Psicólogo abordou ainda, em evento voltado a novos juízes, os mitos e verdades sobre a comunicação não verbal
Os “sinais da mentira” foram tema da aula ministrada pelo psicólogo Sérgio Fernandes Senna Pires, aos 21 novos juízes recém-empossados no TRT da 15ª, durante o XXI Curso de Formação Inicial Básica para Juízes do Trabalho Substitutos. O evento foi promovido pela Escola Judicial do TRT, e segundo o vice-diretor, desembargador Samuel Hugo Lima, o tema é proposital, porque “diz respeito ao dia a dia das audiências”, espaço onde o magistrado deve apurar “quem mente ou quem mente menos”. Samuel ressaltou que a sua geração teve de aprender na base “da tentativa e do erro”, porém ressaltou que espera que “os novos magistrados saiam com mais recursos”.
Estavam presentes também, além dos 21 novos magistrados, o juiz auxiliar da Corregedoria Regional, Renan Ravel Rodrigues Fagundes, e outros oito juízes titulares e substitutos.
O palestrante, que também é consultor legislativo nas áreas de Segurança Pública, Defesa Nacional e Direitos Humanos da Câmara dos Deputados do Rio de Janeiro, resumiu em quatro as 60 horas do curso que normalmente ministra sobre o tema, e que envolve os campos de estudo da comunicação verbal e não verbal, tecnologias e métodos para detecção de mentira, emoções e sistema nervoso, perfil dos mentirosos e observação do comportamento verbal e não verbal.
Apesar da extensão do tema, o palestrante salientou que seu objetivo seria “modesto”, e que se limitaria a uma apresentação geral. Senna partiu da linha do tempo, em que Charles Darwin, em 1872, registrou em livro “a expressão nos homens e nos animais” com a tentativa de universalizar as expressões faciais. Dos dias atuais, Senna destacou outros estudiosos como Edward Hall, Ray Birdwhistell, David Matsumoto e Paul Ekmann.
A mentira como parte da vida
“Contar mentiras e ser vítima delas faz parte da nossa vida”, afirmou Sérgio Senna. O professor endossou conceitos de mentira de outros pensadores, como Judee Burgoon e Aldert Vrij, que afirmam que a mentira é “qualquer controle intencional da informação para criar um falso entendimento da mensagem”, ou “uma tentativa deliberada sem aviso manifesto, para criar a crença do que o emissor considera não ser verdadeiro”. Para Senna, porém, “não existe um método nem máquina totalmente eficaz para detectar mentira” até porque “não existe um ‘nariz de pinóquio’ que cresce quando alguém mente”.
Sérgio Senna, que no campo acadêmico também desenvolve trabalhos em colaboração com pesquisadores nacionais e internacionais nas temáticas da análise da mentira e do comportamento não verbal nos processos decisórios, na Justiça e na Segurança Pública, apresentou aos novos magistrados teorias da paralinguagem, especialmente as relações dos sons vocais, suas características e o que é dito (tom, altura). Também abordou a percepção da aparência física (nossas características influenciam a opinião), a proxêmica, que estuda “o jogo de distância e posições que se entretecem entre as pessoas, os objetos e o ambiente”, a cinésica, que trata dos movimentos do corpo e as expressões faciais.
Senna lembrou que existem três tipos básicos de gestos: os negociados (convencionados), os ilustradores (ilustram a fala) e os manipuladores (revelam tensão e podem esconder mentira). Segundo o professor, os magistrados deveriam estar mais atentos a estes últimos.
Mitos e verdades sobre a comunicação não verbal
Condenando a grande quantidade de obras publicadas no país com a temática de comunicação não verbal, Senna reconheceu que muitas delas não passam de “autoajuda” e são pouco técnicas. Ele afirmou que a maioria das obras sérias ainda se encontra em língua inglesa. Para o estudioso, os Estados Unidos e a Inglaterra são os líderes mundiais em pesquisas sobre a mentira, e detêm importantes centros de estudos e publicações que cuidam do tema. Uma explicação para isso seria, segundo Senna, a formação ética calvinista, que prioriza o binômio trabalho e liberdade.
Senna salientou que muito do que se sabe sobre a comunicação não verbal é mito, como as informações de que “93% de toda comunicação é não verbal”, ou de que “existam fórmulas mágicas para detectá-la”, ou ainda que haja consenso sobre esse conhecimento ou que a comunicação não verbal seja um fenômeno universal. Nada disso, para Senna, é provado cientificamente. Já no campo das verdades, Senna destacou que a comunicação não verbal “possui dificuldades éticas”, que “ainda há poucos estudos em proxêmica” e que “há muitas dificuldades de se estudar a voz”. Todos os estudos atualmente são feitos nas áreas de fisiologia, neurologia, psicologia (comportamental), o que torna o assunto “um campo multidisciplinar”.
O polígrafo e a Mulher-Maravilha
Que ponto em comum haveria entre o polígrafo (o famoso detector de mentiras) e o “laço da verdade” da Mulher-Maravilha, heroína norte-americana criada em 1942? Afora o fato de ambos se proporem a “revelar” a verdade, o que ambos têm mesmo em comum é o seu criador, William Moulton Marston (no caso da heroína, ele usou o pseudônimo de Charles Moulton). O aparelho, que ainda ocupa o imaginário de muita gente como infalível na detecção de mentiras, não é tão eficaz assim, mas ao lado de outros que também se propõem a descobrir a verdade, e se utilizam de recursos como a medição da dilatação da pupila, da temperatura basal e até da voz (todos usando parâmetros do Sistema Nervoso), ainda tentam fazer o seu papel.
Nos Estados Unidos e na Inglaterra, diversos centros de estudos investem em novas tecnologias, como a ressonância magnética funcional e até o reconhecimento facial da mentira. Paul Ekmann, consultor do programa de televisão “Lie to me” e importante estudioso do tema, ousa afirmar que as expressões faciais humanas são universais, o que contraria, segundo Senna, o consenso acadêmico.
A mentira e a Justiça
De acordo com Senna, “para 85% das pessoas mentir é um ato de tensão”, e apenas 15% seriam os “mentirosos verdadeiros”. Para o professor, este grupo é o que preocupa, porque “uma mentira prepara sempre outra mentira”. Segundo Senna, “um mentiroso sempre passa por três fases: nega tudo, culpa o outro e minimiza os danos”.
O professor aconselhou os magistrados a “ouvirem” o mentiroso. Num processo dialógico, o início da conversa deve ser utilizado para se observar a linha de base e estabelecer o “rapport” (empatia com o entrevistado). Senna lembrou que a mentira sempre vem “embrulhada” em muitas verdades, mas cabe ao juiz atento exaurir os recursos de quem mente.
O palestrante lembrou que 85% dos que mentem “ficam mais lentos” (pelo menos 33% mais demorados que os que dizem a verdade). Outra forma de perceber a mentira é que ela se apoia melhor num conflito, e que por isso, “a conversa aberta, não acusatória, é cognitivamente mais desafiadora para um mentiroso”, além disso, perguntas elaboradas sobre a sequência cronológica e outros temas que envolvam detalhes e demandas da memória são difíceis para o mentiroso controlar, e por isso, uma boa técnica a se aplicar é fazer perguntas quebrando a ordem cronológica, ou até pedir para o entrevistado contar os fatos de trás para frente e, numa tentativa mais ousada desenhar (pois a memória pictórica não é a mesma porção do cérebro usada para mentir).
Senna lembrou que os “melhores” mentirosos são “bons atores e seu comportamento natural afasta suspeitas”. Ressaltou também que o mentiroso “profissional” é bem preparado, é original, tem raciocínio rápido, é eloquente e tem ótima memória, além de controlar bem as emoções (medo, culpa ou alegria). Por isso, algumas formas de se avaliar o discurso, se mentiroso ou não, é perceber a lentidão nas respostas, a tentativa de ocultar as emoções, o desconforto aparente e até se o entrevistado dá muitos detalhes e apresenta respostas evasivas, tentando desviar o foco, acrescentando informação irrelevante, intimidando o entrevistador e até desqualificando as informações disponíveis.
O palestrante ressaltou, porém, que podem ocorrer erros nessa avaliação do discurso. Os mais comuns, segundo ele, são: examinar indicadores errados, desconsiderar diferenças individuais, excesso de confiança nos métodos de detecção de mentiras.
Por Ademar Lopes Junior
Fonte Âmbito Jurídico