Digitalização total dos serviços pode significar, no
futuro, uma mudança até no que se entende por um banco. Bancários estão em
greve exigindo garantias em meio a esse processo
Desde
abril de 2016, o governo permite que clientes possam abrir ou fechar uma conta
em um banco sem precisar ir até uma agência. Isso pode ser feito por
aplicativos de celular ou no computador.
Os
bancos brasileiros não são obrigados a oferecer essa opção. Mas a decisão
assinala uma tendência crescente no Brasil e no mundo: a digitalização completa
dos serviços bancários.
A
vantagem para o cliente é clara: desburocratização e flexibilidade. Fica cada
vez menos essencial se deslocar até uma agência bancária. O banco, por sua vez,
tem gastos menores com infraestrutura de agências presenciais.
No
entanto, a digitalização não está agradando a terceira parte da equação: os
funcionários dos bancos. Os bancários estão em greve desde o dia 5 de setembro
e, entre as diversas reivindicações, muitas têm a ver com a maneira como os
bancos estão conduzindo o processo de digitalização.
As dimensões da digitalização
A
digitalização bancária consiste na migração para ambientes digitais de serviços
que antes só podiam ser feitos em agências bancárias, de pagamento de contas
até pedidos de crédito, aconselhamento com gerentes e, agora, abertura e
fechamento de contas.
Transações
bancárias digitais barateiam os custos de infraestrutura dos bancos. Na medida
em que cada vez menos gente procura agências para fazer transações, menos
funcionários são necessários. Há menos gastos com luz e energia, equipamentos e
mão de obra.
Mas
a digitalização não parte apenas de uma busca dos bancos para baratear custos
operacionais. É fruto, também, de uma demanda natural do mercado - e de uma
necessidade de oferecer serviços e produtos adequados a uma sociedade digital.
“Na
medida em que a sociedade se digitaliza em todos os aspectos do cotidiano e do
consumo, o cliente também espera isso do banco. E o banco precisa fornecer um
serviço adequado a esse novo paradigma”, afirmou ao Nexo Leonardo Azevedo,
diretor de vendas da GFT, consultoria em tecnologia para serviços financeiros.
Se
hoje a digitalização consiste simplesmente na migração dos serviços bancários
já tradicionais para o celular ou o computador, no futuro, ela pode significar
uma mudança até no que se entende por um banco - e os serviços que ele fornece.
De
acordo com Azevedo, a tendência a médio e longo prazo é que os bancos usem “big
data”, isto é, o conjunto massivo de dados sobre os gastos e preferências dos
clientes para oferecer serviços e produtos personalizados. Por exemplo: se você
compra uma passagem aérea no cartão de crédito, o banco pode lhe oferecer
desconto em um restaurante no destino.
É
um recurso ao qual já estamos acostumados em outras plataformas que usamos,
como Google e Facebook. Para Azevedo, é natural que as pessoas comecem a
esperar isso dos bancos. E aqueles que puderem entregar esse serviço primeiro
terão vantagem competitiva.
As mudanças para funcionários e clientes
Há
pouco mais de dois anos, o Itaú, um dos maiores bancos do país, começou a usar
inteligência algorítmica para migrar parte de seus clientes para as chamadas
“agências digitais”.
Usando
dados sobre os horários em que os clientes entravam em contato com o gerente e
a quantidade de transações feitas on-line e visitas na agência, algumas contas
ganharam status de “digital”, isto é, teriam acesso ao gerente por meios
digitais - telefone ou internet - por um período de tempo além do horário
comercial.
Hoje,
outros bancos já oferecem serviços do tipo. O resultado é que funcionários que
antes atendiam seus clientes presencialmente passaram a fazê-lo por telefone,
com o uso de headset - aparelhos com fone de ouvido e um microfone, comuns no
telemarketing.
E
alguns clientes que antes tinham acesso aos seus gerentes de forma presencial,
hoje, só podem fazer contato por meios digitais. Caso queiram voltar a ser
atendidos presencialmente, eles precisam fazer uma solicitação ao banco.
Segundo
o sindicato, nenhum banco oferece redução em tarifas de transação ou de
manutenção de contas por elas serem digitais, embora transações digitais custem
menos para os bancos.
Ainda
de acordo com a entidade dos bancários, essa migração sobrecarrega os
funcionários - que acabam obrigados a assumir o gerenciamento de uma quantidade
maior de contas do que o fariam se atendessem em agências físicas comuns.
Eles
também reclamam que os bancários estão sendo realocados em agências digitais
mais distantes do que aquelas em que trabalhavam e que, em muitos casos, o
banco terceiriza o atendimento dos clientes nessas agências digitais e demite
funcionários antigos. Também alegam que alguns bancos estão impedindo o acesso
da fiscalização dos sindicatos aos novos espaços de trabalho, as “agências
digitais”.
“A
questão não é que a digitalização não deva existir ou que sejamos contra a
tecnologia. Mas essas coisas precisam acontecer com ganhos para todo mundo. Os
bancos estão ganhando muito, e a sociedade tem que ganhar também.” - Juvandia
Moreira, presidente do Sindicato dos Bancários.
O
sindicato dos bancários pede um debate com os bancos sobre esse novo cenário.
Querem regularização dessas vagas de caráter novo, que atendem os clientes por
meio de contas exclusivamente digitais - tanto nas condições de trabalho quanto
nas horas trabalhadas.
Além
disso, pedem que a redução de custos que a digitalização traz seja repassada
para o consumidor, em forma de taxas menores, e para os funcionários, em forma
de reajustes salariais.
O
setor bancário é o mais lucrativo do país e, de acordo com o sindicato, os
ganhos com tarifas pagam, com sobra, toda a folha de funcionários dessas
empresas.
O que diz a entidade que representa os bancos
A
Febraban (Federação Brasileira de Bancos) afirmou que está negociando com os
bancários. A entidade diz que ofereceu uma proposta de reajuste de 7% para os
salários e benefícios, além de um abono - uma remuneração, de acordo com eles,
superior à inflação prevista para os próximos 12 meses.
Sobre
a digitalização, a Febraban disse que “os avanços tecnológicos do setor são uma
resposta às demandas dos clientes e, com o surgimento de novos modelos de
negócio, mostram sua importância para a continuidade das atividades dos bancos
em um ambiente de crescente competição. Esses avanços são um forte aliado na
melhoria das condições de trabalho e posicionam os bancários entre os
trabalhadores mais qualificados e de maior empregabilidade”.
Fonte
Idec