No
rastro da crise econômica de 2008/2009 nos Estados Unidos, a atividade de
freelancing na advocacia tomou um impulso significativo, porque as bancas
estavam demitindo, em vez de contratar. Nos últimos anos, depois de a crise
mostrar que esse meio de vida pode funcionar – e tem suas vantagens – o número
de advogados freelancers no país disparou. E não foi só por causa do
desemprego.
Sócios
de bancas decidiram abandonar a vida estressante de algumas sociedades para
atuar no conforto de suas casas. Muitas advogadas mães também trocaram o
escritório em um prédio sofisticado por um escritório virtual em casa, para
poder definir seus próprios horários de trabalho e ter tempo para cuidar dos
filhos.
Nos
Estados Unidos, prática se adequou por demanda de redução de custos.
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Advogados
empregados, que sonhavam em abrir seu próprio escritório, mas lhes faltava
coragem para se lançar em um empreendimento com despesas fixas mensais,
preferiram escalar o primeiro degrau da independência. E advogados aventureiros,
que sonhavam trabalhar da praia, da montanha ou de algum rincão distante,
entraram na onda.
Contratantes
de serviços seguiram a mesma onda. Escritórios de advocacia de todos os portes
e assessorias jurídicas de corporações estão dando trabalho aos advogados
freelancers, por algumas razões. Algumas vezes, porque foram obrigados a
enxugar suas equipes e há momentos em que precisam de ajuda externa. Outras
porque o freelancer tem uma especialização especial, como falar japonês, de
acordo com o Lawyerist.
A
banca Bingham McCutchen LLP montou uma pequena equipe de advogados, chefiada
por Alice Feng, cuja única responsabilidade é contratar e supervisionar os
serviços de advogados freelancers, de seus escritórios em San Francisco
(Califórnia) e Boston (Massachusetts). “Foi uma boa ideia porque os advogados
freelancers têm advogados na banca para fazer perguntas e lhes dar suporte”,
disse Alice Feng ao site Career.
Advogados
autônomos ou de pequenas sociedades também estão contratando freelancers,
quando sua carga de trabalho é excessiva ou quando precisam se ausentar do
trabalho por algum tempo – para viagens de férias, por exemplo.
Facilidade
Para
os advogados que se dedicam a uma carreira desse tipo, é mais fácil negociar a
prestação de um serviço com outro advogado, com um sócio de escritório ou com
um assessor jurídico de corporação, do que com clientes. O trabalho de
convencimento desse cliente (o outro advogado) só existe, praticamente, na
primeira vez. Depois tudo se resolve rapidamente, com apenas um telefonema ou
uma troca de e-mails.
Freelancers
também têm como clientes outros freelancers, porque podem surgir trabalhos para
quem já está muito ocupado. Eles formam uma rede de advogados e se recomendam
aos possíveis clientes (bancas, assessorias e outros advogados), quando não
podem aceitar mais um contrato de serviço.
Há
discordância entre os consultores que estudam o mercado freelancing para
advogados, no que se refere à(s) área(s) em que devem atuar. Segundo alguns
consultores, têm mais chance de conseguir trabalho advogados que podem atuar em
diversas áreas do Direito. Outros avaliam que profissionais especializados, com
nicho de mercado em que se destacam na multidão, têm mais oportunidade, porque
as bancas podem contratá-los mesmo que tenham advogados disponíveis no
escritório.
Trabalho de ghost-writer
Há
até advogados que contratam os serviços de advogados freelancer, como na
pesquisa de jurisprudência. A nova demanda, que está surgindo com muita força,
é o trabalho de ghost writer (escritor fantasma), para prestar serviços de
redação jurídica (como petições) ou ainda redação de blogs, artigos e conteúdo
para sites na internet.
Nos
EUA, esse trabalho é cobrado por hora (da mesma forma que o serviço jurídico)
ou por projeto (ou trabalho). Alguns advogados aceitam um terço do valor de
seus honorários de serviço jurídico. Outros cobram 50% ou até mesmo 60%. Um
advogado escreveu ao Lawyerist que cobra US$ 160 por hora para serviços de
redação, enquanto seus honorários de serviços advocatícios são de US$ 265 a US$
310 por hora.
O
problema, segundo ele, é que alguns advogados não dão valor ao próprio trabalho
e concordam com pouco. Mas, de maneira geral, vários advogados escreveram que
aceitam US$ 100 por hora. É preciso observar, no entanto, que no caso do
advogado freelancer, o tempo é corrido – isto é, não se conta, como em um
emprego, os tempos de recreio, almoço, cafezinho, bate-papo, como em um
escritório.
De
qualquer forma, há um consenso de que o preço a ser cobrado pelo serviço de
ghost writer é aquele que o mercado pode absorver. Isso também vale para os
serviços jurídicos.
Investimento e despesas mensais
Uma
necessidade é investir em tecnologia. Não necessariamente com alto custo. O
advogado precisa de um laptop e um smartphone, para começar. Além disso,
necessita dos softwares básicos para esses dispositivos, acesso Wi-Fi à
internet e conexão com uma impressora e um scanner (de alguma forma). Precisa
ainda ter acesso à pesquisa de legislação e jurisprudência.
O
advogado freelancer pode montar seu escritório virtual em casa. Uma opção
vantajosa é utilizar serviços de escritórios compartilhados, também chamados de
espaço de coworking jurídico. Esses espaços dispõem de equipamentos como
impressora e scanner, acesso à Internet, linha telefônica com
secretária/recepcionista (que podem garantir que nenhuma ligação de cliente
seja perdida), endereço para correspondência oficial, água, eletricidade,
câmeras de segurança, salas individuais e compartilhadas, sala de reunião e
networking natural com os colegas.
Um
exemplo de firma com essas características é a Animus Coworking Jurídico,
criada pela advogada e jornalista Débora Pinho, em Cuiabá, que dá uma boa ideia
sobre as vantagens desses escritórios. Além da importantíssima sala de reunião,
o compartilhamento de itens que significam despesas pode reduzir os custos
mensais do advogado. Já existem firmas similares em diversas cidades do Brasil.
Marketing
O
advogado freelancer precisa ter uma estratégia de marketing. Os esforços serão,
em princípio, mais simples do que o de um escritório de advocacia. Afinal, o
público-alvo do freelancer será escritórios, assessorias jurídicas e outros
advogados autônomos – não os tradicionais clientes.
O
material de marketing essencial para o freelancer é o cartão de visitas. E os
três principais esforços são: networking, networking, networking – ou formação
de relacionamento com os colegas de profissão. Ou seja, o freelancer tem de
frequentar os ambientes que os advogados frequentam: OAB, associações, eventos
(seminários, congressos, workshops), coquetéis etc.
O
objetivo do networking é conseguir trabalho e, tão importante quanto, criar uma
rede de referências (ou recomendações). Para esse fim, valem também convites
para almoço ou jantar, presença em happy hours, visita a clubes. Após os
primeiros trabalhos, se bem feitos, a melhor propaganda que um profissional
pode ter, o boca a boca, irá funcionar por si mesma.
Complementarmente,
o freelancer também deve ter um website, dentro de suas possibilidades, e
participar das redes sociais.
Alguns
advogados querem mais do que trabalhar para os colegas. Querem seus próprios
clientes. Nesse caso, eles devem desenvolver esforços de marketing direcionados
a clientes. Muitas dessas estratégias de marketing podem ser pesquisadas na
ConJur, com as palavras-chave “marketing jurídico” e “conquista de cliente”.
Alguns
advogados começam com 100% de trabalho freelancing e, em algum tempo, dedicam
um terço de seu tempo a essas atividades e dois terços a seus próprios
clientes. Os que querem conquistar seus próprios clientes devem escrever blogs
– veja como escrever blogs na Conjur.
Contrato de trabalho
O
fato de o advogado lidar com escritórios de advocacia, assessoria jurídica e
advogados autônomos têm algumas vantagens, dizem os consultores. Com o tempo, o
volume de trabalho se torna consistente, os resultados são previsíveis e
controláveis e os pagamentos serão feitos em dia.
Isso
vale uma pequena redução nos honorários e, em muitos casos, a relação de
confiança dispensa a elaboração de contratos de trabalho por escrito – até
porque, em algumas situações (em que a necessidade é urgente), não há tempo
hábil para fazer isso.
Mas,
se for preciso fazer um contrato, ele deverá prever, segundo a advogada
freelancer Emerald Gratz: 1) objetivo do trabalho freelancing; 2) pagamento; 3)
confidencialidade; 4) checagem de conflitos; 5) propriedade do produto do
trabalho; 5) parâmetros de responsabilidade profissional; 6) resolução de
disputas; 6) rescisão – nos EUA, 7) cobertura de seguro para má prática.
Plano financeiro
Também
é necessário um plano financeiro. A primeira parte é definir a estrutura
financeira: os honorários dependem de fatores como especialização, conhecimento
da matéria e anos de experiência, localização geográfica e o tipo do trabalho
ou projeto a ser feito. A chave é uma mistura de flexibilidade com um bom senso
de negócios – e do que o mercado pode absorver (o mais alto possível – em
inglês, o adjetivo cheap tem dois sentidos: barato e ruim).
A
segunda parte do plano é definir como cobrar os honorários e manter receitas. O
advogado saberá, evidentemente, que estrutura jurídica deve adotar. Mas o mais
importante é escolher entre a segurança de um emprego ou de uma sociedade em um
escritório estabelecido versus a atuação independente do advogado freelancer,
que organiza seu próprio sistema de trabalho, seus horários, seu estilo de vida
e, possivelmente, sua renda.
Para
o advogado freelancer iniciante é preciso conhecer a história bíblica das vacas
gordas e vacas magras. Haverá meses em que a renda do trabalho será bem maior
do que o que poderia obter em qualquer emprego, porém haverá meses em que será
menor. Por isso, uma alta renda em um mês deverá cobrir qualquer eventualidade
de baixa renda em qualquer outro mês.
O
advogado que queira concretizar o sonho de ser seu próprio chefe deve, também,
desenvolver seu espírito empreendedor. Há alguns textos na ConJur sobre empreendedorismo
e advogado empreendedor e, certamente, muitos outros na Internet.
Sair
de um emprego para se tornar freelancer não significa se livrar do trabalho
árduo. Significa trabalhar duro para, talvez, ser mais bem-sucedido e feliz do
que no emprego tradicional. É preciso uma boa dose de paixão pela profissão.
Como já escreveu Roberto Freire, “sem tesão, não há solução”.
Por
João Ozorio de Melo
Fonte
Consultor Jurídico