sábado, 30 de junho de 2018

TERAPIAS PERSONALIZADAS SÃO ARMA DO FUTURO PARA COMBATER O CÂNCER

é fator de risco para a doença, diz oncologista americano

Diante da lembrança de que, há alguns anos, os pacientes dificilmente se curavam de um tumor e eram submetidos a tratamentos extremamente penosos, o câncer ainda assusta. Sim, a doença é grave, cada vez mais comum e tem a longevidade como principal fator de risco, associada a outros hábitos do estilo de vida moderno, como o sedentarismo e o sobrepeso, afirmam especialistas. Mas a ciência tem avançado em direção a terapias personalizadas, com maior garantia de sucesso e que agridem menos o restante do organismo saudável.
Hoje o desafio está em vencer a escassez de recursos para pesquisas, aumentar o conhecimento sobre a doença e oferecer terapias eficazes para todos os pacientes, mesmo que a longo prazo. Esta é a opinião do futuro presidente da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco), Clifford Hudis, especialista em câncer de mama. O mandato de Hudis à frente de uma das principais entidades sobre câncer — responsável pela educação de oncologistas no mundo todo — com duração de um ano, mas, em conversa com O GLOBO durante visita ao Brasil, ele traça um panorama de como andam as pesquisas, o tratamento, e fala das perspectivas para o futuro: “As próximas gerações podem ser muito otimistas”.

TRATAMENTO E CURA HOJE
O tratamento de câncer é muito melhor hoje, apesar de não ser verdade que podemos curar todas as pessoas que queremos. Muitos convivem com a doença. Se você pegar todos os casos registrados nos Estados Unidos, e acredito que também na Europa, 67% dos pacientes estarão vivos em cinco anos. Pode haver uma impressão de que as pessoas estão tendo mais câncer hoje, mas isso se deve a duas coisas: a primeira é que nossa capacidade de registro é maior agora. A outra é que as pessoas vivem um pouco mais, devido ao bom controle de outras doenças. A idade é o maior fator de risco para o câncer.

DESAFIOS da Asco
O primeiro deles é a limitação de recursos, uma realidade em todos os lugares do mundo, por diferentes razões. O segundo é a explosão na comunicação e na mídia eletrônicas. Na medicina, isso significa que vamos ter disponíveis uma enorme quantidade de dados com os quais podemos aprender, não só a partir de pesquisas, mas também de práticas de rotina. Na minha opinião, estes dois desafios estão relacionados. De um lado, vamos ter que descobrir como entregar tratamentos cada vez mais caros e desenvolvidos para os pacientes, apesar de os recursos serem limitados. Mas acho que teremos a oportunidade de usar os recursos da tecnologia para otimizar a troca de conhecimento. Poderemos aprender com todos os pacientes que têm algo a nos ensinar se realmente conseguirmos registrar todos estes dados.

PESQUISAS
O melhor entendimento da biologia molecular do câncer, que leva ao aumento do número de subtipos de tumores, é uma oportunidade de ouro, porque significa que podemos desenvolver tratamentos mais eficazes e menos tóxicos. Eu não acho que isso deva ser um problema com relação aos recursos a longo prazo, porque este quadro vai levar a uma sociedade mais saudável e produtiva. Esse é o melhor argumento para conseguir investimentos agora. Hoje, eu diria que os tumores que mais requerem estudos são também os mais comuns, devido a seus impactos sobre a saúde pública: pulmão, cólon, próstata e mama. E a maior parte das pesquisas é resultado de uma parceria entre a academia e a indústria privada. Os cientistas costumam trabalhar num ambiente acadêmico, mas se têm uma boa ideia, ela será comercializada por uma empresa.

MEDICINA PERSONALIZADA
Hoje já é possível que algumas pessoas que têm mais chances de desenvolver um certo tipo de tumor tomem precauções para que isso não aconteça. Por exemplo, mulheres que apresentam a mutação do gene BRCA têm a opção de remover os ovários, pois essa característica aumenta o risco de câncer neste órgão. Além disso, a compreensão do perfil genético de diversos tumores aliada à análise genética do paciente, levaram à criação de remédios específicos. A ideia da medicina personalizada é identificar o remédio que funciona melhor para pacientes com características semelhantes. Algumas dessas armas estão disponíveis. Os remédios usados na terapia alvo entram nesta classe. Um dos objetivos é atacar o tumor e preservar o restante do organismo. Há áreas em que já é possível usar este tipo de droga, como melanoma, câncer de pulmão e de mama. No caso de alguns tumores de mama em estágio avançado, elas não necessariamente curam as pessoas, mas mudaram dramaticamente a quantidade de pacientes que vivem por muitos anos com uma boa qualidade de vida. Há, para certos tipos de câncer de pulmão que costumavam matar rápido, inovações usadas em conjunto com a antiga quimioterapia e que são terapias alvo que ajudam as pessoas a viver por meses ou anos. Há todos estes exemplos que provam que é possível, mas a questão é: quantos tipos de alvos realmente há e quantos tipos de drogas personalizadas nós podemos pagar para desenvolver, para cada pequeno subgrupo de pacientes? Este é um grande desafio. É nisso que todos nós estamos focados e trabalhando, acho que acadêmica e cientificamente.

PREVENÇÃO
Não fume. Mantenha-se magro. Exercite-se. Coma uma dieta com muitas frutas e legumes frescos. O tabagismo enfraquece a maioria dos nossos avanços e, para o público em geral que tem medo do câncer, a coisa mais importante é não fumar. Se você não fumar, diminui os riscos de desenvolver alguns dos piores tumores. Fora isso, estamos avançando cada vez mais no tratamento de outros, como os de mama, certas leucemias, linfomas e melanomas.

FUTURO
As próximas gerações podem ser muito otimistas com relação ao câncer. Além dos tumores de pulmão causados pelo tabagismo, a taxa global de controle do câncer tem melhorado e a taxa de morte tem caído por quase duas décadas. Esse quadro só vai melhorar à medida em que aprendermos mais e aperfeiçoarmos nossas terapias. Acho que, nos próximos dez anos, veremos um contínuo crescimento da compreensão da biologia molecular dos tumores e o aumento das formas de tratamento e prevenção de câncer usando abordagens cada vez mais personalizadas.
Por Juliana Câmara
Fonte O Globo Online