Pacto pré ou pós nupcial pode poupar a família de dores de cabeça no caso de divórcio ou morte de um dos cônjuges
Separação: mesmo quem adota união estável pode optar por outro tipo de partilha
Falar em regime de bens ou pacto antenupcial pode ser um tabu para quem está para casar. Mas quem for capaz analisar com menos paixão vai ver que fazer a escolha consciente do seu regime é, na realidade, uma maneira de fazer planejamento financeiro e até sucessório, principalmente quando existem filhos de casamentos diferentes.
É claro que ninguém quer se casar pensando no divórcio, muito menos na própria morte. Mas mesmo que a separação seja considerada improvável, nenhum casal está livre de mudanças e percalços. Não custa nada se precaver, e conversar sobre isso é uma forma de se preocupar com o bem-estar de toda a família. Lembre-se que processos de divórcio e inventário são desgastantes para todos os envolvidos, num momento de fragilidade emocional.
São quatro os regimes de bens adotados no Brasil. O regime-padrão é o de comunhão parcial, adotado para qualquer casal casado ou em união estável que não se manifeste em contrário. O problema é que esse regime permite que um dos cônjuges leve boa parte dos bens do outro, ainda que não tenha contribuído em nada para a formação daquele patrimônio. Quando um dos dois morre, o outro também concorre com os filhos em uma parte da herança, o que pode ser especialmente problemático caso os demais herdeiros não sejam filhos do cônjuge sobrevivente.
Para evitar que isso aconteça, é preciso fazer, de comum acordo, um pacto pré ou até pós-nupcial (isso mesmo, depois do casamento), modificando o regime de bens adotado ou até mesmo customizando o seu – desde que dentro da lei. O pacto é uma excelente ferramenta para o planejamento financeiro, e mesmo que não ocorra divórcio, de planejamento sucessório. Não são poucos os casos de famosos milionários que perderam um bom naco de suas fortunas por não terem se preocupado como esse nada pequeno detalhe.
Casais em união estável também podem optar por outro regime de bens, desde que façam um contrato de união estável em cartório, explicitando a escolha. “O contrato de união estável é totalmente informal, mas funciona como o pacto antenupcial no que diz respeito à partilha de bens”, explica Fernanda Rabello, professora do curso de especialização em direito de família e sucessões da PUC-RS.
Comunhão parcial de bens: o que entra e o que não entra na partilha
Esse é o regime padrão, adotado automaticamente para qualquer casal casado ou em união estável que não tenha se manifestado em contrário. Na comunhão parcial, apenas são divididos irmamente os bens adquiridos na constância da união, ficando de fora aqueles anteriores ao casamento. Ou seja, se a casa da família tiver sido paga por apenas um dos cônjuges, já depois do casório, ainda assim o outro terá direito à metade do seu valor.
Esse regime pode parecer razoável para muita gente, mas encerra uma série de armadilhas que podem agravar ainda mais o pesadelo da separação. É fácil entender como funciona para bens materiais: imóveis, carros ou quaisquer outros bens concretos anteriores ao casamento permanecem com seus respectivos donos em caso de divórcio. O mesmo ocorre com todos os bens doados ou herdados, antes ou depois da união, e dos valores que gerem caso sejam vendidos. O problema são os investimentos.
Se antes de casar, uma pessoa tiver dinheiro aplicado em produtos como fundos, ações ou poupança, apenas o que ela depositou e lucrou antes do casamento ficará de fora da partilha. Todas as aplicações posteriores ao casório, bem como a rentabilidade do período deverão ser partilhadas. Até planos de previdência privada abertos – PGBLs e VGBLs – podem entrar nessa dança, a menos que o titular tente alegar que eles se destinam a garantir-lhe a sobrevivência na aposentadoria. O argumento pode ser aceito, mas é um risco.
De maneira análoga, benfeitorias feitas em imóveis e aluguéis auferidos depois do início da união também devem ser partilhados, ainda que o imóvel seja anterior ao casamento, fruto de herança ou de doação. Outro caso curioso é o do dinheiro do FGTS, de participação nos lucros da empresa e dos programas de demissão voluntária. Se recebidos na vigência da união, esses recursos também são divididos. A exceção fica por conta dos fundos de pensão – esses são incomunicáveis.
Sucessão: A comunhão parcial pode se aplicar tanto a casamentos quanto a uniões estáveis, mas suas regras só são as mesmas em caso de divórcio. Se um dos cônjuges morrer, o destino dos bens será completamente diferente em um ou outro caso. Nas uniões estáveis, a questão é mais clara. O sobrevivente tem direito a metade dos bens adquiridos na constância da união – a chamada meação – além de concorrer com os herdeiros na outra metade dos bens comuns.
Já no caso dos casamentos, o cônjuge sobrevivente também terá direito à meação e a concorrer na herança, desde que existam bens particulares (anteriores ao casamento e que, portanto, não comunicam). Contudo, ainda não há concordância, no Brasil, sobre quais bens são de direito do sobrevivente, sendo a análise feita caso a caso.
Os outros regimes de bens e a solução dos imbróglios
Não é preciso pensar muito para perceber que o risco de confusão quando se adota a comunhão parcial de bens é alto. Pode acontecer de um dos cônjuges enriquecer durante o casamento. Ou mesmo de contrair dívidas – que nesse caso seriam partilhadas no divórcio ou herdadas pelos filhos e pelo sobrevivente. Finalmente, existe a possibilidade de um dos dois falecer deixando filhos de um casamento anterior. Nesse caso, a concorrência do sobrevivente à herança pode causar desconforto e revolta entre os descendentes.
Para evitar esses problemas, o casal pode fazer um pacto antes ou mesmo depois do casamento para determinar outro regime de bens. Mesmo nos casos de união estável isso é possível: basta adicionar ao contrato o regime desejado. Também é possível customizar o pacto. Por exemplo, casar em comunhão parcial, mas tornar incomunicável o VGBL ou qualquer outro investimento especificado.
Dos outros três regimes existentes no Brasil, o da separação total de bens é o mais preto no branco. Quando adotada, simplesmente não existe partilha após a separação; se o casamento ou a união acabar, cada um vai para o seu lado levando o que está em seu nome. No caso de morte de um dos cônjuges, porém, o outro não tem direito nem à meação nem à herança, segundo decisão recente do STJ. Nada impede, contudo, que um faça doações ao outro em vida.
Outro regime que é interessante, principalmente para quem tem alta renda, é o de participação final nos aquestos. Extremamente incomum no Brasil, não é difícil adotá-lo, porém. Trata-se de um regime em que apenas serão divididos, em caso de divórcio, os bens adquiridos por ambos. Ou seja, existe o meu, o seu e o nosso. Assim, uma casa comprada com o dinheiro de ambos será dividida, mas não a poupança formada apenas com recursos do marido ou a previdência privada da mulher, ainda que posteriores à união.
Finalmente, existe o regime de comunhão total de bens, que já foi o padrão, antes da reforma no Código Civil. Atualmente em desuso, ele prevê que todos os bens, adquiridos antes e depois do casamento, mesmo que a título de herança ou doação, sejam partilhados igualmente pelo casal. O mesmo ocorre em caso de morte de um dos dois: o sobrevivente fica apenas com a meação, que é a metade de todos os bens, e não concorre com herdeiros.
Por Julia Wiltgen
Fonte Exame.com