“Você sabe que um não é dois, um é o seu pequeno trabalho ali, uma é a minha pequena tarefa lá e um são o nariz e o coração e logo está vendo quanta coisa importante é um. E dois são os olhos, as orelhas, as narinas, meus seios, seus bagos, as pernas, os braços e as nádegas. Três é o mais mágico de todos porque o nosso corpo não o conhece, não temos nada que seja em três, e devia ser um número misteriosíssimo que atribuíamos a Deus, onde quer que vivêssemos. Mas pensando bem, eu tenho só uma coisinha e você tem só um coisinho, fica quieto e nada de brincadeiras, e se pusermos essas duas coisinhas juntas acaba dando uma nova coisinha e acabamos em três. Precisamos então de um professor universitário para descobrir que todos os povos têm estruturas ternárias, trinitárias ou coisas do gênero? Mas não faziam religiões utilizando o computador, de modo algum, era tudo gente de bem, que varriam com vassouras mesmo, e todas essas estruturas ternárias não são um mistério, são a narrativa daquilo que você faz e do que eles faziam. Mas dois braços e duas pernas fazem quatro, e eis que quatro é igualmente um belo número, principalmente quando se pensa que os animais têm quatro patas e de quatro é que andam as crianças pequenas, como bem sabia a Esfinge. Cinco não falemos disso, são os dedos da mão, e com as duas mãos tens aquele número sagrado que é o dez, e por força são dez até mesmo os mandamentos, por outro lado se fossem 12, quando o padre diz um, dois, três e mostra os dedos, para chegar aos dois últimos tinha que pedir emprestado a mão do sacristão. Agora toma o corpo e conta todas as coisas que despontam do tronco, braços e pernas, cabeça e pênis são seis, mas para a mulher são sete, por isso me parece que entre os seus autores o número seis nunca foi tomado a sério senão como o dobro de três, porque funciona só para os machos, os quais não têm nenhum sete, e como eles é que mandam, preferem vê-lo como número sagrado, esquecendo-se de que também as minhas tetas despontam para fora, mas paciência. Oito, meu Deus, não temos nenhum oito... não, espere, se não contarmos braços e pernas como um, mas como dois, por causa dos cotovelos e dos joelhos, temos oito grandes ossos longos que balançam para fora, e tome estes oito e mais o tronco e tens nove, e se puder põe aí também a cabeça e temos dez. E sempre girando em torno consegue-se arrancar todos os números que quisermos, pense nos buracos.
Nos buracos?
Sim, quantos buracos tem seu corpo?
Bem, comecei a contar. Olhos narinas orelhas boca ânus, oito.
Está vendo? Outra região em que o oito é um belo número. Mas eu tenho nove! E com o nono faço vir ao mundo, e eis por que o nove é mais divino que o oito!
(...).”
O Pêndulo de Foucault
Umberto Eco