Além do desempenho nas atividades cotidianas
de profissional do Direito, um advogado é avaliado nos escritórios americanos —
e muitas vezes admirado pelos colegas e clientes — por duas habilidades
especiais: a de fazer relacionamentos e a de escrever bem.
A opinião é de uma das maiores autoridades
em redação jurídica dos EUA, o advogado, escritor e editor-chefe de todas as
edições atuais do Black's Law Dictionary, Bryan Garner. Essa obra é o mais
conceituado dicionário jurídico dos EUA, às vezes citado pelos ministros da
Suprema Corte como uma “autoridade jurídica secundária”.
Apesar dessas credenciais, as dicas de Bryan
Garner, em um artigo publicado no Jornal da American Bar Association (ABA) —
são bem simples. Podem não ser aplicáveis, em sua totalidade, à cultura
brasileira, mas dá uma ideia dos problemas que os advogados americanos
enfrentam, no dia a dia, com a redação jurídica:
1. Antes de redigir,
certifique-se de que entende o problema do cliente. Faça todas as perguntas que forem
necessárias, investigue, leia os documentos relevantes. E sempre anote o que
for importante. Tome conhecimento de tudo o que for necessário da situação do
cliente. Se a tarefa de escrever lhe foi dada por um sócio do escritório que
conhece o caso, peça a ele que lhe transmita todas as informações do caso, em
detalhes. A responsabilidade sobre o resultado final do caso será parcialmente
sua. É quase impossível escrever uma petição, um requerimento, um bom memorando
de pesquisa, de forma abstrata. Se você tem todas as informações sobre o caso e
sobre a legislação e a jurisprudência pertinentes, você estará em uma posição
bem melhor para redigir um bom documento com competência.
2. Não dependa
apenas da Internet para fazer suas pesquisas. Combine a pesquisa no computador com a pesquisa em livros ou
qualquer outra publicação especializada. Busque informações em leis, jurisprudências,
arquivos, índices, resenhas, estudos, tratados, em suma, em qualquer fonte de
informação que lhe dê elementos para ajudar o juiz a formar sua convicção.
3. Nunca entregue
uma versão preliminar do trabalho em andamento. Um atalho comum, tomado por redatores jurídicos, especialmente
sob pressão do tempo, é o de entregar um rascunho ao chefe, na esperança de
obter correções, sugestões ou comentários que irão ajudar a melhorar o trabalho.
Esse é um risco muito grande. Supervisores (ou chefes) estão sempre muito
ocupados e, mais provavelmente, não irão ler uma “versão preliminar” — ou um
rascunho. Muitas vezes, apenas passam os olhos no texto e dão andamento ao caso.
Versões preliminares também não devem ser enviadas a clientes. Quando o tempo
está curto, é melhor passar para o “supervisor” e para o cliente informações
sobre o status do trabalho.
Minipetição e grande
petição
4. Escreva um
sumário de um longo documento logo na abertura do texto. Talvez essa seja a melhor recomendação do
autor a advogados, promotores e juízes (em suas decisões). Muitos profissionais
escrevem petições, por exemplo, como se estivessem escrevendo uma novela: deixam
o desfecho, o melhor da história, para o final. Se esquecem de que muitos
leitores não irão se dar ao trabalho de ler a “obra” completa, de cabo a rabo.
Segundo o autor do artigo, o sumário inicial
deve conter três elementos: as principais questões jurídicas levantadas no
processo, as respostas do peticionário para essas questões e as razões (ou
justificativas) para essas respostas — nestas se encaixam uma breve conclusão. E
tudo será devidamente resumido. A descrição dos fatos, por exemplo, deve ser
brevíssima. Eles têm pouca importância nesse ponto inicial da petição, em que o
leitor sequer conhece as principais questões do processo.
Há uma velha discussão no Brasil, como nos
EUA, se uma petição deve ser breve, enxuta, apenas com o essencial do caso, ou
se deve ser longa, com tudo que precisa estar no texto, para não haver falha
por omissão.
A recomendação de Garner sugere a ideia de
que o advogado deve fazer uma combinação das duas coisas: escrever uma petição
curta, entre meia e uma página, que contenha todas as informações necessárias, a
título de sumário. A probabilidade de que essa “minipetição” será lida é de
quase 100%.
E, na sequência, emendar a “grande petição”,
detalhada, que vai eliminar o receio do pecado por omissão. Tanto no Brasil, quanto
nos EUA, alguns advogados preferem continuar escrevendo petições extensas, com
todos os elementos que acreditam ser necessários. Porém, a iniciam com um índice.
Provavelmente, é uma ótima estratégia, porque o leitor (juiz, assistente
judicial, cliente, supervisor), que não está a fim — ou não tem tempo — de ler
tudo, vai escolher, no índice o que acha absolutamente necessário ler.
Na “grande petição”, a conclusão final
poderá ser mais bem elaborada. A minipetição é a última coisa a ser escrita, porque,
depois de escrever a grande petição, o cérebro se encarrega de selecionar o que
é mais relevante para a “história”.
Juridiquês e
verborragia
5. Faça um sumário
compreensível a não advogados. Você
deve escrever o sumário em uma linguagem que qualquer colega, amigo, familiar, jornalista
ou qualquer leitor possa entender. No sumário, citações de leis com seus
artigos e parágrafos, bem como juridiquês em profusão, podem ser dispensados. Uma
técnica para apresentar a questão é fazer uma pergunta para o juiz e sugerir a
resposta: “A Receita Federal pode aprovar uma dedução tributária sobre o valor
destinado à entidade beneficente? Sim, porque a lei prevê que…
6. Em suas
conclusões, não seja hesitante ou titubeante. Mas também não exagere na expressão de sua convicção. Uma
exposição ponderada pode ser mais convincente. Em outras palavras, não tente
sustentar seu esforço de convencimento em adjetivos, advérbios em excesso ou
com verborragia pura. A apresentação organizada de fatos e argumentos sempre
será mais eficiente.
7. Busque o tom
profissional mais adequado: natural,
mas não coloquial. Alguns advogados, principalmente os menos experientes, que
foram encorajados a evitar o juridiquês, se tornam “despreocupadamente
informais”, a ponto de desprezar os padrões normalmente aceitos para a redação
jurídica formal, diz o autor. Realmente, há muitas situações, como no sumário
inicial, em que o juridiquês deve dar lugar à linguagem mais simples. Mas, de
uma maneira geral, as coisas funcionam melhor, em quaisquer circunstâncias, quando
usadas com moderação. E todos apreciam o tom profissional.
8. Não dispense o
tratamento recomendável ao se referir a pessoas. Ao excelentíssimo, o que pertence ao excelentíssimo — e assim
por diante.
9. Releia o texto da
redação. Então, corte todos os
parágrafos e todas as sentenças ou frases desnecessárias — ou que não vão
contribuir para a formação da convicção do juiz. Verborragia é uma palavra que
descreve um texto ou uma fala com abundância de palavras, mas com poucas ideias.
Também é chamada de logorréia. Com a mesma ceifa afiada, corte palavras
desnecessárias. Por exemplo: “Há um consenso geral de opiniões dos juristas…”. Todo
consenso já é geral. Todo consenso já é de opiniões. Assim: Há consenso entre
juristas que…”, fica melhor.
10. Faça a revisão
do texto uma ou duas vezes mais do que você acha necessário. A segunda revisão, feita por outra pessoa, sempre
é mais produtiva. Mesmo publicações sérias cometem erros ridículos todos os
dias: erros de concordância, erros de digitação ou de emprego errado de
palavras, como “eminente” em lugar de “iminente”, entre outros.
A razão é a de que o escritor é o pior
revisor. Quando você escreve, sua mente trabalha duro no modo “conteúdo” — isto
é, ela se concentra nas ideias e na melhor maneira de expô-las. Então, quando o
escritor vai revisar seu texto, o trabalho começa no modo “revisão”, mas após
um pequeno trecho, retorna automaticamente para o modo “conteúdo”. E a revisão
vai para o brejo. Idealmente, os escritórios de advocacia deveriam submeter
seus textos a um revisor profissional. A quantidade de erros seria muito menor.
Por João Ozorio de Melo
Fonte Conjur