Em vez de fazer longuíssimas sessões de terapia e gastar fortunas com psiquiatras, que tal tomar uma pílula para esquecer seus traumas? Esta é a proposta aventada por Adam Kolber, professor da Brooklyn Law School, em Nova York, e editor do blog Neuroethics & Law, em um artigo publicado na última edição da "Nature". O advogado quer que as drogas amortecedoras de memória, exorcizadas há oito anos pelo Conselho de Bioética da Presidência dos EUA, ganhem uma nova chance. São, segundo ele, a melhor forma para que vítimas de experiências como assaltos, desastres naturais e atentados terroristas possam recomeçar suas vidas.
A bandeira levantada por Kolber, no entanto, ainda encontra resistência entre bioeticistas. Entre os motivos alegados por eles está o temor de dar poder demais às pessoas para alterarem suas experiências, o que comprometeria seu próprio senso de identidade.
O advogado, no entanto, considera que estes argumentos "não são persuasivos", e que os excessos poderiam ser combatidos por regulamentações e novas leis. Kolber vê um futuro promissor em produtos ainda não testadas em humanos, como a droga ZIP, que faz ratos viciados em cocaína esquecerem o local onde a recebiam.
Ele menciona, também, o anti-hipertensivo Propanolol. Já usado para controlar a pressão arterial, ele também poderia aliviar dores associadas a experiências traumáticas, interferindo no lançamento de hormônios do estresse que, de outra forma, fortaleceriam essas memórias.
A animação de Kolber não é compartilhada por Iván Izquierdo, professor de Neurologia e diretor do Centro de Memória da PUC-RS. Segundo ele, a eficiência do Propanolol para este fim é curtíssima - a vítima precisaria tomá-lo menos de cinco minutos depois de passar pela experiência traumática.
- É preciso ingeri-lo imediatamente, de repente até pedir licença para o ladrão no meio do assalto - ironiza. - Todos precisaríamos andar com a droga no bolso, o que não é prático. Milhares de pessoas passeavam por Manhattan no dia 11 de setembro de 2001 sem saber que dois aviões atacariam as Torres Gêmeas e provocariam aquele desastre.
Segundo Izquierdo, outras drogas teriam efeito mesmo sendo ingeridas 12 horas após o trauma, mas elas são tóxicas e ainda não passaram por teste clínico.
O melhor tratamento contra as experiências desagradáveis, de acordo com o neurocientista, é o mesmo há mais de um século: a extinção. O procedimento inibe a evocação da memória. Consiste em ver a cena traumatizante, como um assalto, em um outro contexto, acompanhado por um psiquiatra.
- Pouco se pode fazer uma vez que a memória foi adquirida. Ela fica para o resto da vida - explica. - Mas, com a extinção, nós mostramos a cena traumática ao paciente, como vídeos sobre ataques terroristas, e ele percebe que pode falar sobre aquilo. Este tratamento pode demorar meses, mas é muito eficiente.
Por Renato Grandelle
Fonte O Globo Online