É direito básico do consumidor ser protegido
de métodos comerciais coercitivos ou desleais impostos por fornecedor de
produtos e serviços. Por isso, a cobrança insistente feita a uma pessoa idosa e
viúva, por dívidas financeiras do marido, é prática abusiva à luz do inciso IV
do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90).
O fundamento levou a 9ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a aceitar apelação de uma viúva, que
teve pedido de indenização por danos morais contra um banco negado na Comarca
de Canoas. Com a decisão, unânime, o banco terá de indenizá-la em R$ 8 mil a
título de danos morais.
Na inicial, a autora contou que foi até a
agência do banco onde seu marido mantinha conta corrente para informar a morte
dele, ocorrida em 1º de maio de 2014. Mesmo assim, ela continuou recebendo
cartas de cobrança e ligações insistentes pelo celular. Nas mensagens, o banco
ameaçava penhorar os bens dela se não quitasse as dívidas do correntista
falecido. Ela alegou que a conduta foi abusiva, pois viveu ‘‘situação
vexatória’’.
A instituição financeira requereu a
improcedência da ação indenizatória, já que a cobrança de saldo devedor não
passa de ‘‘mero exercício regular de direito’’. No mérito, argumentou que a
autora não enviou a documentação necessária para cancelar o contrato havido
entre as partes. Além disso, informou na contestação, o falecido já tinha
outras inscrições em órgãos de proteção de crédito.
Sentença
improcedente
A juíza Gorete Fátima Marques julgou
improcedente a ação, por entender que a autora não conseguiu demonstrar que as
cobranças tenham lhe causado o alegado constrangimento. Ou seja, na percepção
da juíza, as cobranças, mesmo indevidas, não expuseram a autora ao ridículo nem
a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
‘‘Ademais, nem a autora nem seu falecido
marido tiveram seus nomes incluídos nos órgãos de proteção ao crédito, fato que
poderia ensejar restrição de crédito e configurar o dano moral alegado. Logo, não
restaram comprovados os requisitos da responsabilidade civil no caso em exame, de
modo que não pode prosperar o pleito indenizatório’’, escreveu na sentença.
O relator das apelações na 9ª Câmara Cível
do TJ-RS, desembargador Carlos Eduardo Richinitti, reformou o julgado, por
entender que a abordagem agressiva de cobrança vem se tornando prática cada vez
mais utilizada pelas grandes empresas. E essa conduta dá ensejo a uma série de
transtornos ao consumidor alvo dessa abordagem, afrontando vários dispositivos
do CDC, em especial o inciso IV do artigo 6º. Por isso, reconheceu o abuso e
arbitrou o valor da reparação moral em R$ 8 mil.
‘‘Coloco-me na condição desta viúva, recebendo
a toda hora correspondência dirigida ao marido falecido, como se vivo estivesse,
servindo apenas para tocar na ferida que jamais cicatriza e que tanto dói. Quem
está em uma situação como esta, não deve e nem merece ser submetido ao
tratamento decorrente de uma conduta comercial agressiva, abusiva, impessoal e
irregular. E mais: todas as cobranças foram remetidas após a família ter
informado o banco do falecimento de seu cliente’’, escreveu no acórdão.
Conforme Richinitti, se algum valor restou
pendente de quitação, o banco deveria tomar os meios legais para a cobrança, em
nome da sucessão do falecido. Mas nunca com práticas coercitivas e mesquinhas, desconsiderando
o abalo da morte de uma pessoa.
‘‘A condenação em valor mais significativo, absolutamente
justa no caso presente, considerando todos os transtornos verificados, fará
talvez com que a companhia repense sua forma de agir. Ainda que isso não ocorra,
ao menos servirá para que, agora, com o som mais alto da única voz que ouve e
do único comando que atende — do dinheiro e do lucro — atente à súplica de
parente sofrida que pede apenas para não mais receber correspondências
dirigidas a um marido morto’’, criticou.
Para ler a sentença: https://www.conjur.com.br/dl/sentenca-vara-civel-canoas-rs-nega-dano.pdf
Para ler o acórdão: https://www.conjur.com.br/dl/acordao-camara-civel-tj-rs-aceita1.pdf
008/1.15.0019187-1 (Comarca de Canoas)
Por Jomar Martins
Fonte Consultor Jurídico