJ, mas é fundamental, indispensável e imprescindível a comprovação, estreme de dúvida, e a demonstração plena dessa circunstância.
A Lei Paulista que disciplina o recolhimento de custas e demais atos processuais abre exceção para o deferimento em hipóteses numerus clausus, donde a necessidade de sua reforma, a permitir, ao menos, um valor mínimo, quando se apresenta o interessado em dificuldade financeira.
O grande aspecto é o custo zero da demanda e o risco esvaziado de um julgamento de improcedência, quando o vencido terá cinco anos contra ele correndo para, se modificada sua situação, pagar os ônus da sucumbência, o que geralmente não acontece e ninguém ficará monitorando esse estado de coisa.
Na vertente exposta, o benefício da gratuidade, que seria uma exceção à regra, se transformou, ao longo dos anos, num verdadeiro malefício para Justiça, porquanto na medida em que ingressam ações dessa espécie, não há um fundo de reserva ou mínimo desembolso para suavizar o andamento e tramitação, os quais, diga-se de passagem, ao contrário dos demais serviços públicos, em tese, será igual aos outros.
A isonomia processual deverá ser respeitada, e se for idoso ou tiver alguma doença grave, suscitará prioridade na tramitação.
A Justiça brasileira já tem muitos e complexos problemas para solução, e colocar em suas mãos a análise da gratuidade não apresenta sentido, mais ainda quando a parte consegue decisão favorável num processo e desfavorável noutro, embora não ocorra coisa julgada.
O juiz poderá conceder ou revogar o benefício a qualquer momento, dentro das condições objetivas da lide, mas, o que assistimos hoje é, em função do indeferimento, o surto de recursos visando a finalidade do interessado.
E muitas vezes o requerimento é feito quando a sentença não acolhe a tese do autor, ou desfavorece o requerido, quebrando a necessidade de se provar o fato superveniente propício ao requerimento.
Não se justifica que o tomador de recurso junto ao banco tenha se tornado hipossuficiente financeiro e venha alegar abusos e outras irregularidades para inversão do ônus da prova e, principalmente, do pagamento do perito.
Essa dificuldade existente precisa ser sanada pelo CNJ para harmonizar e unificar o tema, no aspecto de retirar do Judiciário a análise do pedido, bastaria juntada de declaração de rendimentos, holerite ou documento, sua triagem e o próprio Estado, via Defensoria ou Procuradoria, atestaria a sua circunstância.
E se o interessado tiver causídico particular, ele deveria, antes de ingressar com a demanda, entrar no sistema on-line, preencher os dados, fazer o requerimento para que aguardasse, em prazo curto, um certificado de autenticação ou de reprovação.
Em suma, o benefício da gratuidade, concebido para amparar poucos excluídos sociais, tornou-se erva daninha que edifica um malefício na qualidade da prestação jurisdicional e na contrapartida da própria razão de ser do processo.
Por Carlos Henrique Abrão
Fonte Consultor Jurídico